VÍCIOS DO NOSSO COTIDIANO
Quando treinava a grande equipe juvenil do Flamengo de 1965, com Peixotinho, Gabriel, Pedrinho, Robertinho, todos com passagem posterior pela Seleção Brasileira, o grande Togo Renan Soares, Kanela, fazia questão que após o treino de sua categoria participassem também do treino da primeira divisão, preparando-os para assumirem a equipe no futuro. Nesta equipe havia dois norte-americanos, que pouco ou nada entendiam do português. Num destes treinos comandado pelo assistente do velho Togo, me deparei, vindo do vestiário, com a seguinte cena: pedia-se ao Pedrinho ou ao Peixotinho que comandasse as jogadas com ordens em inglês para o entendimento dos norte-americanos. Intervi de imediato, já que eram jogadores da minha equipe, e fiz ver a todos que o correto era que eles, os norte-americanos, procurassem entender o nosso idioma pois estavam participando de uma equipe brasileira. Após um breve mal-entendido com o assistente, eis que um dos norte-americanos se aproximou e disse arrastando nossa lingua: “Coach, o senhor ter razão!”, e nada mais foi discutido.
Quando vejo hoje pela televisão nossos esforçados técnicos dando instruções paralelas, fazendo absoluta questão de demonstrar o quanto falam mal o idioma de nossos irmãos do norte para num espaço de 60 segundos criarem uma confusão digna de Babel, volto no tempo para recordar aquele gigante negro que na maior doçura afirmava “Coach, o senhor ter razão!”.
“E o pivô penetra na área pintada para mais uma enterrada!” E se a área não estiver pintada? O que dizer? Convenhamos, transmissões esportivas são, em qualquer parte do mundo, formadoras de opiniões. Criam hábitos, formam e divulgam atitudes, são extremamente importantes como veículo de conhecimentos para públicos diversos, jovens em particular. Por que não manter a designação “garrafão”? E o pior é que traduzem errado, inventam o que não existe, senão vejamos. Os norte-americanos designam a área restritiva (por ser a zona dos 3 segundos) por Paint, não como se a mesma fosse pintada, e sim com o significado de”moldura”, por envolver a área restritiva. Mas, por que o termo garrafão? A primeira imagem que o Brasil teve das marcações de uma quadra de basquetebol na primeira década do século passado, tinha na área restritiva a conformação idêntica aos garrafões de vinho da época. Essa forma só foi mudada com a adoção, em 1952, da área restritiva que até hoje vigora nos campeonatos universitários dos EEUU. A tradição em português deveria ser mantida como uma conquista da vontade popular, mas o certo, o elegante, o”fashion”, são novas designações, “novos tempos”.
E o que dizer dos palavrões em linha aberta, para todo o território nacional, não em inglês e sim no idioma castiço!? Será que o simples fato de passar instruções técnicas se coaduna com verdadeiros massacres da língua-pátria? Professores, todos vocês estão sendo vistos e ouvidos por muitos jovens, em todos os recantos do Brasil. Eles merecem mais consideração, mais respeito, mais cultura. Incentivo psicológico passa a quilômetros de distância de palavrões e xingamentos. Decisivamente este não é um comportamento educativo. Mas nesse ponto muitos advogam a premissa de que técnico é uma coisa, professor outra. Nem aí copiam bem nossos irmãos norte-americanos, pois todos os técnicos da área estudantil (primária, secundária e universitária) lecionam disciplinas outras que não o basquetebol quando fora da temporada, daí seu prestigio junto às comunidades a que pertencem. Por toda a minha vida profissional sempre dei aulas e sempre treinei equipes, onde as experiências de uma área enriqueciam as da outra, sistematicamente. E este acúmulo de funções e responsabilidades nortearam minhas ações, meu comportamento, minha educação. Prezados colegas, ensinar, pela seriedade da função, não se coaduna com palavrões e xingamentos, tomem cuidado!
Quanto à gesticulação ao lado da quadra, a que denomino da “síndrome da luz vermelha” (pequena, porém brilhante lâmpada piloto que indica uma câmera de televisão em função), vício “importado” de alguns treinadores de futebol que, ao verem a luzinha acesa, desandam a gesticular e falar como se àquela distância algum jogador pudesse ouvir o que dizem. Mas impressiona e dá a entender grande participação no jogo, e também ajuda a manter empregos. Equipes bem treinadas e bem coordenadas dispensam tais coreografias.
Enfim, muitas modificações teremos que adotar para melhorarmos no âmbito desportivo e sugiro, como um razoável começo, que os técnicos saiam de suas auto-suficiências, desçam ao nível do solo, e tentem discutir, trocar idéias, simplesmente se reunir, como fiz no passado ao idealizar, propôr e organizar as primeiras associações de técnicos de basquetebol no Brasil, a ANATEBA, a BRASTEBA e a ATBRJ, e quando após o fracasso em Los Angeles reunia os técnicos cariocas na FE da UFRJ na Praia Vermelha somente para discutir, dialogar, trocar experiências. Tude Sobrinho, Heleno Lima, Ary Vidal, Chocolate, Waldir Bocardo foram alguns que não faltavam aos encontros das quartas-feiras à noite. Como aprendemos, como evoluímos. O basquetebol brasileiro precisa discutir seu futuro, e não serão dirigentes, políticos e afins que resolverão o problema, pois estes só encontrarão resolução com a participação de quem entende, vive e desenvolve o jogo: os técnicos.