UM ARTIGO DESLUMBRADO

Costumo ler todos os sites que falam do basquetebol em nosso país,e o faço democraticamente,sejam artigos deslumbrados,análises atropeladas ou leituras superficiais sobre os fatos da modalidade, pois todos são importantes ao gerarem saudáveis discussões,grandes divergências de opiniões,e que no transcorrer dos tempos
talvez nos levem ao encontro de um passado esquecido,de um reencontro de gerações,de uma retomada orgulhosa e possível do caminho extraviado.E para reforçar esta minha certeza de que o soerguimento é possivel,reproduzo para todos,jóvens e velhos praticantes,antigos e novos jornalistas,técnicos e apaixonados pelo basquetebol um artigo publicado na revista comemorativa do Campeonato Mundial Masculino de 1963 no Rio de Janeiro, e publicada pela CBB.O autor,Robert Busnel,membro da Comissão Técnica da FIBA, Selecionador e Técnico da Equipe Nacional Francesa,colaborador do jornal desportivo”L’Equipe”,de Paris e da revista”Basketball”,órgão oficial da Federação Francesa de Basketball e uma das maiores autoridades do Basketball mundial.
BRASIL,CAMPEÃO DO MUNDO COM JOGO RESPLANDECENTE E NO QUAL AS QUALIDADES FÍSICAS E A
PONTARIA ATINGIRAM VÉRTICES EXTRAORDINARIOS-
Os varios títulos em relêvo resumem um campeonato extraordinario.Nunca as equipes estiveram tão aproximadas umas das outras.Nunca os jogos atingiram um tal nível.Nunca as qualidades físicas dos jogadores e a sua pontaria foram tão determinantes.
Nesse ginásio do Maracanã,o maior do mundo,recordes foram batidos,com mais de 40.000
pessoas nos jogos principais,que fizeram um imenso Carnaval,onde a alegria não passou
nunca dos limites permitidos.Graças à vitória do Brasil,uma vitória justa,merecida e obtida num estilo fascinante,no qual os movimentos mais clássicos eram finalizados
por ações inesperadas. Um Amaury ou um Wlamir,parecem ter atingido os píncaros da
perfeição. Esse”diabo” do Wlamir,no contra-ataque,foi irresistível e a bola que
arremessava,em posições às mais acrobáticas parecia enviada à cesta como se fôra nos
braços de uma amante. Seu companheiro Amaury,base de tôdas as ações brasileiras,na
quadra apresentava a displicência de um grande Senhor.Mas isto era apenas aparente,
porque em todos os momentos críticos da sua equipe,sem falhar uma só vez,impunha a
sua lei de uma maneira espantosa. Em volta dêsses dois homens,é certo,havia outros
cujas mãos “roubavam” tôdas as bolas indisciplinadas. E,depois,havia o amor à cesta,
a atração de cada um,com um só objetivo: marcar o máximo de pontos. Saltando a alturas inacessíveis ao comum dos jogadores eles arremessam à cesta com facilidade
incrível num raio de oito metros. E,quando bem sucedidos,saltam ainda mais e sempre
para exprimirem sua alegria,com gritos estridentes que encontram eco no frenesi de
milhares de espectadores. Poder-se-á dizer que os americanos poderiam enviar uma
equipe melhor,que o encorajamento do público foi determinante,que o Maracanã é no
Brasil,mas não é menos verdade que este título de Campeão do Mundo foi conquistado
com um panache jamais igualado,com uma classe incontestável,com uma vontade que nos
leva à admiração. A equipe do Brasil foi realmente grande,a melhor,incontestàvelmente Campeão do Mundo em futebol,Campeão do Mundo em basquetebol, o Brasil pode orgulhar-se dos seus atletas, ou melhor, dos seus artistas!Se um Pelé ou um Garrincha encantam as multidões dos campos de futebol,pelo virtuosismo,um Amaury ou um Wlamir atingem as mais elevadas culminâncias pela elegância. Graças a essa maneira deslumbrante,eles arrastam não sòmente uma multidão apaixonada, mas também toda uma juventude ávida de assemelhar-se aos seus ídolos. Tôdas as noites,nos ginásios,nas ruas mesmo,ou às tardes,sob o sol poente quando as sombras invadem a praia de Copacabana,pode-se ver esses jóvens brincando com a bola encantada das suas
esperanças. E o Cristo do Corcovado,tão alto no céu,parece abençoar essa juventude
ardente,entusiasta,generosa,inquieta,que não acaba de nos surpreender e que um povo
inteiro encoraja com vozes que atingem as nossas entranhas e que vos dá,a vós também,
vontade de gritar:”BRASIL,BRASIL,BRASIL!”
Quem escreveu foi um filho do bêrço cultural da Europa,deslumbrado pelo que assistiu
e testemunhou,ao vivo e à côres.Só peço aos deuses que essa nova geração de escribas
tenha a chance que ele teve,para se verem,nem que por um momento,tão deslumbrados
quanto Robert Busnel.
Em tempo-Também estive lá.

COMANDO EXPLÍCITO

E a final aconteceu,e para que nenhuma dúvida ficasse no ar gravei a dita cuja em velocidade SP,a melhor.Não precisei nem revê-la para confirmar observações anteriores,pois,acima de qualquer dúvida,o óbvio foi mais que ululante.North Carolina e Illinois fizeram uma final,perante 50.000 mil espectadores(pagos com certeza)onde as estrêlas se encontravam FORA da quadra,e não DENTRO,como deveria ser pelo espírito da competição e da luta.Até paletó cor de laranja se fez presente,assim como as pranchetas reinaram absolutas.Para a inveja de muitos de nossos técnicos,seus colegas americanos podem pedir vários tempos,de curta ou longa duração(cronometrei seis deles com mais de três minutos para permitir a inserção de comerciais),o que de certa forma os colocavam no comando direto a cada três ou quatro posses de bola. Jogadores pressionados ou sem opções de passes também podem paralisar o jogo, para que os técnicos “desenhem”as movimentações técnicas.Ou seja, jogador não pode ter livre arbítrio,deve e tem de seguir movimentações estabelecidas por seus técnicos,e se num rompante de individualidade fugir do prescrito sua substituição é quase automática.Illinois optou pelo jogo baseado nos três pontos(até em contra-ataque o tentaram)e na fortíssima defesa.North Carolina apostou no jogo de meia e curta distância,apostou nos dois pontos,mais precisos e equilibrados, e por isso venceu. Jogou com a formação clássica de dois armadores,dois alas e um pivô forte,porém bastante rápido(reboteava na defesa e ia para a conclusão no ataque)Porém,o que ficou
patente,sacramentado, por se tratar da final do campeonato de maior tradição nos EEUU
(A NBA tem 60 anos a menos de existência),foi a total submissão das equipes ao rigorismo técnico-tático imposto pelos técnicos,de tal forma pétreo, que impossibilitam mudanças estruturais dentro do jogo.Uma ou outra mudança posicional,ou
mesmo comportamental ainda se faz presente, mas mudanças radicais,nem pensar. Táticamente começam e terminam da mesma forma,e ponto final.North Carolina apostou no
cansaço dos lançadores de Illinois,e para maior garantia cortou a linha de passes
velozes que propiciavam os arremêssos de três pontos equilibrados, ao mesmo tempo que
reforçava o jogo interior dos dois pontos(e muitas vezes de três pelo elevado número
de faltas no ato dos arremêssos).Concluindo,eram três ou quatro posses de bola e o
pedido de tempo se fazia presente,pois as estrêlas do jogo TÊM que jogar também.E o
engraçado é que após os mesmos as equipes voltavam agindo idênticamente ao que vinham
fazendo, ou seja,aquela quantidade de excelentes jogadores manietados aos esquemas
rabiscados nas pranchetas,estas sim, reinando absolutas,ofuscantes no centro(centro
mesmo,com todos em volta)das ações.Já comentei em artigos anteriores esse dominio
absoluto exercido pelos técnicos universitários em suas equipes,e a adoção maciça do
Passing Game como uma autêntica filosofia de jogo empregada por todos,por motivos que
também expús anteriormente.Essa atitude mantem e perpetua o dominio dos jogadores de
fora para dentro da quadra,e uniformiza politicas de recrutamento e controle de
qualidade,tal qual uma imensa indústria de equipamentos de alta precisão, e sem
dúvida nenhuma o maior beneficiário dessa indústria é a holding NBA, com uma única e
sutil diferença,que denominei no artigo anterior como a grande,inteligente e genial
contradição do basquete americano,fundamentada no sistema do Passing Game,que na NCAA
pela utilização dos 35 segundos de posse de bola mantem a equipe sob o controle dos
técnicos e praticamente inviabiliza o jogo de um contra um pela adoção das defesas por zona,flutuações e ajudas,ao contrário da NBA,que utiliza o mesmo PG,mas com a
não permissão de flutuações e determinadas ajudas explora ao máximo as situações de
um contra um,mesmo dentro das limitações dos 24 segundos,fator que retira dos técnicos muito do dominio exercido por seus colegas universitários.Numa rápida análise e consequente conclusão, o que pudemos atestar com boa margem de previsãa,é
que os EEUU correm um sério risco de ainda ficarem,e por um longo tempo fora das conquistas em campeonatos da FIBA,pois países como Argentina,Itália,Espanha, Lituãnia,para citar alguns, já evoluiram para um sistema de jogo bem adaptado aos
24 segundos nos ataques, e pela utilização e variação de sistemas defensivos negados
aos astros da NBA. A liberdade de criação,e consequente diminuição na influência dos técnicos sobre os jogadores,dão ao restante do mundo boas chances de adiarem a volta
dominadora dos astros da NBA,além,é claro,das sérias desconfianças que pairam por sobre muitos deles quanto a lisura de suas preparações técnicas.Mas isso é outra história…

A CONSTATAÇÃO DO ÓBVIO

No penúltimo artigo que publiquei sobre táticas e sistemas,mencionei a total similitude dos sistemas empregados pelos dezesseis, e depois oito finalistas do campeonato universitário americano. Agora mesmo,ao se encerrar a rodada dupla do Final Four,mais do que nunca confirmou-se tal similitude,e com um agravante,idênticos comportamentos quando fugiam da rigidez do Passing Game. Momentos houve,em ambos os jogos,como num toque de loucura coletiva,quando as regras e conceitos são quebrados por todos os envolvidos na quadra(técnicos à parte),em que uma correria desenfreada em contra-ataques sucessivos de ambas as partes,culminavam em êrros, até certo ponto primários e nada dignos de jogadores finalistas.E o jogo se transformava em uma competição de arremêssos de três pontos,mesmo em contra-ataques individuais,e em perdas de bola bisonhas em passes e dribles.Mas, eis que intervêm o técnico,colocando a todos nos trilhos previsíveis do PG,vamos chamá-lo assim,PG. E o que acontece? O que já vinhamos vendo em toda a competição,a constatação do óbvio.No NYT de hoje saiu
uma reportagem mostrando que na atualidade do basquetebol universitário americano,os
técnicos são mais enfocados pela mídia que os jogadores,e que suas funções de liderança e de comando os tornam preferidos em campanhas comerciais milionárias,como
as do American Express e Walmart,pelo seu carisma e poderosa imagem de vencedor.Mas,
e os jogadores,que pelas rígidas leis da NCAA nada podem receber,a não ser o estudo
alimentação e alojamento? Claro, que uma formação acadêmica,e uma possibilidade de ingresso na NBA são poderosos argumentos para que enfrentem os quatro anos de universidade,e que para tal se submetam ao sistema de jogo que subtrae dos mesmos o
livre arbítrio e muito de sua criatividade.Mas naqueles momentos de fuga e loucura
transgridem a tudo,erram bisonhamente e acertam brilhantemente,numa demonstração do
que seriam capazes de realizar se jogassem com mais liberdade e opções,como fazem os
profissionais que utilizam o mesmo sistema de jogo,o nosso familiar PG.E ai está a
grande,proposital e genial contradição do basquetebol jogado por nossos irmãos do
norte,e que copiamos erroneamente,por não entendermos o cerne da mesma.Porque contradição? Em artigos anteriores explico os porques que originaram a adoção do PG
pelos técnicos universitários,e numa breve síntese,é o sistema que garantiu o controle tático absoluto das equipes por parte dos técnicos,que temiam perdê-lo com
a adoção do limite de tempo de posse de bola. E ainda raciocinam e agem dessa maneira
ao permitirem 35 segundos de posse ,em vez dos 24 segundos da NBA e da FIBA,que para
eles não representa nada,inclusive nas regras particulares que usam.No entanto, permitem a utilização das defesas por zona,das flutuações e das ajudas defensivas.
O PG age como elemento congregador,cuja movimentação é plenamente planejada e controlada pelos técnicos,exatamente como uma grande coreografia. É um sistema,que pela velocidade dos passes,estabelece com elevada frequência o surgimento das situações de um contra um,pouco utilizadas pelos universitários,já que as defesas ,
flutuações e ajudas,obstaculizam tais ações,mas que cabem como luva entre os profissionais,por terem aquelas ações defensivas limitadas e praticamente proibidas.
Neste caso,as atitudes individuais e o brilhantismo técnico se sobrepôe à rigidez do
PG,sem negá-lo.Essa foi a contradição que derrubou Rick Pitino na NBA,e derrubará
todo e qualquer técnico universitário que tentar estabelecer o rigorismo do PG,ainda
mais sob a regra dos 24 segundos. E nós? E NÓS?? Ao copiarmos os profissionais esquecemos mais uma vez o óbvio, pois como empregamos a liberdade defensiva vimos
nossos armadores se transformarem em cestinhas,nossos alas esquecerem os fundamentos
e nossos pivôs se transformarem em massas disformes,lentos e em muitos casos,estáticos. E nossos técnicos,hipnotizados pelas mirangens da NBA,magistralmente
divulgadas pelo mundo televisivo e informatizado,sonhando com uma forma de jogar e
administrar o basquetebol sem ter um mínimo da retaguarda acadêmica e colegial que
eles possuem,e pior,sem sequer procurar,e mesmo estudar a grande,e repito,genial
contradição que mencionei.Nossos técnicos precisam entender com urgência,os meandros
sociológicos que cercam toda e qualquer política que visa desenvolver um progresso
desportivo,o qual espelha ações inerentes a cada povo ou nação,e que se bem entendidas e analisadas permitem que se estabeleçam ações antagônicas para enfrentá-las.Um técnico brasileiro não deve querer agir como um americano,pois são situações diametralmente opostas,realidades contrárias,diferentes. Deve,isto sim,
adequar nossa realidade pessoal,física,econômica e psicológica a técnicas e sistemas
que explorem ao máximo nossas potencialidades,que são únicas e especiais.Mas para
isso terão que estudar mais e procurar não se influenciar pelo canto de sereias.
Ulisses se acorrentou ao mastro de seu barco,às suas convicções e principios,e seguiu
em frente,de encontro a seu destino. Pensem bem sobre os porques dos argentinos,aqui
do lado,nos passarem e nos vencerem, e na segunda-feira,quando da final universitaria
americana tetemunhem,tão somente,a contradição do óbvio,e nada mais,por favor!