O DEVER DE APRENDER…

Esqueçam que houve um jogo contra a equipe dos Estados Unidos. Esqueçam que perdemos por 37 pontos de diferença. Esqueçam os rompantes pomposos dos responsáveis pela s transmissões . Esqueçam as definições de “basquete moderno”, “conceitos modernos”, “filosofias disso e daquilo”, e outras frases feitas de um discurso enfadonho, repetitivo e nunca empregado pelos que o defendem sempre que de posse de um microfone. Mas, jamais esqueçam as duras lições que nos foram impostas pela seleção americana, principalmente aquela que somente qualifica jogadores extremamente bem preparados nos fundamentos do jogo, na incumbência de jogá-lo em alto nível. A grande força da equipe americana se concentra no seu enorme potencial no domínio dos fundamentos defensivos e ofensivos, praticados por todos os seus integrantes, de qualquer posição, e que somados ao grande potencial físico, torna-os uma equipe difícil de ser batida, principalmente atuando em seus próprios domínios.

Por outro lado, nossa seleção se apresenta claudicante exatamente no aspecto de domínio dos fundamentos, com jogadores incapazes de exercer os movimentos defensivos básicos, ocasionando permanentes rotas de ações das equipes que enfrentamos, fator que anula todo e qualquer esforço ofensivo, pois a equipe não capitaliza os ganhos obtidos pelo mesmo. Temos graves carências defensivas, quiça ofensivas, todas motivadas pela nossa deficiência crônica nos fundamentos do jogo, que enquanto subsistirem anulará toda e qualquer possibilidade de progresso técnico-tático.

Claro está que uma equipe do calibre desse time americano, se insinuará sempre pelos setores ocupados por defensores de fraco desempenho, principalmente nas tentativas de arremessos longos, ou nas penetrações em drible na direção da cesta. Numa analise bem superficial, qualquer técnico de boa formação rapidamente localiza os pontos fracos em nosso sistema defensivo, principalmente quando em quadra os alas Marcelo e Marcos, que jamais poderão ser cobertos em suas seguidas falhas pelo fato, também primário, de nossos pivôs jamais marcarem à frente os adversários a eles destinados. Criam-se avenidas despoliciadas e liberadas para as mais eficientes e convergentes penetrações, que desequilibram profundamente todo o sistema defensivo da equipe.

Quanto ao nosso sistema ofensivo, que é rebuscado e prioritariamente efetivado e desenvolvido através passes lateralizados, com tentativas seguidas de corta-luzes efetuados fora do perímetro pelos pivôs, é totalmente comprometido pelo desconhecimento de grande parte dos fundamentos exigidos para a realização dos mesmos, assim como nos dribles e nas fintas sob intensa e pressionada ação defensiva. Trata-se de um sistema que privilegia rotações sem a bola e um exagerado emprego de corridas em torno do garrafão efetuadas pelo(s) armador(es), que os colocam fora do foco das ações, e utiliza um tempo exagerado para a definição das jogadas, tornando os arremessos precipitados e desequilibrados, mesmo os de media e curta distâncias. Torna-se necessário o encontro de uma nova concepção ofensiva, principalmente que se adapte rapidamente a ambos os sistemas de marcação adversária, o individual e o zonal. A utilização permanente de dois armadores deve ser implementada e desenvolvida, agilizando o ataque e o qualificando nos passes, nos dribles e nas fintas.

Finalmente, temos de desenvolver um conceito participativo impactante, no qual a definição da composição da equipe deve ser tomada com a antecedência necessária para que um bom plano de treinamento possa ser levado a termo, com a presença de todos os integrantes da equipe, sem os privilégios e ausências de alguns, em demérito de outros. Nossa seleção carece de preparo físico e consequentemente de preparo técnico coletivo, e muito mais de preparo individual nos fundamentos, que é a base dos demais.

Nossa performance ante a equipe americana, nada mais representa do que nossas deficiências de técnicas individuais, e por conseguinte, a não consecução das exigências inerentes a todos os princípios que regem sistemas de jogo, sejam lá os que forem escolhidos ou adotados pela direção técnica. Se observarmos com olhar isento e atento as ações dos grandes jogadores americanos, poderemos aquilatar e compreender quão precisos são seus movimentos, adquiridos pelo treinamento exaustivo e prolongado dos mesmos, tornando-os aparentemente fáceis de serem realizados, e que somados às suas exuberantes valências físicas, os tornam difíceis de serem batidos, e nunca esquecendo, que são o produto de uma intensa e tradicional massificação ocorrida nas escolas e universidades de todo o país, o que não ocorre em nosso país.

A classificação olímpica pode ser conseguida, apesar de muito difícil, pois teremos de nos defrontar com equipes que de certa forma privilegiam o ensino dos fundamentos, e se utilizam de sistemas de jogo bem mais evoluídos do que os que empregamos, como a Argentina e o Porto Rico, mas que não afastam de nós a possibilidade de classificação, que seria bem mais factível se percorrêssemos outros caminhos que não os que percorremos atualmente.

Enfim, tentemos retirar destes 37 pontos de diferença as lições mais significativas que nos beneficiem no futuro, reconhecendo o fato inconteste de que devemos mudar profundamente nossas concepções de ensino, preparo e treinamento de jogadores, assim como a premente necessidade de nos organizarmos em associações regionais de técnicos, a fim de que experiências, estudos, pesquisas e conhecimentos fluam democraticamente entre todos aqueles que, por princípios, definem a essência do jogo. Trata-se de uma luta antiga, da qual participei ativa e decisivamente em seus primórdios, e que deve ser retomada como um fator prioritário para a evolução do grande jogo entre nós. Sugiro que se fale menos, que se lamente menos, e que ajam mais, saindo do estágio de omissão que nos levou a tão triste realidade. O basquetebol brasileiro agradecerá sinceramente. Amém.



4 comentários

  1. Henrique Lima 27.08.2007

    Caro Professor Paulo, como está ?

    Retorno de viagem para acompanhar a ultima semana dos jogos da Seleção !

    E questiono o senhor.

    Por que houve uma queda tão significativa na qualidade técnica dos americanos como vemos por estes dias.

    Pivô que somente sabem enterrar,
    vários projetos mau acabados de Jordan, entre outros problemas ?

    Sei que o senhor não parece um estusiasta da NBA, porém, não podemos fechar os olhos para a existencia da liga.

    E será que o grande delfim até agora na estadia dele desde 2002 só aprendeu os pontos negativos daquele bom basquetebol ?

    Abraçao para o senhor.

    PS: Sobre ontem, o Brasil não tem consistencia tática para se manter. Precipitação atrás de precipitação … defesa coletiva inexistente, jogando contra individual que é o sistema que eu penso privilegiar ainda mais o jogo do americanos, aí, fica facil tomar 39 x 11 em um periodo !

  2. William 27.08.2007

    Vergonha! Foi esse o sentimento que senti quando o palcar mostrava 50 pontos a frente para os americanos professor. Mas deixando isso de lado, uma coisa chmaou antenção mais do que tudo neste jogo: treinamento. Era evidente a diferença de treinamento que se apresentava na partida. Os americanos se reclusaram por um mês e meio, no âmbito de foramarem uma equipe forte, física e táticamente. Os arremessos caíram por causa de treino, algo que não aconteceu conosco (nosso melhor arremessador teve um aproveitamento pifio, enquanto que todos, todos, os jogadores americanos tiveram um aproveitamento elevado) por causa do treinamento. O lula deve ter esquecido de dedicar aquela uma horinha no fim dos treinamentos para os jogadores ficarem treinando seus arremessos. A defesa norte-americana era forte por que? Por causa do treinamento, da dedicação dos jogadores em treinar a defesa fortemente para mostrar ao adversário que ele não conseguirá pontuar. Lembro perfeitamente de ver o Kobe Bryant voltando para o banco, após um pedido de tempo em que Leandrinho errou um chute forçado de três pontos, gritando “No score, no score”. Veja bem, a dedicação fez Kobe ser melhor e o tesão por anular o adversário estavam expressos em sua expressão de satisfação.
    Bom professor, enquanto não treinarmos forte, nao apenas taticamente, mas todos os fundamentos exaustivamente, como o senhor prioriza, talvez alcançaremos algo de significativo no basquete. Abraços.

  3. Basquete Brasil 27.08.2007

    Prezado Henrique,com boa condição física e mental,sinto-me apto a dar continuidade a esse trabalho de análise sobre o nosso basquetebol,
    apesar de,em alguns momentos,sentir que muito mais poderia ser feito em prol do mesmo,se houvesse um aumento substancial na participação dos técnicos brasileiros,visando a organização das associações de técnicos regionais,que dariam o impulso definitivo à nossa emancipação técnico-tática.Essa é a grande força do basquete americano,que aos poucos evoluem ao reencontro de suas tradições de formadores de jogadores de alta qualidade.É o trabalho realizado nas escolas e universidades,do qual a NBA é a beneficiária.E não tenhamos dúvidas,eles conseguirão.Quanto a nós,a realidade ai está exposta ao vivo e
    à cores.Um abraço,Paulo Murilo.

  4. Basquete Brasil 27.08.2007

    Prezado William,corretas as suas observações.É constrangedor atestarmos tal situação,onde a palavra treinamento passa ao largo de nossa realidade.Quem sabe,um dia tomemos vergonha na cara.Um abraço,Paulo Murilo.

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