CLAMORES E CONFORMISMO.

Clamores se elevam na busca frenética de um técnico possuidor de três qualidades: Ter um sistema de jogo definido. Saber implantá-lo com energia e determinação. Ter personalidade forte e disciplinadora. E claro,ser estrangeiro.

Mas, será que essas qualidades serão suficientes para enfrentar o tremendo desafio que terá pela frente, de treinar e preparar uma seleção brasileira profundamente ferida em seus brios e estrutura? E que bastará estar munido de uma serie de jogadas pré-estabelecidas em torno do que chamam sistema de jogo? É absolutamente certo que por aqui aportará um condigno representante do chamado “sistema do basquete internacional” , seguido e adotado pela grande maioria das seleções internacionais, vide os recentes terminados Pré-Olímpicos americano e europeu, quando, com a exceção de argentinos, espanhóis e lituanos, todas as demais equipes atuaram em imagem e semelhança entre si, numa visão bem estabelecida do que e como serão os jogos na Olimpíada do próximo ano. A ditadura da prancheta praticamente cegou e restringiu técnicos e jogadores ao improviso e a autodeterminação, robotizando o jogo, tornando-o previsível e insosso.

A prevalência do talento restringiu-se a uns poucos e corajosos jogadores, em atitudes e decisões, como bem convêm a líderes, apesar das pressões extra-quadra a que foram submetidos. A confirmação do sistema único no basquete dito moderno, situa a maioria dos técnicos, estrangeiros , no patamar dos inalcançáveis, ainda mais quando precedidos da fama de rígidos e disciplinadores, colocando-os na faixa dos mega salários, garantidos e sacramentados pelo conformismo da mídia e do pouco informado público torcedor.

Exatamente por esse despropositado e conivente conformismo, é que republico um artigo escrito em 15/02/2005, Mestres do Olhar e do Movimento, quando confronto e discuto a rigidez dos sistemas de jogo pré-estabelecidos, e que para variar, não recebeu um único comentário, nem que fosse para negá-lo. Pena, pois teria sido estabelecida uma bela e esclarecedora discussão, em um bom e patriótico português.

MESTRES DO OLHAR E DO MOVIMENTO.

Este foi o título de uma reportagem sobre a exposição que explora as afinidades entre o escultor Alberto Giacometti e o fotógrafo Henri Cartier-Bresson publicada no O Globo no dia 17 deste mês. O texto menciona, entre várias coincidências, a vontade de ambos de congelar um momento em movimento. Disse Giacometti- “Toda a ação dos artistas modernos está nessa vontade de captar, de possuir alguma coisa que foge constantemente”. Já Bresson assim se manifestou-“Jogamos com coisas que desaparecem… e, quando elas desaparecem, é impossível fazer com que elas revivam”. Eis duas afirmativas que caem como um diáfano véu sobre as cabeças da maioria de nossos técnicos. Sonham de olhos abertos com a perpetuação dos movimentos que extrapolam de suas pranchetas mágicas, como se fosse possível a perenização das jogadas estabelecidas pelo sistema de jogo que empregam. Sempre que estabelecem contato com os jogadores repetem, e repetem, até a exaustão os mesmos movimentos, as mesmas soluções, clamam pela obediência à jogada, á rotatividade da bola, com uma intransigência que beira ao fanatismo. É como se fosse uma grande coreografia, onde a repetição das jogadas mortais é o supremo objetivo a ser alcançado. Mas, como mencionaram Giacometti e Bresson, os movimentos acontecem na mesma proporção em que desaparecem, e nunca são iguais, por isso viviam em busca de sua captação, a qual Bresson definiu como o “decisive moment”, o momento decisivo, único, fugaz e precioso se captado.Essa foi sua grandeza, pois foi o fotógrafo que mais o registrou no século XX.Nossos técnicos precisam, com urgência, entender que se uma jogada se repetir,com alto grau de freqüência, pode-se afirmar que o sistema defensivo do adversário inexiste pela extrema fraqueza de seus integrantes. Um sistema ofensivo é de alta qualidade, não se der certo seguidamente, e sim se estabelecer situações que desequilibrem, pela imprevisibilidade de suas ações, o esquema defensivo do adversário. A repetição sistemática de jogadas produz situações com alto grau de previsibilidade, e retiram dos jogadores a espontaneidade de suas ações, colocando-os numa situação de meros repetidores de movimentos pré-estabelecidos por seus técnicos. E se os defensores forem de boa qualidade, rapidamente se antepõem aos movimentos ofensivos, anulando sua eficiência. São nesses momentos que se estabelecem as diferenças entre uma equipe bem treinada de outra não tão bem preparada. Quantos são os técnicos que nos coletivos de preparação para os jogos, os interrompem para orientar sua defesa em função de seu próprio ataque pré-estabelecido? Que sempre orienta seus atletas na busca do inusitado, e não do conhecido? Que mesmo tendo um sistema fechado de jogo, propugna por rompê-lo sempre que possível, pois essa sempre será a ação desencadeada pelo adversário? Enfim, que reconhece ser a busca, não de um, mas de vários “momentos decisivos”, o fator a ser alcançado com afinco e dissociado do círculo vicioso coreografia-prancheta. Por praticar fotografia por longos anos, e de ter tido em Henri Cartier-Bresson um exemplo a ser seguido é que desde muito cedo procurei entender e praticar o “decisive moment” com algum sucesso, mas que pela compreensão de seu significado, pude levar a meus atletas um vasto leque de opções que visassem o encontro dos mesmos. “Jogamos com coisas que desaparecem… e,quando elas desaparecem, é impossível fazer com que elas revivam”. Cada jogada constitui um princípio e um fim em si mesmo, e são irrepetíveis. Precisamos entender esse mecanismo para nos libertar das jogadas mágicas e das pranchetas milagrosas. Meus queridos colegas precisamos encontrar novos caminhos, pois esse que aí está sendo trilhado por vocês não levará a lugar nenhum, perdão, sabemos onde ele vai dar…

posted by Basquete Brasil @ 2/15/2005 02:02:00 AM 0 comments



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