LIÇÕES DO NORTE…
Com o término da fase classificatória para o torneio dos dezesseis finalistas da Loucura de Março da NCAA, podemos tirar algumas oportunas conclusões, pois com as facilidades das transmissões via internet, praticamente pude observar todas as 64 equipes que dela participaram.
Após tantos e tantos jogos, em quatro dias de intensa atividade, com belos e grandes ginásios permanentemente cheios, disciplinadamente irretocáveis, público e jogadores, de saída algo ficou claro e cristalinamente exposto, a uniformidade técnico-tática de todas as equipes participantes, jogando rigorosamente iguais em seus sistemas de jogo. Com o tempo de posse de bola de 35 seg. essa similitude ficou ainda mais patente, pois o jogo de armadores, de posse de bola driblada, e de construção de jogadas visando basicamente os arremessos de três pontos, foram comuns a todas as equipes, tanto as de pequena tradição, como as grandes e ranqueadas. Uma ou outra se diferenciava somente no aspecto dinâmico, com o incremento da alta velocidade nos contra-ataques, ao contrário da grande maioria que preferencialmente cadenciava o jogo. O tradicional jogo de pivôs não encontrou nessas finais o mesmo apelo e preferência de temporadas anteriores, numa tentativa de aproximação da forma de jogar e atuar das equipes européias. As declarações do Coach K, após o fracassado campeonato mundial, quando afirmou que os Estados Unidos precisava aprender a jogar como os europeus, por que dessa forma poderia vencê-los no futuro pela força de sua base de formação de grandes valores, bastando somente se adaptar ao jogo cadenciado do velho mundo.
E então o que vimos e constatamos, foi uma atitude de consenso por parte dos técnicos dessas universidades, fazendo suas equipes atuarem da forma mais cadenciada possível, onde a ação dos armadores nunca foi tão decisiva como nesses novos tempos de adaptabilidade e aprendizado, como uma aposta num futuro, no qual a reconhecida capacitação nos fundamentos do jogo tornarão as futuras equipes americanas plenamente igualadas às da Europa, com um diferencial a mais a seu favor, a inquetionável supremacia nesse campo.
No aspecto defensivo, nunca se viu tanta variação entre defesas individuais e zonais, assim como sua tradicional tendência às pressionadas quadra inteira, por parte de todos, como um bem orquestrado projeto visando a retomada da supremacia histórica de seu basquete no mundo, e que foi perdida pelo isolacionismo espontâneo e a arrogância de muitos que se escudaram na supremacia da era NBA, com seus astros milionários, imbatíveis e míticos. Com as perdas irreparáveis nas últimas grandes competições internacionais, uma luz de alerta foi acionada, deflagrando um movimento de soerguimento, que só poderia ser exequibilizado pela estrutura que fundamenta todo o basquete americano, inclusive a NBA, o desporto de base, tanto o escolar, como o universitário.
Nesses primeiros dias de competição classificatória, sobressaíram os armadores, responsáveis pelo apelo da cadencia tática, os arremessadores de três pontos, e a ressucitação da jogada clássica, drible, parada e jump de dois pontos, jogada essa quase extinta pelo advento dos pivôs de força com seu jogo interior, além do já mencionado jogo visando basicamente os três pontos. Em tudo e por tudo o mais próximo possível da forma de jogar européia, com uma e definitiva diferença, motivada pela posse de bola de 35 seg., a capacitação técnico – pratica dos armadores, que são a alma do basquete europeu, onde atuam em duplas, quando, ante ao prolongado tempo de posse de bola, se vêm forçados a uma concentração mental bem superior se estivessem sob o regime de 24 seg. de posse da mesma. Trata-se de uma atitude inteligente e perspicaz, pois forçando os armadores a um exercício de domínio mental, torna-os mais efetivos quando da mudança aos padrões da regra internacional, iguais aos da NBA quanto ao tempo de posse de bola. Paralelamente a essa tendência, nota-se um aumento significativo na qualidade dos arremessadores de três pontos, largamente empregados nessa fase de classificação.
Enfim, mais uma vez os técnicos universitários americanos dão um exemplo de uniformidade técnico-tática, atendendo às necessidades de modificações na forma de preparar e fazer jogar os jovens que serão os responsáveis pelo futuro daquele tradicional e brilhante basquetebol.
Enquanto isso, aqui na terra de Macunaíma, mantemos a forma de jogar, copiada ao extremo do conceito NBA, e que nem mais os mesmos aceitam jogá-lo, e que aguardam as novas gerações de universitários para definitivamente se equipararem, e possivelmente vencerem os europeus e argentinos. Assim pensam e assim agem, uniformemente em torno de um objetivo comum, baseado na formação de novos valores, através o único dos sistemas válidos, o domínio integral e decisivo dos fundamentos.
Quanto a nós, nos perdemos em testes de exaustão “yoyo”, aplicados em púberes de 13-14 anos. Que os deuses nos ajudem.
Amém.
Prezado Professor Paulo Murilo,
Sua analise e observacoes do estagio atual do basquetebol norte americano constata a evolucao do jogo no pais do Basquetebol. Aproveito para somar ao seu comentario de que o jogo nos EUA, na Europa e em outras regioes do mundo esta sendo praticado de uma forma mais cientifica; baseada em estatisticas que enfatizam o aproveitamento de arremesso por posse de bola e a mudanca da pegada defensiva. As taticas tanto ofensivas quanto defensivas tem como objetivo neutralizar os pontos fortes do adversario explorando as deficiencias defensivas e de “match up”. O jogo parece estar mais cadenciado, mas se for feito uma pesquisa no numero de contra-ataques executados por jogo, voce ira observar que nao houve mudanca pois a media de “turnovers” por jogo diminuiu consideravelmente aumentando a media de posse de bola e consequentemente de arremessos por jogo. Advogo para o Brasil um sistema de jogo de troca de marcacao e de bom aroveitamento por posse de bola baseado na criatividade e habilidade de nossos atletas explorando situacoes de jogo focadas em atacar os pontos fracos do adversario tanto na defesa quanto no ataque. Hoje em dia na elaboracao de um plano de jogo levamos em consideracao o conhecimento da cultura e caracteristicas do tecnico e jogadores adversario como tambem a media de posse de bola e de arremessos de cada jogador da equipe adversaria. Infelizmente esta cultura nao faz parte, ainda, do basquetebol nacional.
Prezado Walter,sei que as estatísticas influenciam sobremaneira nas decisões de um grande número de técnicos.No entanto,mesmo que elas projetem com relativa precisão pontos e zonas preferenciais para as conclusões,acredito firmemente que neste aspecto elas dependam do sucesso das mesmas,que é o fator humano interdependente nessa falível equação.Conclusões e projeções estatísticas se anulam ante o fracasso humano nas conclusões previstas pelo processo pragmatico, quando a realidade falimentar do ser humano se antepõe à rigidez daquele.Em outras palavras,sem a qualificação técnica dos jogadores,adquirida pelo dominio dos fundamentos do jogo,nenhuma projeção estatística alcançará seus fins,por mais precisas que sejam suas projeções probabilisticas.Variáveis como defesas rígidas,desequilibrios de vários teores,imprecisão manipulativa da bola,cansaço,sudorese excessiva,entumecimento muscular,desconforto articular,entre outras,em muito superam as pseudo precisas verdades estatísticas.Por tudo isso é que confio mais no preparo minucioso e especializado nos fundamentos,base de todo e qualquer sistema de jogo que se preze,do que os frios e impessoais números de uma tabela estatística.No entanto,admito que um bem planejado sistema estatístico,baseado em coeficientes de produção de cada um de seus integrantes,possa ajudar uma equipe em sua busca de maior rendimento e precisão,o que já seria de bom tamanho.Um dia em que robôs jogarem basquete,as estatísticas alcançarão o éden.Na atualidade,como todas as equipes jogam de forma idêntica,os processos estatísticos encontram um campo fertil para suas projeções.Bastaria um sopro de renovação técnico-tática para ruirem suas projeções,todas calcadas na mesmice e na mediocridade.Um abraço,
Paulo Murilo.
Professor,
Concordo com voce em relacao a necessidade do controle dos fundamentos por parte dos jogadores. Acredito que este e o maior crime que esta sendo cometido no Basquetebol brasileiro. Meu comentario foi feito em relacao a competicao de alto-nivel e de como, hoje em dia, e elaborado um plano de jogo nos paises onde tive a oportunidade de competir e dirigir. Plano de jogo, infelizmente, e um fator ausente nas competicoes no Brasil e nas performances da selecao brasileira que tenho observado.
Por exemplo, os numeros nos mostram que o jogador 2 da equipe adversaria, tem a melhor media de arremesso e de posse de bola e e que este e o cestinha de sua equipe. Defensivamente iremos exercer uma pegada defensiva diferenciada neste jogador, marcando-o de uma forma mais agressiva e negando a este a linha do passe. Se a estatistica e scouting mostram que um outro jogador nao e tao importante ofensivamente para a equipe, entao nos marcamos este de uma forma menos agressiva-flutuando. Outro exemplo e, se a equipe e dominada por um armador, nos controlamos a progressao com a posse de bola do mesmo e negamos toda e qualquer oportunidade de volta de passe para este jogador, com o objetivo de destruir e quebrar o equilibrio, o ritmo e a fluencia de bola no ataque do adversario. As equipes podem jogar de forma A, B, C, e D e ate de formas identicas – mas a performance e aproveitamento em media dos jogadores, a nivel profissional, e uma variavel estavel que tentamlos explorar ou destruir na elaboracao de nossos planos de jogo. Pois voce ha de concordar que nao devemos jogar da mesma forma contra todos os adversarios. Por exemplo a pegada e o plano de jogo do Brasil contra o Libano nao deve ser o mesma contra a Grecia. Eu busco tal renovacao tecnico-tatica baseada em imprevisibilidade e movimentos continuos que nao deem oportunidade a defesa de se armar e de antecipar os nossos movimentos ofensivos. Este sistema so sera bem executado se os jogadores forem treinados a serem especialistas do esporte e nao da posicao com pleno dominando e controle dos fundamentos do esporte. A utilizacao de numeros e dados estatisticos nao deve nunca prevalacer a importancia no desenvolvimento de nossos jogadores – porem sao fatores importantes para avaliacao das performanes de sua equipe e do adversario. Adoro conversar com voce e discutir assuntos sobre o basquetebol confessando que aprendi muito e continuo aprendendo com a sua experiencia e know-how. Um abracao. Walter
Aí está Walter,você tocou no ponto nevrálgico das estatísticas orientadas a um plano de jogo,a imprevisibilidade técnico-tática que as negam e praticamente anulam,principalmente nas competições de alto nível.Estatistica concebida e praticada numa situação tática,em que a maioria esmagadora das equipes atuam de forma idêntica,tendem a apresentar um altissimo grau de previsibilidade,ou tecnicamente falando,demonstram uma moda estatística em amostragens simplificadas pelos percentuais.No entanto,se as amostragens fossem baseadas pelos coeficiêntes de produção,onde ações positivas e negativas com pontuação qualificativa,originando um valor(positivo ou negativo)que pudesse ser dividido pelo tempo real de participação nos jogos,teriamos uma amostragem bem próxima da realidade técnica de cada jogador,pois traduziriam suas dificuldades e sucessos reais no fragor das disputas.Por outro lado,sua análise sobre o processo de anulação de um armador decisivo,reforça meu ponto de vista da importância estratégica de jogarmos com dois,tornando muito mais árdua as ações defensivas em duas frentes,assim como,a utilização de três pivôs móveis atuando em rodizio permanente dentro e no âmago do perímetro,reforçando em muito a premissa de que o atacante age e a defesa reage,premissa esta que se anula quando os sistemas de ambas as equipes são similares,propiciando a inversão da mesma.Daí a importância capital da arma da imprevisibilidade,não só ofensiva,como defensiva também,fatores que negam a maioria das evidências estatísticas,baseadas na mesmice e na repetição dos fatos.Não conheço método estatístico que meça o caos,a não ser o de Nostradamus.Mas isso é outra história.Um abraço Walter. Paulo Murilo.
Professor Paulo Murilo,
Concordamos que a imprevisibilidade tatica ofensiva dificultaria a elaboracao de um plano de jogo defensivo. Porem discordo em relacao a importancia da estatistica na elaboracao de um plano de jogo. Por exemplo nos EUA e mundo Arabe, alem de outros paises, nos recebemos durante e apos o jogo dados estatisticos sobre cada partida incluindo numeros que descrevem a performance individual e por equipe. Quando me preparo para um jogo eu estudo a media dos percentuais do meu adversario, especialmente dados especificos como: media de posse de bola por jogo individual e por equipe, aproveitamento de arremesso de cada jogador e por equipe e variacoes (substituicoes-qualidade do banco), rebotes ofensivos e defensivos individual e por equipe e “turnovers” tudo baseado no tempo de participacao de cada jogador no jogo.
Estes numeros me oferecem os dados necessarios para que eu possa melhor analisar os pontos fracos e fortes do meu adversario e criar um plano de jogo especifico. Em relacao a um ou a dois armadores, acredito que se todos os jogadores fossem treinados a serem especialistas do esporte – nao haveria nenhuma diferenca se a movimentacao continua de ataque fosse iniciada antes mesmo de cruzar o meio da quadra por qualquer jogador. A tatica de 2 armadores e 3 pivots moveis seria muito mais eficiente se esta nao fosse executada com a mesma mesmice de que as movimentacoes de ataque tem que ser iniciadas pelo armador, posicionando os jogadores 4 e 5 proximos dos seus marcadores e da cesta. Por exemplo, no pre-olimpico iremos jogar contra jogadores mais pesados e talvez ate mais altos e mais fortes do que os nossos – minha pergunta e: porque nao invertemos o posicionamento de nossos jogadores ja ao atravessar o meio da quadra forcando estes jogadores pesados a marcar nossos jogadores mais habeis fora do garrafao, longe da cesta. Estou sugerindo isto pois em media – uma equipe tem 16 segundos para arremessar ou criar alguma situacao de cesta o que nao favorece um jogo de muitos passes e de movimento continuo de bola. Receio que se mal planejada, esta tatica de 2 armadores e 3 pivots moveis possa forcar a equipe a arremesar somente de fora do garrafao o que iria certamente diminuir a porcentagem de aproveitamento por posse de bola. Visto os exemplos do basquetebol brasileiro atual onde equipes terminam o jogo com uma media de mais de 30 arremessos de 3 pontos por jogo.
A imprevisibilidade defensiva nao e apenas o resultado da mudanca de pegada e sim na aplicacao combinada de fundamentos individuais e por zona na marcacao dos jogadores adversarios baseados na media estatististica, performance e na importancia de cada jogador para o adversario. Adoro ter a oportunidade de estar discutindo e trocando ideias sobre estes assuntos especialmente com meu ex-tecnico e professor que muito admiro! Ate breve.
Walter,pelo que vejo,os dados que você analisa,em alguns aspectos se aproximam do que mencionei anteriormente,ou seja,estarão mais para coeficientes do que percentuais.Se assim for,os serviços estatísticos que você tem acesso são valiosos.Digo isso porque,em hipótese alguma jamais me convencerei que analises baseadas em percentuais ajudem em qualquer planejamento de jogo,pois falseiam a verdade.Prefiro mil vezes os videos,pois em um relance já constatamos o quem é quem adversário,os que marcam bem,os que marcam mal,e os que não marcam.Quem salta no tempo certo,quem arremessa com precisão,quem arma conscientemente,etc,etc.A captação visual da ação supera qualquer folha de papel com estatísticas,que só servem para pré-julgamentos nem sempre factíveis.Sempre digo que o verdadeiro técnico é aquele que é capaz de,ao entrar num recinto de treino,ou jogo,observar se alguma malha da rede do aro está solta ou rompida.Ou seja,ter o dominio dos detalhes e minucias que o rodeiam,habilidade essa que quando focada nos jogadores,seus ou adversarios,o tornam capaz de mudanças e adaptações técnico-táticas,fundamentadas nas interpretações das mesmas.Saber ler e interpretar o micro e o macrocosmo que o cerca é a chave das grandes,e muitas vezes decisivas decisões.Não se trata de prescindir dos números,e sim exaltar o humano,o falível,o subjetivo,fatores que definem os comportamentos,as ações e reações.Quanto o jogar com 2 armadores e 3 pivôs móveis,que foram principios que já ensaiva em equipes de formação,como a sua no Flamengo,pretendo em poucos dias publicar uma serie de artigos abordando o sistema, que doarei a todos os técnicos para que o estudem,enriqueça-o ou renegue-o.Foi o ápice do que muito estudei a respeito,e que apliquei com sucesso na última equipe que dirigi,o Barra da Tijuca.Um abração,
Paulo.
Prezado professor,
Obrigado pela consideracao e resposta. Apenas para finalizar – Sim! utilizamos o video tambem no processo de elaboracao dos nossos planos de jogo que esta dividido em: 1- Video 2- Estatistica e 3-Caracteristicas da equipe, tecnico e banco.
Fico no aguardo da publicacao do seu trabalho! Ate breve.
Walter,eu é que agradeço a sua sempre importante participação nos debates.Entretanto lastimo a quase nula audiência por parte dos técnicos,com raríssimas exceções.Seria uma oportunidade de debaterem seus pontos de vista e suas experiências,para o bem dos técnicos que se iniciam na profissão.Quanto aos artigos prometidos estarão no blog em alguns dias.São trabalhosos e até complexos para uma só pessoa produzi-los.Mas sairão.Um abração,
Paulo Murilo.