ESVAIU-SE O SONHO…

Esvaiu-se o sonho num jogo que poderia ter sido ganho com uma dose, não muito grande, suficiente até diria, de frieza e jogo coletivo. Os argentinos apostaram no possível desequilíbrio emocional das estrelas do time brasileiro, e investiram maciçamente para que o mesmo ocorresse o mais rápido possível. Uma cusparada a curta distância de um “torcedor” gigantesco atingiu o rosto do Marcelo que se preparava para um lateral, originando uma cena dantesca, quando nosso capitão da seleção se jogou ao solo, como que atingido por um murro colossal, debatendo-se teatralmente na presença de um juiz que tudo presenciou, mas omitiu sua ação restritora perante a farsa de uma contusão inexistente. Errou ao não exigir a retirada do agressor que continuou impassível em seu lugar encostado à grade, como também acertou em não conotar seriedade aos estertores do capitão prostrado ridiculamente à sua frente. A simples constatação da agressão salivar seria suficiente para a retirada do agressor do recinto, mas a proverbial malandragem nacional se fez mais presente do que nunca, na forma de uma cena teatral que sequer teve a devida repulsa do comentarista da ESPN ao rever a cena em tape, assim como a omissão do juiz. Ora, ora, se tratava de uma guerra, conforme uma faixa estendida no recinto-“Brasileños, bienvenidos a la guerra”- para a qual nos preparamos teatralmente, e não tecnicamente.

E foram as falhas técnicas que determinaram a derrota, minadas pelo arroubo teatral mal executado, que reverteu todo um possível processo de equilíbrio emocional, fundamental ante às pressões exógenas exercidas por 4500 pessoas em sufocante proximidade à quadra de jogo.

Com a ausência de um de seus bons armadores, O Fred, contundido em uma das mãos, viu-se a equipe brasileira perante a realidade de contar somente com o Hélio dividindo a armação da equipe com o Marcelo, em um quarto e meio onde a defesa argentina não permitia o drible incisivo do nosso cestinha para a direita, quando seu temível tiro de três encontra a maior eficiência, obrigando-o a progredir no drible à esquerda, seu ponto mais frágil, mas que o colocava na distância dos arremessos de dois pontos, não tão bem aceitos pelo mesmo. Enquanto isto, os argentinos progrediam no placar de dois em dois pontos, num forte jogo interior, pendurando, inclusive, com três faltas nossos melhores reboteiros, O Alirio e o Colonese.

Com a saída do Helio no terceiro quarto, a armação ficou com os dois irmãos, ambos liberados pela defesa argentina para o drible com a esquerda, dificultando ao máximo os arremessos de três pontos, obrigando-os aos passes por cima das coberturas aos pivôs feitas por uma defesa argentina atenta e taticamente bem preparada para enfrentá-los. A sucessão de erros e perdas de bola deram uma boa margem de 12 pontos aos donos da casa, que iniciaram o quarto final com ares de vencedores virtuais. Nesse momento, com a volta do Helio, e a manutenção dos irmãos e mais o retorno dos bons pivôs, mesmo que pendurados em faltas, a equipe do Flamengo pode contar pela primeira vez na partida com as velocidades defensiva e ofensiva ausentes até aquele momento, dando origem a boas interceptações de bola, e melhores pontos de arremessos de três pela direita, onde Marcelo e Duda são muito mais eficientes. A equipe empatou o jogo, e nesse momento não soube vencer a partida.

O que ocorreu então? Por que não viraram o jogo? Simplesmente por não terem naquela altura do jogo alcançado o grau de frieza necessária para domar o ímpeto da equipe adversária e sua trovejante torcida.

E que frieza seria esta? A de voltar o peso de seu ataque para o perímetro interno, como agiram os argentinos em toda a partida, para, de dois em dois pontos irem se aproximando do clímax do jogo, aquele momento em que vencedores virtuais se vêem perante a possibilidade de perderem um jogo imperdível.

Mas como deixar de cravar petardos de três pontos, e até enterradas acrobáticas nesses ousados que desafiam nossa áurea de craques? Jamais!! E foram cinco ataques sem pontuar que definiram a partida.

Pois bem, até aquele momento, o único autêntico campeão presente no meio daquelas 4500 pessoas, mais jogadores, juízes, mesários, policiais, dirigentes, técnicos, médicos, roupeiros, TV’s, e por que não, penetras também, o Montecchia, que vinha fazendo uma partida discretíssima, porém sem erros, resolve definir o jogo em duas ações magistrais, provando que craque mesmo presente naquele acanhado recinto perdido em uma província argentina, era ele, o Montecchia, campeão olímpico, nada mais, campeão olímpico, muito acima de cusparadas e estertores em uma quadra, onde joga como ninguém. Parabéns.

Amém.



4 comentários

  1. Idevan G. 02.05.2008

    Caro professor, antes de ler sua crônica já pensava em escrever-lhe para perguntar se eu estava enganado ou em vários momentos do jogo o Flamengo jogou sem armador? Ainda bem que não enlouqueci, mas como uma equipe de basquete possui apenas 2 armadores (sendo que um deles lesionado)?

    E outra: como desistir do jogo de paciência que fez o time empatar no último quarto e voltar aos arremessos de 4, 5 e 6 pontos (o valor deve ter mudado para insistirem tanto)?

    Realmente, uma pena.

  2. Basquete Brasil 02.05.2008

    Não caro Idevan,você não estava enganado,a equipe do Flamengo jogou praticamente um quarto inteiro sem armadores,e foi o que se viu,completa inabilidade para fazer a equipe produzir em grupo,já que a prioridade dos “armadores”era o arremesso de três,onde o classico “arma que eu chuto”se transformou em “eu armo,eu chuto”.Lamentável em todos os sentidos.Foi a imposição dos “craques” multimídia por sobre o bom senso técnico-tático,que seu técnico não soube,ou não pode administrar.Poderia ter ganho,sem dúvida nenhuma.Uma pena.
    Um abraço,Paulo Murilo.

  3. Walter Neto 05.05.2008

    Professor Paulo Murilo,

    Aproveito para constatar que craque nao e so aquele que pontua. Craque e aquele que conduz sua equipe ao titulo, com frieza e lideranca. Infelizmente nossos jogadores em sua grande maioria, nao importa feminino ou masculino, nao possuem o controle emocional necessario para tais decisoes. Nestas horas e que eu sinto falta de um Marcel, Oscar, Paula, e Hortencia.

  4. Basquete Brasil 05.05.2008

    Caro Walter,”por a bola embaixo do braço parando para pensar” não é para qualquer craque de midia,cujo raciocínio se pauta pela bola decisiva,o arremesso consagrador,a enterrada definitiva, tudo,é claro,tendo-o como polo irradiador.O craque simplesmente opta pela lógica e pelo bom senso,aspectos totalmente ausentes no comportamento daqueles.E o pior,com o aval e o beneplácito dos técnicos,por serem comportamentos repetitivos e arraigados.Realmente lamentavel.Um abraço,
    Paulo Murilo.

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