A AULA CARIBENHA…

“Porto Rico? É um time de peladeiros, que quando estão “no dia” metem tudo de três!”

“Não marcam ninguém, e não podem mesmo, com dois caras baixos na armação”.

“O gigantão é lento, desengonçado e fraco nos arremessos”.

“O outro grandão, comete faltas demais, e já está em final de carreira. Saudades do Piculin Ortiz…”

E por ai vão os comentários sobre aquela que está sendo a única equipe a jogar fora do padrão globalizado das demais equipes. E por conta desta “rebelião”, triturou a poderosa e bem estruturada Eslovênia, com direito a vê-la jogar a toalha nos dois minutos finais da partida.

Jogando com dois formidáveis armadores, que ainda acumulavam um potencial anotador, de três inclusive, fantásticos , assim como um posicionamento defensivo agressivo e eficiente, acompanhados de dois bons pivôs e um ala muito técnico, conseguiram subverter a ordem vigente de um sistema padronizado, com movimentações, que de tão conhecidas por todos, e exercidas por jogadores de elevada estatura em todas as posições, propiciaram aos “baixos” porto-riquenhos uma aula de como defender na linha da bola, obrigando os eslovenos a praticarem seu próprio anti-jogo, pela impossibilidade de desenvolverem as ações a que estavam acostumados.

Seus dois armadores atuavam juntos fora do perímetro, ajudando-se permanentemente, em corta-luzes, cruzamentos, penetrações e voltas de bola para os arremessos certeiros de três. E nos dois quartos finais, se deram ao luxo de jogarem com três armadores, numa continua ciranda de dentro para fora do perímetro, além de municiarem seus homens altos que recebiam seus efetivos passes em movimento, mesmo aquele pivosão tido como lento e inábil.

Foi uma aula de como se jogar em dois compartimentos aparentemente estanques( fora e dentro do perímetro ), mas que se comunicavam através ações de constante movimentação e atrevidas penetrações, quando as assistências se avolumavam ante o desespero dos eslovenos em suas infrutíferas tentativas de cobertura. Os baixos costa-riquenhos não encontraram em momento algum quem os rivalizassem em velocidade, pela desproporcionalidade em estatura de quem os marcavam, impondo inteligentemente o predicado da velocidade em anteposição à estatura, que é a única forma de ser estabelecido um razoável equilíbrio de ações.

E que ações, brilhantes, corajosas e revolucionárias para àqueles engessados técnicos adeptos crônicos do sistema globalizado. Pode ser que até não se classifiquem, mas já deixaram plantadas as sementes de algo, que de novo não tem nada ( também jogávamos assim no passado…), mas que delimita com clareza a redescoberta de como se pode jogar basquete de uma “outra forma”, criativa, corajosa, espontânea, e o principal, profundamente inteligente.

Sinto-me à vontade na crônica deste jogo, pois sempre propugnei por este sistema , ensinando-o, treinando-o, fazendo do mesmo o solitário projeto empregado em minhas equipes, principalmente as de formação, quando a necessidade extrema de bons e enraizados fundamentos, são os elementos básicos à sua aplicabilidade. E o afirmo solitário, pois foi desta forma, para muitos romântica e utópica, que preparei bons e efetivos jogadores, e boas equipes, em todos os anos de militância, jamais me considerando inferior tecnicamente a quem quer que fosse, nativo ou estrangeiro, quando os encontrava na verdade das quadras.

E é este sistema que sugiro ser desenvolvido e aplicado à seleção feminina, pois é possuidora de excelentes armadoras e ótimas pivôs, e que já sinalizou através seu técnico, a possibilidade de atuar com duas armadoras como padrão da equipe. Creio ser uma atitude correta e concreta, e que tem excelentes chances de sucesso.

Torcerei para que a equipe de Porto Rico consiga a classificação, quando muito como um sinal altamente positivo de que existirá algo no ar, além da mesmice tradicional. É o mesmo voto de confiança que desejo às nossas jogadoras.

Amém.



2 comentários

  1. Lisangelo 19.07.2008

    Brilhante comentario Prof. Paulo!
    Enquanto se buscam por ai solucoes milagrosas, que pretendem trocar tudo o que sabemos pela estrategia do momento, aparece um texto lucido como o seu.
    Acredito que devemos estar atentos sim ao que acontece pelo mundo, e ate assimilar alguns conceitos, mas nunca desistir de valorizar a nossa propria escola de basquetebol. Porto Rico encontrou seu nicho, tambem vamos encontrar o nosso.

  2. Basquete Brasil 19.07.2008

    Prezado Lisangelo,como disse anteriormente,Porto Rico pode até não classificar, mas já cumpriu o importante papel de apresentar algo de diferente no mundo globalizado do basquetebol, assim como os argentinos o tem feito de alguns anos para cá.Também espero que reencontremos nosso caminho, que está muito difícil, mas não impossível de achar. Um abraço, Paulo Murilo.

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