MUDAR PARA SOBREVIVER…

O novo sistema durou menos de 48 horas. Contra a Austrália voltamos ao velho e confiável (?) sistema com uma única armadora, e exatamente contra a equipe que mais desenvolveu a dupla armação, sendo que a melhor delas tem 1,62m de estatura! Que, aliás, deu um baile de técnica e velocidade em toda jogadora nossa que se atreveu a marcá-la.

Também regressamos ao posicionamento constrangedor da bola acima da cabeça, executado por alas e pivôs que vinham para fora do perímetro executar a coreografia padrão do nosso basquetebol.

É sumamente doloroso vermos repetidamente, ano após ano, seleção após seleção, masculina ou feminina, de divisão de base ou adulta, rezarem pela mesma cartilha, onde o posicionamento obrigatório de todo jogador que se preza ao receber um passe, que é o de se postar na posição de tripla ameaça, ser substituído pela empunhadura da bola acima da cabeça, a fim de servir de ponto de passagem de uma serie interminável de passes, como que obedecendo um script odioso e castrador de toda condição de autonomia que vizasse um ato criativo. E previamente sabedora desse engessamento técnico-tático, bastou a equipe australiana, numa engenharia reversa de quem conhece e domina profundamente todos os caminhos possíveis daquele sistema, cortar as linhas de passes, numa atitude antecipativa, para aniquilar nossas parcas esperanças de vitoria, já que dominadas e anuladas no nascedouro.

O posicionamento de tripla ameaça, onde o jogador se qualifica ao drible, ao passe ou ao arremesso, caracteriza o principio de domínio dos fundamentos básicos do jogo, mantendo-o no foco da ação, independendo de ação individual ou coletiva, e que é a condição definidora da qualidade do mesmo, e que independe do sistema de jogo a que estiver agregado, pois seja qual for, somente justifica sua existência e aplicabilidade se for desenvolvido por jogadores que dominam os fundamentos, tornando-os exeqüíveis e coerentes.

Creio que é chegado o momento de mudarmos drasticamente o foco de preparação de equipes em nosso país, hoje partindo dos sistemas e a conseqüente adaptação dos jogadores aos mesmos, para uma concepção inversa, ou seja, que sistemas sejam criados e desenvolvidos de acordo com as características dos jogadores envolvidos num processo de aprendizado enérgico e profundo dos fundamentos individuais e coletivos, tornando-os cúmplices de suas habilidades, e nunca inibidores das mesmas, como ocorre sistematicamente entre nós na formação de base.

Lógico que, uma grande maioria de técnicos-estrategistas, como são definidos aqueles que colocam o sistema como prólogo de qualquer formação de equipe, e que secundarizam os fundamentos do jogo, muito mais por que os desconhecem didático-pedagogicamente, do que o reconhecimento de sua validade inquestionável, se colocarão radicalmente contra essa inversão de prioridades, já que conotam seus” vastos conhecimentos estratégicos”, muito acima da subalterna condição de preparadores de jogadores, que é exercida, segundo eles, por aqueles destituídos da “sabedoria dos bancos”, e que exercem a função menor de ensinar os fundamentos, ação destinada unicamente como abastecedora de matéria prima para suas mágicas e extraordinárias coreografias de prancheta.

Esse posicionamento criminoso nos levou ao atoleiro técnico-tático em que nos encontramos, mascarado pelo enganoso e falso sucesso nas competições nacionais e algumas poucas em nosso continente, e que se desnuda quando confrontado com as grandes competições internacionais, onde jogadores, independendo de posições e estatura, manejam o corpo, a bola e a mente com maestria, dominando integralmente os fundamentos, e claro, com tais qualificações, fazendo fluir todo e qualquer sistema de jogo a que estiver agregado, e jamais ao contrario, como nós.

Exatamente por estes princípios estamos sendo derrotados nas competições internacionais, em todas as faixas etárias, onde baixas coreanas ou altas australianas, assim como gregos e argentinos, nos vencem por serem melhores executantes dos fundamentos do que nossas esforçadas e talentosas jogadoras e jogadores, mesmo que utilizando sistemas de jogo semelhantes, porém estruturados e baseados na qualidade de execução e domínio dos fundamentos.

Nos dois jogos que perdemos na competição olímpica, a discrepância na execução dos fundamentos chegou à raia do absurdo, envolta no absurdo maior de um mascaramento tático que só se justificaria através uma equipe solidamente preparada nos mesmos, o que jamais aconteceria, pela inexistência desta essencial qualificação. E os jogos futuros demonstrarão cada vez mais esta deficiência crônica, que é perpetuada por aqueles que se negam a descer de suas falibilidades estruturais, mas que mantêm aquela falsa e enganosa aureola de napoleões de galinheiro.

A cada drible interrompido por um tropeção, a cada finta abortada por imprecisão no domínio do corpo, a cada passe perdido pela inadequação do momento preciso para executá-lo, a cada rebote falseado pela errônea escolha do acompanhamento da bola e não do oponente, a cada arremesso falhado pelo desconhecimento dos princípios de domínio de um objeto esférico e seus comportamentos, a cada falha defensiva pelo cruzamento sistemático das pernas, e a cada derrota motivada pelos pontos enumerados, todos pré-requisitos à consecução de qualquer sistema de jogo, a qualquer sistema defensivo, que se lembrem os técnicos, os falsos e os verdadeiros, os jovens e os veteranos, os badalados e os mais humildes, de que toda casa de qualidade necessita de bons alicerces, de que cada jovem iniciante, e mesmo os mais experimentados jogadores, necessitam, muito e muito antes do que sistemas de jogo, o pleno domínio dos fundamentos, que é o fator determinante para que aprendam simplesmente a jogar basquetebol.

Um projeto técnico de longo alcance se faz urgentemente necessário para tentarmos soerguer nosso basquetebol, mas num ponto tenho a mais absoluta certeza, a de que com essa administração caótica, pretensiosa e incompetente, que rege às avessas o basquete nacional, e que é blindada ao controle de suas iniciativas e orçamentos, por órgãos não interessados na soerguimento do basquete entre nós, não sairemos do estágio atual, a não ser que uma mobilização profunda e compromissada inicie agora, sem protelações, a busca e retomada do poder confederativo para exequibilizar tão ansiadas mudanças, dentro dos primados democráticos previstos na lei desportiva do país.

É possível tal mudança? Creio que sim, e na proporção direta do interesse e engajamento de todos aqueles que amam o grande jogo, na grande tarefa de convencer os clubes estaduais da necessidade de elegerem presidentes de federações alinhados às mudanças propostas, e na escolha de um nome de consenso para concorrer à presidência da CBB, única maneira de salvar o que ainda resta do outrora basquete campeão mundial e medalhista olímpico.

Amém.



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