DE OLHOS FECHADOS…
Anos atrás, num dos primeiros artigos que escrevi, relatei uma experiência por que passei numa das grandes finais entre os clubes Vasco da Gama e Flamengo no Maracanãzinho, quando meu filho se dirigiu a mim contrariado por eu estar de olhos fechados, como que dormindo, quando em volta mais de dez mil torcedores torciam aos berros.
Sem abrir os olhos relatei a ele tudo o que estava acontecendo em quadra taticamente falando- Fulano com a bola, sicrano, que é o pivô vem para fora do perímetro, esboça um corta luz, sicrano dá um passe aberto e corre para se esconder atrás da defesa adversária, beltrano abre o passe para a lateral, corre para perto da cesta, chega atrasado para o rebote, e, e, e…. recomeça tudo de novo, só que na cesta contraria…
Meu filho acompanhando todo o relato, que se estendeu por mais alguns instantes não acreditava no que ouvia, sequer o que via de olhos bem abertos. Defini e justifiquei naquele momento a um jogador infanto juvenil o que o esperava de pobreza técnico tática para dali a alguns anos, se decidisse continuar na pratica do grande (naqueles momentos, pequeno, bem pequeno…) jogo.
O sistema único de jogo, bem calcado e lamentavelmente copiado da NBA, com sua objetividade mercadológica centrada nas batalhas de 1 x 1, motivação máxima do belicismo arraigado naquelas plagas, não só hegemônico, como racial também, com suas regras especificamente orientadas ao estilo de jogo que define tal escolha na contra mão das regras da FIBA ( Ora, o que a FIBA pode mandar naquele reino?…), encontrou por aqui fervorosos adeptos, não só torcedores satisfeitos e auto colonizados, como, e o mais grave e até trágico, entre a maioria esmagadora de nossos técnicos, ávidos por um prét à porter que os eximissem de perda de tempo em estudos, pesquisas e trabalho de formação, quando a solução técnico tática poderia ser exprimida dentro do tacanho espaço de uma prancheta.
E com o passar do tempo, plêiades de jogadores aderiram ao processo, quando muito pela expectativa de ganhos estratosféricos naquela catedral dos sonhos, e mais realistas, por uma fuga ao exterior europeu. Os que aqui ficavam, como num corporativismo endêmico junto aos técnicos, mantinham a “filosofia” de jogo e atitudes, coisificando técnico taticamente nosso infeliz basquetebol.
E a Europa avançava no concerto internacional com algumas poucas, porém efetivas propostas técnicas, e melhor ainda, táticas, mas ainda distantes do poderio econômico americano.
Aos poucos, muitos dos jogadores europeus foram para a NBA, e ao contrário do que se poderia esperar, aderiram ao modus operandi americano, ao ponto de um dos comentaristas do agora Eurobasket afirmar que muito do poderio espanhol, grego, turco e das repúblicas dos bálcãs, se deve à influência sistêmica daquela enorme e mais hegemônica do que nunca ( Há, o peso dos dólares…) NBA.
Mas espera lá, o que tem a ver toda essa história com o Eurobasket que três redes de TVs nacionais vem transmitindo Paulo?
É que tornei a realizar a experiência que relatei no início desse artigo, ao fechar os olhos e ser capaz milimetricamente de reportar a quem por perto estiver o que ambas as equipes estão realizando taticamente na quadra, sem tirar nem por, um cansativo e monocórdio replay do famigerado basquete internacional”, para o delírio suicida de uma classe profissional que se compraz pelo sistema único de agir e jogar, como arautos da aldeia global preconizada por Aldous Huxley.
E mesmo ante as regras draconianas da FIBA, o sistema se impõe, não por ser o melhor, mas por ser o único, aceito pusilanimemente por quem, e por dever evolutivo, deveriam se antepor ao exclusivismo anti natural e unilateral, os técnicos, aqueles, que por sua formação humanística, generalista e criativa, são, e sempre foram os bastiões do conhecimento abrangente do grande jogo.
Hoje e amanhã, mesmo na presença de excepcionais jogadores, não precisarei abrir os olhos para determinar o que ocorre na quadra polonesa, noves fora a emoção e a luta, fatores que sempre estarão presentes neste magnífico jogo, mesmo que aviltado por tanta mediocridade criativa e sistêmica.
Mas como para a maioria vivente nesse globalizado mundo a vitória é o objetivo a ser alcançado, os meios justificam as ações, mesmo que subservientes. Então, vivas a um basquete mutante e indeciso.
Fico pensando, como seria impactante se um país (mais mutante impossível…) como o nosso, desviasse sua rota basquetebolística para um outro segmento, uma outra proposta, criativa e desvinculada da mesmice galopante, agora em escala mundial, e se orientasse a novos rumos, novos tempos. Como seria formidável.
Aliás, dentro desta ótica, nosso vôlei traçou seu destino inovador e corajoso, e todos nós vimos no que deu, não mais vitórias fundamentadas na mesmice, e sim sedimentadas no novo, no temeroso e indefinível novo, somente trilhado pela coragem, pelo destemor e pela imprescindível competência.
De olhos fechados, amém.
Prezado professor Paulo Murilo,
Em relacao a mesmice, infelizmente acredito que deveremos continuar no mesmo rumo, especialmente porque o Brasil foi o Campeao da Copa America – e nas entrevistas pos-copa america do grupo – e da comissao tecnica – todos mencionaram grupo unido e fechado em razao disto acredito que a equipe devera ser a mesma para o Mundial.
Mas voltando ao assunto da dupla armacao e filosofia de jogo – fecho os olhos e consigo visualisar a fluencia de jogo com uma formacao de 2 armadores e 3 alas-pivos moveis. Acredito que neste momento a CBB deveria estar patrocinando clinicas de basquetebol por todo o Brasil a serem conduzidas por profissionais, como vc, possuidores de know-how tatico, tecnico e pedagogico para tal…
Acredito tambem que estes profissionais – patrocinados pela CBB – deveriam conduzir clinicas de pelo menos 1 semana de duracao em clubes para apresentacao desta filosofia de jogo como tambem coordenar uma semana de treinamentos e palestras com os tecnicos visando a pratica e o desenvolvimento dos fundamentos basicos do grande jogo como tambem a execucao progressiva de movimentacoes e exercicios de defesa e ataque que viessem a favorecer a fluencia de jogo do 2+3.
Ate breve.
Walter
Walter, você mais do que ninguém conhece o caminho das pedras dessa nossa sacrificada profissão, não bastasse ter de exercê-la tão longe da pátria, onde é reconhecido, respeitado e pago efetivamente pelo trabalho do dia a dia.
E por esse conhecimento, tem consciência de algumas e sérias impossibilidades tupiniquins, entre elas, o reconhecimento e o prestígio negados à maioria dos verdadeiros professores e técnicos do país, em nome de apaniguados, carreiristas e marqueteiros que pululam em torno de politicos profissionais, não só no basquete, mas em todas as modalidades desportivas, onde barganham e escambam posições em troca de favores politicos e financeiros.
Por tudo isso, vejo como uma impossibilidade técnica e à medio longo prazos, o aproveitamento dessa reserva intelectual existente no país, mas condenada ao limbo dos não alinhados ao sistema vigente, mesmo que tal omissão venha de encontro ao progresso de nossa juventude. Educação e cultura não podem ser entraves aos objetivos dessa gente, restando somente a luta continuada através o trabalho honesto nas quadras, na midia alternativa da internet e na manutenção de um estado de indignação permanente e corajoso na defesa do grande jogo e da dignidade dos justos.
Perdoe-me discordar de suas projeções a dias melhores, e se tiver a possibilidade de desenvolvê-las e aplicá-las nessa terra tão distante, o faça sem hesitação, pois competência, preparo e sabedoria independe de localização geográfica. Pena que não possamos testemunhá-las em nosso solo.
Um abração, Paulo.
Prezado prof. Paulo Murilo,
Obrigado pelo respeito e palavras carinhosas. Infelizmente voce descreveu a pura realidade do nosso pais. Por nao fazer parte das “panelinhas” estou no exterior ha 19 anos dirigindo equipes profissionais e gracas a Deus devido a minha dedicacao, esforco e competencia – tenho o meu nome e reputacao respeitados em um mercado onde estou competindo com tecnicos Americanos e do leste Europeu. E muitas vezes ja me foi dito que eu sou o unico brasileiro que eles respeitam como tecnico de basquetebol pois o nosso pais e reconhecido como o pais do futebol – especialmente depois de tantos anos de insucessos e ausencia em competicoes de nivel Internacional.
Hoje eu sou convidado para palestras na Asia e nos paises do Golfo mas infelizmente nao tenho tal reconhecimento no meu proprio pais, onde tecnicos estrangeiros sao contratados para dirigir o nosso selecionado – Ja publiquei 9 livros em Ingles e Portugues – Uma vez me foi dito pelo Grego – que eu era muito caro! Ve se pode??? Agora por culpa da falta de uniao e por outros motivos produndamente discutidos em seu blog, nos vemos em uma situacao onde um tecnico da Espanha e contratado para dirigir o nosso selecionado e tecnicos jovens (pouco rodados ) e sem experiencia sao os responsaveis para o desenvolvimento do grande jogo em nosso pais.
Walter, mas lá do fundo de minha mente ainda vislumbro um hipotético dia em que o mérito faça valer sua força e coerência, num projeto de verdadeiro soerguimento do basquetebol entre nós.E nesse futuro ansiado, quem sabe estaremos irmanados na consecução do mesmo. Sonhar o sonho impossível… sempre valerá à pena.
Continuemos o árduo trabalho, na solidão de nossas certezas, e na irmandade que nos une, e a todos que acreditam, como sempre acreditamos, que dias melhores hão de vir.
Um abração, Paulo.