MUNDIAL-O SEGUNDO DIA: O SISTEMA…

Como toda exceção justifica uma regra, posso hoje afiançar que neste Mundial a equipe americana é a tal da exceção, dentro de um universo composto de mais 23 equipes jogando rigorosamente iguais, comprovação esta visualizada nos jogos transmitidos pelas TVs oficiais e os streams vinculados à internet.

E é uma exceção instigante, atípica, pois parte da seleção do país que idealizou, aplicou e divulgou para o mundo o sistema único de jogo, aquele que encontrou na NBA seu nicho dourado, e que estabeleceu uma hierarquia especializada no posicionamento dos jogadores, classificados e rotulados de 1 a 5, hoje aceita colonizadamente em todo o mundo, com raríssimas exceções.

E esta amplitude de emprego, tornou e dotou os jogos de um grau de previsibilidade técnico tática de tal ordem, que as equipes mais vencedoras passaram a ser aquelas que tivessem naquelas posições assinaladas de 1 a 5, os melhores jogadores, especializando-os de uma maneira tão dramática, que até as substituições obedeciam as mesmas, afastando perigosamente o jogo coletivo em função dos enfrentamentos posicionais, fatores estes que passaram a ser os apelos promocionais dos jogos, onde o fulano 1 duelaria com seu congênere 1, o 5 com o 5, e assim sucessivamente, praticamente transformando um jogo coletivo em lutas setoriais e individuais, sob a égide e o manto protetor de regras específicas, principalmente nos aspectos defensivos, estabelecendo critérios de arbitragem bastante diferenciados dos empregados pela FIBA.

Mas algo deu errado para os americanos, pois o restante do mundo, mesmo aceitando a forma de jogar da NBA, o fazia sob as regras internacionais, onde critérios mais rígidos no tocante ao contato físico, fizeram com que aos poucos os americanos se situassem em inferioridade técnica nas grandes competições mundiais, cuja retomada custou aos mesmos um dramático retorno às origens universitárias na figura redentora do Coach K, cujas regras e forma de jogar no aspecto físico, mais se assemelhavam ao restante do mundo.

Na Olimpíada passada, os americanos já demonstravam que as mudanças eram para valer, e neste mundial confirmam e estabelecem as mudanças radicais que adotaram, apresentando uma forma de jogar independente de posicionamentos e muito longe do sistema único que impuseram ao mundo nas duas últimas décadas. Hoje podemos dizer que os americanos encontraram a maneira de enfrentar as grandes seleções mundiais, jogando na contra mão de sua própria influência. E o mais trágico nisso tudo, é que o mundo continua atrelado ao modo NBA, ao mesmo tempo em que seus criadores se afastam do mesmo.

No terceiro quarto do jogo de hoje contra os eslovenos, quando estes começaram a impedir os arremessos de três americanos, mesmo defendendo por zona, vimos quão indecisos e ineficientes se tornaram, exatamente por ainda estarem vinculados a resquícios individualistas advindos da realidade profissional em que militam, mas, ao reagirem coletivamente reencontraram o ritmo exigido por seu excelente técnico, e como prova do respeito pelo empenho e luta de seu adversário europeu, não ultrapassaram os 100 pontos, mesmo com 14seg para tentá-lo.

E no cenário das demais equipes, inclusive a nossa, o sistema único se fez presente maciçamente, e como descrevi anteriormente, auferindo vantagens àquelas equipes que possuíssem melhores jogadores em posições chaves, ou em todas. Foi o caso da Alemanha, que num confronto em que a maioria dos jogadores se equivaliam, numa ladainha de previsibilidade enervante, o 1, e o 5 alemães, nitidamente superaram o 1, e o 5 sérvios, determinando dessa forma a vitória dos alemães na segunda prorrogação. Empolgante? Talvez sim, mas de uma previsibilidade irretocável.

No nosso jogo, contra uma equipe muito fraca, a Tunísia, nossos 1 a 5, superaram os 1 a 5 adversários, numa previsível gradação de um jogo em que as duas equipes ao jogarem rigorosamente iguais técnico taticamente, a vitoria penderia, como pendeu, para quem tivesse os melhores jogadores de 1 a 5, no caso, nós, mesmo marcando mal, e errando muito nos fundamentos, só que eles erraram mais.

Amanhã, enfrentaremos os americanos, quando teremos a oportunidade de sentirmos o que será duelar com uma equipe que não adota o próprio sistema que criou, e mais, com um arsenal de recursos técnicos individuais calcados nos movimentos básicos do grande jogo, seus fundamentos, agora voltados ao coletivismo, os mesmos fundamentos que tanto negligenciamos nos últimos vinte anos em que adotamos a panacéia do sistema único, com sua coreografia “invencível”. E o trágicômico, é que nem os americanos pensam mais assim.

No dia em que perdermos o medo de ousar, e voltarmos a estudar, adotar e treinar maneiras outras de jogar o grande jogo, quem sabe, voltemos ao concerto das grandes equipes, onde já estivemos, exatamente pela capacidade de criar e ousar.

Amém.



6 comentários

  1. Fernando M.V. 30.08.2010

    Prof. Paulo, assistindo aos jogos treino do USA e agora no Mundial, peguei para relembrar os jogos deles proprios na ultima olimpiada, que tenho gravados em casa, e me espantei, pois a atual equipe, mesmo sem os medalhoes, me agrada mais.
    Talves esteja errado, mas a impressao que tenho e que a atual, os jogadores são mais coletivos, e procuram o tempo todo alternativas durante o jogo; a seleção dos USA que ganhou as olimpiadas, na minha modesta opnião, baseava-se na individualidade e força de seus atletas e não na leitura da partida.
    Não vou bater o pe que eles, USA, vão ser campeões, mas com certeza, ate o momento e a que mais me alegra. Quanto ao nosso Brasil, fico torcendo, pois um titulo seria muito importante ao nosso esporte, para qwuem sabe ganharmos espaço nas midias de massa.
    um grande abraço, e como sempre muito obrigado,

  2. Diego Felipe 30.08.2010

    Professor

    Acabei de assitir o jogo BRA X USA em um link de stream na internet. Um bom jogo, mesmo com o Brasil com tantas deficiências. Talvez, quem sabe, se o Brasil acabasse com a chuva de arremessos de 3, tivéssemos ganho o jogo antes. Foi disputado, sim, mas somente pela estratégia (bem montada, por sinal) do Sr. Magnano. Que, na minha limitada visão de um rapaz de 18 anos, que só pratica o grande esporte há 2, se baseou em evitar os contra-ataques e usar ao máximo o único armador puro, o Marcelo Huertas, visando evitar erros de passes, fintas mal-feitas e a pressa no ataque para arremessar (principalmente de 3). Me corrija se estiver errado, mas poderíamos simplesmente ter levado mais um armador, podendo fazer o rodízio entre os dois, ou até mesmo usando-os concomitantemente, assim como fez a seleção americana com Rose e Billups. E professor, mais um pensamento meu: será que não seria até mesmo prejudicial, se chegássemos a ganhar esse título? Pois poderia resultar em um ‘louvor’ ao ‘encastelamento’ das lideranças do NBB, quase que uma confirmação que não precisam de tanta renovação na maneira de jogar ou ensinar(?) basquete, o que com certeza se tornaria prejudicial, além de possivelmente levar a saída do Magnano, se ele quiser fazer aqui o que houve na Argentina quando lá estava…

    Desculpe a extensão do comentário, um abraço
    Diego

  3. Clayton 30.08.2010

    Gostei muito do comentário do Prezado Diego Felipe!

  4. Basquete Brasil 31.08.2010

    Prezado Fernando, sua apreciação é correta, e ainda temos de pesar o fato de que agora, neste mundial, os americanos mudaram radicalmente sua forma de jogar, onde o coletivo é valorizado sobremaneira. Acredito que uma boa classificação do Brasil já seria suficiente para uma melhor divulgação e apoio à modalidade no país. Um abraço, Paulo Murilo.

  5. Basquete Brasil 31.08.2010

    Concordo inteiramente com você Diego. Seus comentários são pertinentes e muito bem observados e descritos.Um abraço, Paulo Murilo.

  6. Basquete Brasil 31.08.2010

    Também gostei muito Clayton. Paulo Murilo.

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