O IMPASSE DO ARGENTINO…
Noite chuvosa, me tomei de coragem e lá fui para a Arena, alguns quilômetros de minha casa.
De saída, 15 reais para estacionar num imenso deserto ocupado por outros 19 carros (27 ao sair no fim do jogo…), mais 15 de meia entrada (um direito para os da terceira idade…), e finalmente, o local do jogo, circundado por não mais que 250-300 pessoas perdidas numa arena para 15000 espectadores, tristemente vazia, como as três bandeiras soltas no nada, mais solenemente dispostas numa irregularidade chocante, tanto na forma, como na precedência hierárquica, num significativo retrato do esporte que aqui é organizado.
Olho em volta e não reconheço ninguém (talvez tenha me colocado no lado errado…), a não ser dois terríveis torcedores que já havia visto no Tijuca, que vociferaram o jogo inteiro, sendo regiamente recompensados em suas sandices pelo eco tonitruante originados nas bancadas vazias, lastimavelmente vazias.
Assisto a um jogo atípico, pois a linearidade técnico tática da equipe de Bauru se faz presente por todo o tempo, onde a quantidade de arremessos de três (6/28 – 21%) joga por terra suas aspirações de vitória, que nem os 51% nos arremessos de dois (22/42) e os 79% nos lances livres (11/14) conseguem equilibrar o brutal desperdício de pontuação, principalmente nas tentativas de três.
E porque atípico? Pelo comportamento da equipe do Flamengo, agindo em oposição ao que sempre propugnou ao dar preferência ao jogo exterior, principalmente através seu forte homem nessa proposta, o Marcelo. Mas neste jogo, voltaram-se em boa dose para o jogo interior, onde seu cestinha somente converteu 1/3 nos arremessos de três, 4/9 nos de dois pontos e excelentes 8/8 nos lances livres, num razoável aproveitamento de 19 pontos, mas acrescidos de uma participação interior nos passes e nas assistências de grande e decisiva qualidade, quase ao nível de nossos melhores armadores, e com 2m de altura.
O outro armador, vamos assim conceituar, o Helio, também foi pródigo nos seus 21 pontos, com 2/4 nos três, 5/7 nos dois e 5/5 nos lances livres, compensando em muito o baixo aproveitamento do Theague, com 1/6, 2/7 nos arremessos de três e de dois, e muito bem nos 4/4 de lances livres.
De tal forma a inusitada dupla armação do Flamengo foi eficiente, que os outros três armadores da equipe sequer influenciaram no jogo, pois ficaram na reserva grande parte do tempo.
E mais, saltou aos olhos a imensa subida de produção dos três pivôs que participaram do jogo, principalmente o Teichmann, com sua velocidade e elasticidade, fatores importantes, tanto no ataque, como, e principalmente, na defesa. O jogo interior beneficiou em muito a produção deles, ao contrário de Bauru que se pautou quase que exclusivamente pelo jogo exterior, numa enorme perda de eficiência e qualidade.
Os números finais da equipe carioca não deixam margens a dúvidas sobre a excelência da escolha pelo jogo interior, pelo jogo de 2 em 2, senão vejamos: 5/18 – 28% nos arremessos de três.
22/38- 58% nos arremessos de dois.
20/21-95% nos lances livres.
Para uma equipe cujo grau de convergência entre os arremessos de dois e de três pontos vinha se estreitando a cada partida, arremessar 20 bolas a mais de dois pontos se constitui num tremendo feito, e ai aparecendo a mão de um técnico que aos poucos vai catequizando seus estelares jogadores para um jogo interior mais freqüente e decisivo, sem abandonar o exterior, mais ai conotando sua complementaridade tática, e não prioridade de jogo.
E é nessa fase de seu trabalho que um tremendo impasse estará para ser deflagrado, o inevitável choque entre os egos e as lideranças exercidas dentro da equipe, onde um banco de reservas é, e sempre foi olhado e avaliado por alguns de seus jogadores como algo secundário, algo depreciativo, e não um segmento fundamental de um plantel competitivo, sem o qual nenhuma equipe de alta competição chega a lugar nenhum.
Esse é o grande impasse que determinará o sucesso, ou insucesso de seu trabalho, sutil e até timidamente ensaiado nesse jogo com Bauru, quando a equipe rubro-negra se despiu de estrelismos e buscou novos caminhos no rumo de uma classificação possível se insistir no mesmo. Aguardemos o quarto jogo, que poderá consolidar a inusitada escolha.
Mas espera lá Paulo, você não falou de defesas, esqueceu-as? Não, prezado amigo, não se fala do que não existiu, ou venha existindo no basquete tupiniquim, e ai sim, se constituindo um impasse que abrange, não só o hermano, mas a quase todos os técnicos da liga. Mas essa é outra conversa…
Amém.
PS-Clique nas fotos para ampliá-las(mas não se assustem com o imenso vazio…).
Nobre professor, pena não tê-lo visto nas arquibancadas, até pensei que o senhor ficasse do lado dos credenciados, mas como não o vi por ali, não desandei a procurá-lo. E também estacionaei meu carro do lado de fora, na ausência de qualquer sinalização proibitiva, próximo as bilheterias, dado o pouco movimento. No máximo dispenso um trocado ao “guardador” extra-oficial…
Quanto ao jogo em si, suas sempre pertinentes análises elucidam o que vi em outros blogs de quem cobriu a partida “in loco”: a sandice de três pontos de Bauru, corroborada por um excessivo individualismo, com alguma eficiência apenas nas mãos calibradas do Fischer. Por outro lado, um rubro negro mais comedido no perímetro, buscando o jogo dentro, mas pouco utilizando os pivôs ao meu ver, embora estes tenham respondido com eficiência nas poucas vezes em que foram lembrados pelos armadores, notadamente o Teichmann, como o senhor bem destacou. Acredito que a ausência do Bábby tire a referência da zona pintada para os armadores, que passam a confiar apenas no bom pivô catarinense do Fla para o jogo interior. Nas jogadas de infiltração, ainda vi um certo vício do jogo externo, quando o armador vai embaixo da cesta e busca um passe para a linha de três, na maior parte das vezes. Um verdadeiro dilema para o técnico “hermano” Gonzalo Garcia, fazer o time se conscientizar da eficiência do jogo interno e da excepcionalidade do jogo externo. Algo semelhante a tarefa que o senhor heroicamente empreendeu no Saldanha da Gama, creio.
Por fim, quanto a defesa, sou um pouco menos pessimista que o senhor. Vi um arremedo de tentativas de jogo, ao menos no primeiro tempo, com Marcelinho limitado por uma excelente marcação do Larry, e este anulado por quase todo o jogo pela boa defesa de seu compatriotat Teague. Me parece que uma tônica de jogos que começam como um resquício defensivo o perdem no segundo tempo, aparentemente os jogadores esquecem o papel defensivo com o cansaço, o que obviamente não é desculpa para deixar de marcar, como fez o Jefferson no minuto final, auxiliando a tarefa baruense de se aproximar no placar.
Perdoe-me pelo extenso e prolixo comentário, mas fica difícil achar alguém com quem conversar algo interessante sobre uma partida de basquete com tantos torcedores pouco interessados no grande jogo, mas sim na baderna, de ambos os lados (vide o papelão do jogo 2 anterior, na terça, o qual também presenciei). Na próxima oportunidade, agora que sei onde o senhor prefere assistir o jogo, em meio a nós, pobres mortais torcedores (imaginava-o nas tribunas, por suas credenciais esportivas), para lá dirigirei meu olhar, onde poderemos bater um papo distinto das boçalidades que se ouve, como excessiva nitidez inclusive, diante do vazio.
Abraços!
Que pena Victor, sequer pude tentar reconhecê-lo, pois nunca fomos apresentados pessoalmente. Mas não vão faltar oportunidades, até mesmo fora de um ginasio desportivo. Sim, você observou bem as nuances do jogo, perfeitamente alinhadas aos meus comentários, aliviando somente quanto às defesas, que julgo serem superficiais e na maioria das vezes maquiadas por uma falsa determinação fisica, desmentida pelos absurdos posicionamentos fundamentais, bem de acordo com a mais completa ignorância sobre o como e quando defender.Gestuais, caras e bocas não conotam um bom defensor, uma boa defesa, e sim seu perfeito e duro entendimento de que tal habilidade conota tempo, sacrificio e muita, muita técnica, que deve ser convenientemente bem ensinada, e muito mais, bem aprendida. Não é um habito brasileiro tal conotação de defesa, constituindo-se no nosso maior óbice, assim como o produto originado por essa lastimável ausência, a facilidade de arremessar, principalmente fora do perimetro.
Um abraço, Vitor, mas sem antes concordar que esse foi um dos maires obstáculos enfrentados em Vitoria, mas, de certa e boa forma, consegui que jogadores de alta competição me permitissem ensiná-los a defender, e por que não, a atacar também.
Paulo.
Professor, vem aí uma série dura, quem sabe contra a boa escola francana, e espero poder trocar umas palavras com o senhor num dos jogos aqui do Rio, que certamente verei ao vivo. Vejo que o senhor se preocupa com a ausência da mentalidade defensiva, algo que falta não só aos técnicos, mas aos jogadores dos plantéis de mais “alto nível” de nosso basquete, recusando-se a seguir instruções defensivas, nas raras oportunidades em que elas são ensinadas. Foi quase com compaixão (como flamenguista não poderia deixar de regozijar pela vitória) que padeci com bom técnico Guerrinha, ao qual tenho certas restrições de cunho pessaoal, mas não profissional, quando suplicou por defesa ao seu time, e ainda foi didático quando não atendido… Claro que não serão tempos técnicos bem ou mal aplicados durante o jogo que resolverão nossos problemas fundamentais de defesa, mas foi alvissareiro ver um técnico tentar incutir tal mentalidade nos seus jogadores… Imagino que seja dilema semelhante que o Gonzalo Garcia enfrenta no Flamento, como o senhor ressaltou em seu post.
Quanto a uma apresentação, repito, imaginava o senhor num merecido lugar de honra, tamanhas suas credenciais dentro do esporte, por isso nunca o procurei entre as arquibancadas. Mas o farei nos próximos jogos, que julgo serão tão emocionantes quanto estes, visto a consolidação de jogo tanto de francanos quanto de rubro-negros. E aqui não vai nenhum julgamento apaixonado de flamenguista, mas de um admirador de todo o esporte, especialmente do grande jogo…
Abraços!
Prof. Paulo,
Acredito que temos um problema sério também em nosso País. Somos levados a conceituar algo apenas pelos fatos(digo resultados). Tenho acompanhado o treinador argentino e de longe, sinto um esforço tremendo dele para criar aos poucos um conceito diferente do que se viu do Flamengo nos últimos “anos de sucesso” da equipe. E isso realmente leva tempo. Mudança de uma cultura enraizada nesta equipe leva tempo. Mas os críticos passaram quase que a competição inteira criticando e dizendo que se tratava de um técnico fraco baseando-se na queda de rendimento da equipe.
Fico chateado com isso, pois o senhor sabe muito bem como é complicado lidar com egos em equipes esportivas e mais ainda, quando a estrutura apoia e corrobora com este tipo de conduta dos atletas.
Não sei se o flamengo chega, mas hoje vejo um time um pouco mais sereno, um time um pouco crítico na escolha de suas jogadas e este tipo de conduta em muitos momentos tirou o ímpeto avassalador que deu inúmeras vitórias à equipe durante anos, mas que cegou o time quanto a um trabalho coletivo e inteligente por muito tempo. E sinceramente, credito isso à persistência do técnico que tenta a cada treino e cada pedido de tempo uma mudança de filosofia de jogo.
Mesmo que o flamengo não chegue ao resultado esperado, considero louvável ver alguém tentando algo mais qualificado em uma grande equipe no Brasil. Mas muitos ainda estão naquela relação de “se vencer é bom e se perder é fraco”. Acho uma análise pobre quando vamos tentar entender um cultura que está em pleno “tratamento de choque” e dando sinais de melhora agora.
Abraço, Professor!
Professor, olha o que eu vi.
http://www.formspring.me/bolapresa/q/188788279154343052
Algum comentário sobre essa (triste) narrativa?
Victor,estarei no próximo jogo aqui no Rio, e certamente estabeleceremos o papo sobre o grande jogo, com certeza.
Sem dúvidas, carecemos de uma mentalidade defensiva mais objetiva, mas que pode muito bem ser treinada e desenvolvida, mesmo nas equipes de elite. Essa foi uma das minhas propostas no Saldanha, e que atingiu bons resultados ao fim da temporada. Temos de abolir no país a idéia de somente “treinar” as equipes superiores, quando também podemos “ensinar” às mesmas, comportamentos defensivos e ofensivos, por que não?
No artigo de hoje ressalvo tais posicionamentos, principalmente os do técnico Gonzalo.
Um abraço, Paulo.
Concordo plenamente com as suas observações, prezado Rodrigo, pois espelham uma realidade inquestionável. Nâo deve ser nada facil, ainda mais para um extrangeiro, administrar tal quantidade de egos numa única equipe, mas aos poucos ele vai fazendo jús à sua posição de assistente técnico da grande seleção argentina para o pré olímpico. Com paciência e liderança ele alcançará em boa margem os resultados planejados, ou bem perto deles.
Um abraço, Paulo Murilo.
Também vi e li, prezado Diego. Considerações? Lastimável.
Paulo Murilo.