O MOMENTO DECISIVO…
Como já venho afirmando a um longo tempo, a mesmice técnico tática que se estabeleceu no nosso basquetebol, praticamente eliminou a criatividade dos jogadores, ao se estabelecerem enclausurados em posições de 1 a 5, mimetizando coreografias pranchetadas, parecendo que nunca foram treinadas pelos estrategistas de plantão, numa orgia de rabiscos que quase sempre são esquecidos, ou sequer entendidos, por jogadores que os olham entediados e descompromissados, já que realizam o oposto na volta ao jogo, e onde os “vamo lá”, “peguem forte”, “façam os movimentos”, “rodem a bola”, “façam a chifre, a dois invertida, a três revertida, a quarenta e quatro, a trinta e dois, a… “ sabe-se lá mais quantas sacadas de ocasião, tentam impor algo somente existente em seus pontuais devaneios, pois tais situações seriam dispensáveis se exaustiva e detalhadamente fossem dissecadas nos treinos, em vez dos rachões de praxe, e onde todos os envolvidos descobririam que as mesmas são irrepetíveis, já que submetidas a um fator decisivo, a realidade defensiva por parte de adversários, cuja existência é, também de praxe, omitida da realidade expositiva de uma irreal prancheta.
Algo muito sério, no entanto, preocupa mais do que todo esse arsenal de siglas, códigos e encenações, a teimosa e monocórdia insistência pela busca do “movimento perfeito”, aquele que deve ser recriado indefinidamente sempre que solicitado, pois na fria ótica das pranchetas, ele ali está representado na ordem direta de sua pseudo perfeição, mas com um único e poderoso porém, o da impossibilidade de que qualquer movimento possa ser repetido, quando muito adaptado, jamais revivido.
E por conta de tal evidência, foi que em 15/2/2005, quando tal tendência já se manifestava, que publiquei o artigo Mestres do Olhar e do Movimento, que agora reproduzo, pois o momento por que passa o grande jogo em nosso país, tem de se desvencilhar desse vicio, que o prejudica e entrava de maneira altamente preocupante:
MESTRES DO OLHAR E DO MOVIMENTO.
Este foi o título de uma reportagem sobre a exposição que explora as afinidades entre o escultor Alberto Giacometti e o fotógrafo Henri Cartier-Bresson publicada no O Globo no dia 17/1/2005. O texto menciona, entre várias coincidências, a vontade de ambos de congelar um momento em movimento. Disse Giacometti- “Toda a ação dos artistas modernos está nessa vontade de captar, de possuir alguma coisa que foge constantemente”. Já Bresson assim se manifestou-”Jogamos com coisas que desaparecem, e quando elas desaparecem, é impossível fazer com que elas revivam”. Eis duas afirmativas que caem como um diáfano véu sobre as cabeças da maioria de nossos técnicos. Sonham de olhos abertos com a perpetuação dos movimentos que extrapolam de suas pranchetas mágicas, como se fosse possível a perenização das jogadas estabelecidas pelo sistema de jogo que empregam. Sempre que estabelecem contato com os jogadores repetem, e repetem, até a exaustão os mesmos movimentos, as mesmas soluções, clamam pela obediência à jogada, á rotatividade da bola, com uma intransigência que beira ao fanatismo. É como se fosse uma grande coreografia, onde a repetição das jogadas mortais é o supremo objetivo a ser alcançado. Mas, como mencionaram Giacometti e Bresson, os movimentos acontecem na mesma proporção em que desaparecem, e nunca são iguais, por isso viviam em busca de sua captação, a qual Bresson definiu como o”decisive moment”, o momento decisivo, único, fugaz e precioso se captado. Essa foi sua grandeza, pois foi o fotógrafo que mais o registrou no século XX. Nossos técnicos precisam, com urgência, entender que se uma jogada se repetir, com alto grau de frequência, pode-se afirmar que o sistema defensivo do adversário inexiste pela extrema fraqueza de seus integrantes. Um sistema ofensivo é de alta qualidade, não se der certo seguidamente, e sim se estabelecer situações que desequilibrem, pela imprevisibilidade de suas ações, o esquema defensivo do adversário. A repetição sistemática de jogadas produz situações com alto grau de previsibilidade, e retiram dos jogadores a espontaneidade de suas ações, colocando-os numa situação de meros repetidores de movimentos pré-estabelecidos por seus técnicos.
E se os defensores forem de boa qualidade, rapidamente se anteporão aos movimentos ofensivos, anulando sua eficiência. São nesses momentos que se estabelecem as diferenças entre uma equipe bem treinada de outra não tão bem preparada. Quantos são os técnicos que nos coletivos de preparação para os jogos, os interrompem para orientar sua defesa em função de seu próprio ataque pré-estabelecido? Que sempre orienta seus jogadores na busca do inusitado, e não do conhecido? Que mesmo tendo um sistema fechado de jogo, propugna por rompê-lo sempre que possível, pois essa sempre será a ação desencadeada pelo adversário? Enfim, que reconhece ser a busca, não de um, mas de vários “momentos decisivos”, o fator a ser alcançado com afinco e dissociado do círculo vicioso coreografia-prancheta? Por praticar fotografia por longos anos, e de ter tido em Henri Cartier-Bresson um exemplo a ser seguido é que desde muito cedo procurei entender e praticar o”decisive moment” com algum sucesso, mas que pela compreensão de seu significado, pude levar a meus jogadores um vasto leque de opções que visassem o encontro dos mesmos. “Jogamos com coisas que desaparecem, e
quando elas desaparecem, é impossível fazer com que elas revivam”. Cada jogada constitui um princípio e um fim em si mesma, e são irrepetíveis. Precisamos entender esse mecanismo para nos libertar das jogadas mágicas e das pranchetas milagrosas.
Meus queridos colegas, precisamos encontrar novos caminhos, pois esse que aí está sendo trilhado por vocês não levará a lugar nenhum, perdão, sabemos onde ele vai dar…
Amém.
Foto – Um exemplo de um único e irrepetível momento decisivo, num aniversário de minha filha Andrea com seu padrinho Luis dos Santos.
Clique na mesma para ampliá-la.
Olá, professor.
E nos meus tempos de jogador, um belo dia em um treino coletivo de minha equipe (bastante popular em São Paulo), resolvi antecipar os movimentos de ataque da equipe adversária. Rapidamente fui “punido” pelo técnico com um suicídio e a ordem de não marcar as “jogadas”. O fiz sem retrucar e, ao seu término, perguntei para ele: “E você acha que depois que repetirmos esse movimento umas 3 vezes durante o jogo, a defesa do time adversário vai fazer o que?”. Ele parou, pensou e mandou-me fazer outro suicídio, pois eu não deveria discutir sua autoridade…
Abraços, professor!
Douglas, você já imaginou o que ocorreria se, assim como você, um número elevado de jogadores expusessem fatos semelhantes ao seu? Seria, das duas uma, ou uma revolução na diretiva de equipes, ou uma tsunami de suicidios quadras afora neste injusto país.
Seu testemunho escancara uma realidade que, covardia das covardias, vem desde as divisões da base, eclodindo na elite, num, e aí sim, suicidio coletivo criminoso e irresponsável.
Tarefa para a ENTB? Sem dúvida alguma. Mas o que esperar de uma escola que tem o seu logotipo emoldurado por uma…prancheta?
Apreciei demais seu comentário, não para me dar razão, mas sim, por espelhar uma dura realidade pouco, ou nada, comentada e discutida como deveria sê-la.
Um abraço, Paulo Murilo.
Eu deveria ter chorado, mas ri muito do comentário do Douglas.
Felizmente meus ex-técnicos eram excelentes.
Professor, o senhor não acha o sistema com 3 pivôs muito embolado no garrafão? Mesmo com movimentação constante, isso que percebi.
Só pude ver o seu time infanto (espero assistir o NBB) e percebi que a distância entre os 3 pivôs é menor do que a adequada, facilitando a defesa. Nesse jogo específico a defesa não se adaptou bem, o que deve ser muito comum, haja vista que dificilmente um técnico adapta seu ala (posição 3 no sistema único) pra defender o garrafão com decência. Seu pivô mais alto deitou e rolou por conta da boa movimentação.
De qualquer forma, vejo movimentações muito inteligentes e inovadoras, bem diferente do óbvio sistema único. Certamente foi essa a maior razão de times do NBB não terem ideia de como marcar seu Saldanha da Gama no NBB2.
O sistema do triângulo, por sinal, é parecido nas movimentações de garrafão. Apesar de apresentar falhas no balanço defensivo e na mudança de lado, o espaço é melhor, dificultando as dobras e ajudas.
Um grande abraço e força no blog. Xô pra mesmice do basquete (e blogs) nacional!
Caro Paulo,
basquete bovino esse, não é? Pelo que passou o Douglas passou meu filho. Aos quinze anos, um dia, teve que se conformar em não usar o cérebro que tanto custei a enriquecer. Para quê usar a inteligência se é só para saber a hora de ficar calado? Padronizar-se, amoldurar-se, aquietar-se aos quinze anos! Isso deve destruir a pessoa por dentro. Se não, sempre haverá uma certa revolta, o que vai justificar a sua exclusão do “grupo” com justificativas “louváveis”, ou sem nenhuma justificativa, o que é bom porque, o que diriam, “Você pensa demais”?. Mediocrizar-se é a opção? É para ser. Acredito que se Deus tivesse deixado o ataque do mar às pedras sob o comando de certos tipos de técnicos, e eles estão em todos os níveis, não teríamos as praias para nos deliciarmos hoje em dia. Enfim, choremos quando for a hora, riamos quando tiver graça, com justas vitórias de preferência.
A parte do artigo em que diz “Nossos técnicos precisam, com urgência, entender que se uma jogada se repetir…colocando-os numa situação de meros repetidores de movimentos pré-estabelecidos por seus técnicos” é a essência de qualquer esporte. Portanto não se pode dizer que não há graça num e noutro sim. Não faz sentido usar da preferência pessoal para desqualificar outras atividades esportivas. Cada qual com a sua beleza intrínseca esperando apenas o alhar aguçado do observador imparcial. O Sr., evidentemente, como professor, sabe disso desde sempre, mas muito besta por aí ainda cai nessa. Nenhuma surpresa, no entanto.
Um abraço.
Pois é, Rodolpho. Ria para não chorar… 🙂 Hoje em dia eu também dou risada também, mas acho que nunca senti tanta raiva de alguém na minha vida como naquele momento do segundo suicídio. E não era nenhum dinossauro das quadras não… Era um cara novo.
Com relação a sua dúvida, sobre os 3 pivôs, se eles se movimentarem de forma rápida e constante, assumindo posições que, naturalmente, não sejam as mesmas dos outros dois, usando bloqueios curtos e até mesmo pick’n rolls entre eles, não fica confuso não… Tive a oportunidade de ver o jogo do Saldanha contra o Paulistano ao vivo e a equipe se comportou muito bem com o sistema ofensivo. Creio que o maior problema mesmo seria aplicar esse sistema com pivôs “massudos”. Pela lentidão natural que possam possuir, as movimentações se tornam mais lentas e, como ocupam mais espaço, obviamente ele fica mais reduzido…
Abraços!
Rodolpho, sugiro fortemente que tente acessar os jogos do Saldanha que postei no blog (foram 4), onde suas dúvidas sobre o trabalho dos três pivôs fica bastante detalhado, como o relato do Douglas evidenciou com propriedade. No espaço Buscar Conteúdo, digite Vamo Lá, procure o artigo em questão e acesse os três jogos lá indicados.
Espero que suas dúvidas sejam dirimidas.
Um abraço, Paulo.
Dura realidade prezado André, duríssima. E o mais grave é ser originada nas divisões de base, onde a formação deveria ser entregue a técnicos e professores experientes e muito bem formados, e informados. Infelizmente, ainda penaremos por um longo caminho, até que consigamos elevar os parâmetros formativos do nosso basquete, função de uma inexistente associação de técnicos, e de uma ENTB equivocada e inócua. Mas um dia chegaremos lá.
Um abraço, Paulo Murilo.