O HÁBITO…

O Pedro me liga e dispara – Parece que poderemos esperar coisa boa em Londres. Estou animado, e já reservei hotel e ingressos para assistir…

Que bom que o velho amigo vai a uma Olimpíada, e mais ainda, esperançoso de uma boa participação brasileira. Mas me reservo o direito de ponderar sobre tão otimista previsão, pois ainda muito teremos de melhorar, ou mesmo mudar a forma de jogar, principalmente quanto ao coletivismo pretendido pelo Magnano, dirigindo jogadores que, em alguns casos bem marcantes divergem inconscientemente desse saudável posicionamento do argentino.

Arremessar de três somente na bola que volta do perímetro interno, e mesmo assim se as condições de equilíbrio e espaço forem a favor, é a exigência do técnico, que tenta priorizar o jogo interior, a fim de explorar ao máximo o potencial de seus pivôs no jogo seguro das bolas de curta e média distância, além, é claro, forçar as faltas dos pivôs adversários.

Mas algo destoa dessa tendência, o hábito arraigado desde sempre por parte dos cardeais, agora acrescido do Marcos, todos fissurados nas bolinhas em qualquer situação de espaço mínimo, inclusive em contra ataques. E foi num desses que o Magnano advertiu o Marcelo, mesmo com a conversão do arremesso.

Num jogo desse nível, em que o adversário se mostrou deficiente em todas as suas linhas, tal facilidade de espaços eram argumentos atraentes para a turma da bolinha, esquecendo que a prioridade nesta fase do treinamento deveria ser centrada no tipo de jogo que não professam em seus clubes e em suas participações estelares. E o incansável técnico lembrava isso a todo o momento, energicamente em algumas situações, e nesse ponto, lembro como altamente positiva a proibição de microfones nos pedidos de tempo e nas entrevistas televisivas, principalmente numa fase de estruturação técnica e tática visando à grande competição de julho, e que deixou órfãos os “comentaristas de comparação”, ou seja, que projetam nas falas e interferências dos técnicos suas posições e preferências pessoais, na contra mão do que agora são forçados, pela proibição, a analisar o que vêem, e não o que escutam.

Outro fator ainda tem de ser considerado, a de que o hábito de chutar a qualquer pretexto, adquirido frente à fragilidade de nossas defesas, é o mesmo que tornam nossos jogadores negligentes defensivamente, e aí, prezado Pedro, é que o problema se avulta, pois é de difícil correção, que podemos constatar facilmente na progressão dos quartos do jogo. Iniciamos com toda a energia, mas não mantemos o foco defensivo, exatamente pela ausência de praticá-lo desde as divisões de base, pois o mesmo exige continua e persistente insistência, até se tornar um hábito dos mais positivos.

Hoje, teremos pela frente uma seleção de verdade, muito técnica e aguerrida, quando, ai sim, poderemos avaliar com alguma precisão a quantas andam as influências vindas do sul, da terra onde desde muito cedo, já que na formação de base, jogadores dão ao hábito de defender o mesmo valor do de atacar, ano após ano de sua trajetória rumo a boas e equilibradas seleções, ao contrário dos nossos jogadores, pobremente formados e informados, quando, por força de seu talento, optam por técnicas midiáticas como maravilhosas enterradas (pivô que se preza, ali embaixo, tem de enterrar- recado da maioria dos comentaristas), e arremessos de três de outro mundo…

Com o Delfin pacificado e em boa forma, e os cardeais ainda reticentes quanto às suas facilidades restringidas nas bolinhas, veremos como nos comportaremos coletivamente daqui para diante, torcendo para que algo que restringe todo um projeto modificador do Magnano possa ser atenuado a níveis que comportem sua tentativa mais do que válida, de tornar essa equipe competitiva ao máximo, o hábito, que situa nossos jogadores atuantes no perímetro externo quando atacam, e ausente do mesmo, quando defendem.

Conseguirá mudar esse panorama o bom técnico argentino? Difícil, Pedro, não impossível, na medida em que todos realmente se comprometam, e se envolvam com a retórica de quem já venceu a grande competição, numa outra realidade, num outro comprometimento, o de base, o de formação.

Torço para que consiga, mesmo, sem ressalvas, mas com cautela e esperança.

Amém.

Foto – Divulgação CBB, Clique na mesma para ampliá-la.



2 comentários

  1. Rodolpho 29.06.2012

    Professor, essa é uma equipe nova. Como o senhor sabe – e nos explica neste espaço muitas vezes – equipes novas precisam de tempo para preparação, ainda mais quando a competição objetivada é o supra sumo do esporte mundial, contra equipes no auge e completas.

    Por n motivos a seleção não pôde utilizar todo o talento a disposição (e iremos Londres sem um deles, tão fundamental no pré-olímpico). Mas, quem ficou de fora durante a preparação, entendeu o recado: não tem espaço mais pra herói. Não nesta seleção.

    Ninguém é perfeito. E não cobramos perfeição do Magnano. Mas ele vem fazendo com que um grupo de jogadores individualistas e preguiçosos torne-se um grupo pra competir no mais alto nível, onde seus talentos os colocam. Só o talento não tem espaço mais.

    Muito defeitos ainda contra a Grécia. Mas sabemos em que ponto da preparação estamos agora.

    Leandrinho nem participou, Splitter e Huertas, que chegaram atrasados, estão perdidos ainda. Guilherme na posição 4 não dá, com mais 2 pivôs torna-se um jogador muito útil (espero que Magnano perceba isso logo).

    Enfim, compreendo sua preocupação e, em várias vezes, pessimismo. Esse grupo de jogadores, na era Lula Ferreira, brincou com nossa história no grande jogo, com muita indisciplina e displicência (reflexos do treinador), além da famosa dose de falta de vontade em defender a seleção. Mas é um grupo diferente, não em nomes, mas em postura. Sempre há tempo para mudança de postura. Marcelinho tá ai, com 37 anos e decidindo o jogo pro Brasil hoje a noite, num brilhante quarto período. Pra eu reconhecer isso até dói, pois Marcelinho trucida qualquer vontade de ver meu clube do coração (Flamengo) em quadra. Magnano não é Gonzalo, muito menos Lula Ferreira. A farra felizmente acabou, mas conseguimos ao menos achar o caminho certo, e isso é muito, muito, muito mais importante do que a posição em Londres.

    Basta outros técnicos (principalmente a nova geração) adotarem a mesma postura e enterrarmos de vez a era do mesmismo que impera em terras tupiniquins, no que diz respeito ao ensino do grande jogo, para que a vontade que essa seleção começa a mostrar torne-se um hábito, uma contaminação do bem pro nosso esporte.

    Mesmo que o Pedro não acerte sua previsão de medalha, acredito muito em algo mais importante, que é o esforço em mudar nosso esporte, extirpando o que foi pessimamente ensinado e permitido durante quase 20 anos por aqui.

    Um grande abraço!

    PS: Gostou da dupla armação (Raul e Larry) no quarto período? Eu, que não gosto de armadores em dupla, gostei. Imagino o senhor…

  2. Basquete Brasil 29.06.2012

    Prezado Rodopho, por mais uma vez respondo muitas de suas colocações no artigo de hoje, inclusive reforçando os rogos por uma dupla armação, necessidade óbvia pela pressão que será exercida sobre nosso armador em Londres, e que no caso de uma dupla, atenuaria bastante tal e garantida tendência, além de otimizar o jogo interno através os bons pivôs que possuimos. Veja que aos poucos vamos chegando a um acordo lógico, dada a formação de nossa equipe.
    Um abraço, Paulo Murilo.

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