O QUINTETO…
Foi muito engraçado quando o trovejante narrador iniciou o anúncio dos cinco jogadores que formariam a seleção do Eurobasket, quando apontaria suas posições de 1 a 5, como de praxe, da forma que conhece e divulga desde sempre. Então, vem o primeiro, “da posição 1, também o MVP, Dragic”, e daí para diante se calou, pois o 2 e o 5 não apareceram, e sim mais dois da posição 1, Bogdanovic e Shved, o Doncic da 3, e o Gasol da 4, numa formação de três armadores e dois alas pivôs, que esfumaçou os conceitos posicionais do dito cujo, inclusive sendo acompanhado pelo comentarista que não alinhavou uma linha sequer sobre o quinteto escolhido, claro, numa formação que de forma alguma avalizaria numa equipe dirigida por ele, numa concepção que vem sendo repetida de dois euros para cá, para espanto e incompreensão de muita gente metida a expert no grande jogo…
E qual foi o recado dado? Nenhum, a não ser a confirmação da radical mudança por que passa o basquetebol europeu para o confronto com o americano mais lá na frente, que de sua parte iniciou a reforma com o coach K liquidando o conceito massudo e desproporcional dos cincões, hoje praticamente extintos, inclusive na NBA, todos trocados por jogadores mais atléticos, rápidos e flexíveis, numa mudança radical e eficiente, assim como desenvolvendo um conceito antigo e esquecido, o de setorizar ações fora e dentro do perímetro, com a utilização de dois armadores e três homens altos transitando internamente, possuidores de confiáveis fundamentos, interagindo sequencialmente e de modo continuado, numa movimentação envolvendo a todos, mesmo que jogadas estejam sendo feitas num dos lados, obrigando a vigilância defensiva e evitando ao máximo as eficientes dobras…
Ficam então todos maravilhados com tamanha exibição de alta técnica, de sublimes sistemas táticos, esquecendo porém os caminhos que os europeus percorreram, e ainda percorrerão na busca e conquista da máxima eficiência individual e coletiva, aquela através do incessante e contínuo preparo nos fundamentos, da base a elite, garantia de exequibilidade, exatamente por ser lastreada pelo absoluto domínio dos mesmos, sem os quais se torna inalcançável…
Agora,o mais engraçado, se não fosse algo trágico, é o fato repetitivo, monocórdio, aqui longamente exposto e discutido (?), sobre este assunto, o da dupla armação, dos três pivôs móveis (ou alas pivôs se preferirem) que utilizo, desenvolvo a muitos anos em minhas equipes, inclusive no NBB2 com o Saldanha da Gama em apenas 11 jogos incluídos nos 49 dias de um trabalho, que quer queiram ou não, balançou algumas estruturas do padronizado, formatado e globalizado sistema único, que se mantém intocado, incólume e impenetrável, garantindo a segurança e o mercado corporativo de trabalho de uma turma que dificilmente o largará a novos ares e rumos, garantindo a mesmice endêmica asfixiante e autofágica que nos tem lançado permanentemente para trás, numa cegueira coletiva e imperdoável…
Simplesmente (se é que podemos considerar tão simples assim), o que assistimos neste Eurobasket, principalmente em seu jogo final, foi a certificação do poder dominante dos fundamentos do grande jogo por parte de todos os jogadores intervenientes, armadores, alas e pivôs, jovens ou veteranos, independendo onde se situavam na quadra, driblando, passando, bloqueando, reboteando, arremessando, defendendo, todos dominando seus dois instrumentos de trabalho, o corpo e a bola, ambos oscilando para mais ou para menos em torno de seus centros de gravidade, conscientemente bem treinados e adestrados, tornando por conta de tais conhecimentos, factíveis a todos e quaisquer movimentos táticos, dos mais simples aos mais complexos, atendidos em pleno pelo domínio absoluto dos aqui esquecidos e negligenciados fundamentos do grande jogo…
E a tal ponto chegou o pleno conhecimento técnico individual e coletivo daqueles jogadores, de ambas as equipes, que o MVP da competição, Dragic, que até os momentos decisivos da partida já havia convertido 35 pontos, ter sido levado ao banco por seu técnico, após uma sucessão de três erros motivados pela sua mais absoluta exaustão, nos momentos decisivos do quarto final, numa atitude somente possível pelo altíssimo nível da equipe, onde desculpas finais de que uma cólica o teria afastado, seria irrelevante no momento em que uma falência física o tornava refém de falhas técnicas, como a última antes de ser substituído, quando numa longa penetração tropeçou nas próprias pernas caindo de exaustão. Sua equipe, que já havia perdido o Doncic por torção, demonstrou que era realmente coesa e superiormente preparada, vencendo a competição com maestria e brilhantismo…
Por último, um fator que sugere uma análise mais precisa a médio prazo, os arremessos de 3, onde as duas equipes arremessaram 16/51 (8/26 para os eslovenos e 8/25 para os sérvios), demonstrando tacitamente que o jogo foi vencido “lá dentro”, onde os eslovenos conseguiram concluir 27/32 nos lances livres, contra 13/15 dos sérvios, por conta da grande agressividade de seus homens altos, sempre presentes no perímetro interno, provocando um sem número de faltas pessoais, muito bem aproveitadas por seus jogadores…
Que lições poderíamos compilar deste magnífico Eurobasket, senão a mais enfática de todas, o trabalho de base bem feito e estruturado, conduzido por técnicos e professores da mais alta qualidade, e não escolhidos pelo critério que se estabeleceu política e doentiamente entre nós, o de “premiar” federações próximas, ou não, do centro diretivo, com a formação estratégica de base, campo definitivo para os mais preparados, mais experientes, mais comprovados na tarefa mãe de ensinar correta e didaticamente o grande jogo, que é a chave mestra dos eslovenos, sérvios, russos, espanhóis, argentinos, gregos, alemães, americanos, e todos aqueles que destinam ao ensino seus mais valiosos profissionais, e não amigos e apaniguados pretendentes a currículos recheados…
Quanto às divisões de elite, meus deuses, quais aqueles capazes de transformarem nossos claudicantes craques em bons (bom já seria um consolo) praticantes dos fundamentos, no mínimo que fosse, tornando menos frustrante a exequibilização de um sistema qualquer, um que fosse, ofensivo ou defensivo, que não se situassem reféns de perdas absurdas de bola, de passes, de arremessos, na defesa sempre presente, de bloqueios, simples que fossem, porém suficientes para, no mínimo, incentivar os que se iniciam na prática permanente dos fundamentos, no controle e domínio da bola, de seu corpo, de sua mente, tornando melhores muitos que pensam e se consideram completos, até o dia que enfrentam aqueles que realmente o são, de verdade, e aí, bem, já conhecemos de sobra os resultados…
Amém.
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