FREANDO A CHUTAÇÃO…

Ao lado da cantada e decantada premissa, de que o basquetebol moderno está definitivamente amparado pelo altamente veloz jogo de transição (?), e pelos arremessos de três pontos, revolucionando-o de forma mais definitiva ainda, me permito exercer a saudável e democrática discordância, definindo o atual momento como uma questão modal, como muitas outras que o assaltaram nos seus mais de cem anos de existência…

Como o previsto por aqueles que realmente conhecem o grande jogo, aos quais humildemente me incluo, comentando e divulgando suas nuances evolutivas e involutivas através os 15 anos do blog, além dos muito mais dentro das quadras na formação de base e direção de equipes, o instigante modismo do “chega e chuta”, já começa a sofrer uma ainda tenue, porém efetiva contrapartida defensiva, onde as contestações se tornam cada vez mais presentes nas grandes e pequenas ligas mundo à fora, onde até seus mais recalcitrantes defensores nas diversas mídias, começam a reconhecer, timidamente, outras alternativas de jogar, como por exemplo, o “velho e ultrapassado” jogo interior,  aquele dos 2 pontos, postergado e até negado por muitos, mas agora sutil e disfarçadamente cobrado em seus comentários, frente aos absurdos números negativos ora apresentados pelas equipes em seu todo, nas quais seus jogadores se intitulam “especialistas” nos longos arremessos, aceitos e incentivados por seus maiores admiradores, os técnicos…

Nunca tantos jogos foram perdidos por conta dessa insidiosa falácia, defendida ao extremo pela turma do “aqui e agora”, imediatista, imitadora e vassala de todo e qualquer modismo que os tornem utentes sem maiores esforços “intelectuais”, afinal de contas, criar algo de novo é perda de tempo precioso para quem necessita de “ação”, ainda mais quando lidam com jogadores, digo, peças,  “acabadas e prontas para uso”, sem as inconveniências da formação de base, território para os não elitizados como se julgam ser…

No entanto, erram suas peças fundamentos básicos, numa média de mais de 26 por partida neste NBB, noves fora a imensidão de falhas nos arremessos de três, que se computados para valer, raramente os graus de eficiência ultrapassaria o dígito mínimo aceitável, individual e coletivamente. Lá mesmo na matriz, começam os grandes especialistas a lançarem seus corpos de encontro aos defensores que os contestam, a fim de induzirem as arbitragens às faltas pessoais, num artifício revelador do quanto já estão sendo controlados com relativa eficiência sobre seus longos petardos, ação natural no constante processo evolutivo do grande jogo, no transcurso de toda sua mais do que centenária existência…

Observando atentamente jogos na NBA e campeonatos europeus, vê-se claramente que a efetivação dos longos arremessos, cada vez mais incide nos reais especialistas, com a frenética movimentação de bola até encontrá-los livres e equilibrados, no caso europeu, sob regras da FIBA, enquanto na NBA, cuja forma análoga é acrescida dos embates 1 x 1, facilitados pela regra de flutuações, onde o protagonismo pode optar pelo arremesso ou a penetração, que são marcas, por exemplo de um Curry ou um Harden, entre muitos outros, muito ao contrário do que aqui existe, onde praticamente todos os membros de uma equipe se consideram especialistas, originando a errática enxurrada de arremessos de três, que tem custado derrotas absurdas e evitáveis se fossem conveniente e eficientemente orientados, até ensinados, a estudarem melhor suas opções dentro de uma real e oficial quadra de jogo, e não circunscritos aos limites de absurdas pranchetas, onde a realidade é falseada e vendida como genial e estratégica..

A grande moda chegou ao seu auge, e a curva começa a descer em face de defesas mais bem postadas e treinadas, deixando no ar uma inquietante questão – O futuro do grande jogo se manterá arraigado aos arremessos de três pontos, ou ainda existirá espaço para vencer jogos arremessando de 2 em 2, e 1 em 1, onde o fator precisão é muito mais expressivo?…

Ouso responder que não, com a mais absoluta certeza de quem defendeu uma tese doutoral  ( *), provando, entre outras variáveis, que a precisão de um arremesso é proporcional a maior ou menor distância em que é realizado de forma livre e equilibrada, onde o direcionamento da bola possa ser  controlado com grande eficiência, na proporção inversa a presença de uma contestação próxima e verticalizada, alterando a direcionalidade e sua trajetória…

Em hipótese alguma podemos incutir na formação de base essa distorção, mais do que nunca contraproducente ao desenvolvimento técnico de nossos jovens, ao espelharem-se nos equivocados exemplos da maioria dos jogadores de elite, e seus técnicos, cúmplices de fato, ao permitirem e incentivarem tanta incúria…

Amém.

Fotos – Reproduções da TV. Clique duplamente nas mesmas para ampliá-las.

(*) – Estudo sobre um efetivo controle de direção do arremesso com uma das mãos no basquetebol – Tese de doutoramento defendida na Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa em 1992.

 



2 comentários

  1. André Mattedi 01.05.2019

    Prof. Paulo Murilo,

    Desculpe-me, mas não acompanho a NBB, nem mesmo o Campeonato Brasileiro de Futebol, porque não tenho motivos para acompanhar espetáculos de tão baixo nível, seja lá quais forem os investimentos em propaganda dos seus promotores. Ao contrário, apesar de tudo, a NBA é um espetáculo esportivo de alto nível, assim como a Champions League e a Premier League, no futebol europeu. Pois bem, peço-lhe se possível que comente a ascensão de três jogadores entre os destaques das principais equipes da fase final do torneio norte-americano (aliás, todos três estrangeiros!): Giannis Antetokoumpo, Nicola Jokic e Joel Embiid. Nota-se claramente que esses jogadores, além dos já consagrados Durant e Leonard, compartilham os holofotes junto com Harden, Lillard e Curry, estes os expoentes dos três pontos. Finalmente, quero ponderar que, ao que parece, o brasileiro que teve o melhor crescimento técnico nessa última temporada foi precisamente o jovem Bruno Caboclo, com perfil atlético semelhante ao do grego, que traz consigo o lamentável abandono da seleção durante uma competição. Aliás, sobre esse assunto, nunca houve esclarecimentos devidos sobre os motivos que o levaram a tal ação….

  2. Basquete Brasil 05.05.2019

    Prezado Andrá,fico feliz pelo seu interesse por esse humilde blog, mas como você mesmo deve ter observado ao conectá-lo, não comento sobre a NBA, apesar de conhecê-la desde os anos sessenta quando lá estive estudando, e desde esntão me convencí definitivamente não ser o caminho que trilharia no mundo do basquetebol, por um único fator, ser a NBA um mundo à parte, com regras específicas, inserida num contexto sócio político cultural em tudo e por tudo antítese do basquetebol que praticamos, assim como o restante do mundo, todos sob a égide da FIBA, na qual nos situamos desde sempre. A NBA é um outro mundo, uma outra realidade, com uma formação de base garantida por um oceano de colleges, universidades e escolas secundárias, alimentando-a permanentemente, e com acesso a estrangeiros na medida de seus interesses comerciais vinculados aos países de suas origens, onde muito poucos realmente atingem o estrelato por mérito de seus talentos, muito poucos. Nossa realidade é diametralmente oposta, e é inserido nela que trabalho a mais de sessenta anos, nas quadras, nas escolas, na universidade e aqui no Basquete Brasil, com seus 15 anos de existência, o mais antigo blog do grande jogo ainda ativo e contestador. Desculpe não atender seu pedido de análises, exceto num ponto, Bruno Caboclo, que ao renegar a camisa da seleção numa competição oficial, a meu ver, deveria ser obstado permanentemente de voltar a vestí-la, em honra daqueles muitos que a envergaram com sacrifício e amor, e que jamais a trairam. Um abraço André. Paulo Murilo.

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