2-3 OFENSIVO, UM SISTEMA A SER CONSIDERADO SERIAMENTE…
Peguei o jogo com quase 6 min corridos, o despertador me pregou uma peça, e a primeira informação captada foi do comentarista Marcelo dizendo que até aquele momento a equipe brasileira havia arremessado 0/6 bolas de três, estando atrás 5 pontos, e que havia necessidade de incrementar o jogo interno que manteve a equipe invicta até aquele momento, depoimento esse inusitado vindo de um convicto arremessador nos muitos anos de seleção por ele vivido, e que agora fora das quadras começa a perceber o jogo de outra maneira, o que é muito bom e promissor…
E foi o que permaneceu acontecendo no transcorrer da partida, com a volta da chutação de fora com 8/27, enquanto os checos arriscaram 8/20, com 12 ataques improdutivos contra 19, somente em bolinhas de 3, ou seja, conseguiram contestar os arremessos com mais consistência do que nós, otimizando física e tecnicamente 7 posses de bola, além de nos ferir lá dentro da cozinha com uma elevada 28/44 conclusões, contra 19/40, vencendo a partida mesmo perdendo 5 lances livres contra 2 dos nossos, e até errando 13 fundamentos contra 11, porém dominando os rebotes com 39 captados, contra 28…
No entanto, as diferenças entre erros e acertos nos arremessos, mesmo expondo a crueza dos números, não explica o outro e determinante fator, o técnico tático, senão vejamos – Nos jogos anteriores, nossa dupla armação funcionou no muito bem realizado rodízio entre o Huertas, o Luz e o Benite, com presenças pontuais do Alex e do Leandro, sem que o Yago participasse do mesmo por sua jovem inexperiência, o que radicalmente mudou pela presença de armadores muito altos e técnicos dos checos, não só na contestação dos longos arremessos, como no duro enfrentamento nas fases dribladoras e fintadoras dos mesmos, deixando-os sem muitas opções ao jogo interno com os alas pivôs, o que aparentemente obrigou o técnico tentar algo inusitado, arriscado, porém diferenciado, lançando o Yago, que frente a uma barreira monstruosa de armadores e pivôs descomunais, rápidos e combativos, de saída cometeu um 0/4 nas bolas de 3, no momento em que os checos alargavam o placar, e inclusive se utilizando da arma tática brasileira da marcação zonal, da qual não soubemos sair, sendo inoculada com o mesmo veneno utilizado contra os gregos. E nesse ponto acontecia a maior das diferenças técnicas e táticas dentro da quadra, pois ambas as equipes se utilizavam da dupla armação, e de três homens altos transitando dentro do perímetro interno, a começar pela qualificação biotipológica dos checos, muito mais altos que nossos armadores, e tão rápidos e lépidos quanto os mesmos, porém com uma diferença determinante, possuidores de uma base sólida nos fundamentos e na leitura de jogo, assim como seus altíssimos e velozes alas pivôs, transitando numa média acima dos 2,10m, superando em alguns palmos nossos homens mais altos…
Interessante mesmo foi a constatação de que ambas as equipes, ao contrário das demais nesse Mundial (ainda não tive a oportunidade de ver os americanos), utentes do sistema único e universalizado de jogo, propunham o especialíssimo sistema de dupla armação e uma trinca de alas armadores interiorizados no perímetro, a brasileira através uma recentíssima guinada de seu técnico, a checa através uma longa convivência com a mesma (em breve conto uma boa e instigante história sobre essa opção checa aqui no blog), fator determinante na longa experiência somada a qualificação desde muito jovens nos fundamentos do grande jogo (fui testemunha dessa qualificação quando em 1997 disputei com a equipe infanto juvenil do Barra da Tijuca o torneio da Amadora em Portugal, onde a pré seleção checa da categoria jogou conosco vencendo de 8 pontos, num jogo memorável para a gurizada tupiniquim…). No ano seguinte essa seleção, cuja geração antecedeu a esta que disputa o Mundial, foi vice campeã cadete europeia perdendo para a Itália dirigida pelo Piero Gamba. que por conta desse título dirigiu a seleção do mundo de jovens no Torneio Goodwill contra os americanos no palco das finais da NCAA em San Antonio, e em cuja equipe despontaram o Scola e o Dirk Novinsky, e sabe com que sistema o Gamba venceu os americanos? Isso mesmo, com a dupla armação e três alas pivôs rápidos, atléticos e flexíveis ( penso em veicular ambos os vídeos, o da Amadora e o do Goodwill, aqui no blog, e claro, de co mo o sistema foi parar nas mãos inteligentes do Gamba)…
E nesse ponto sobressai uma questão – Como e porque o sistema ofensivo 2-3 foi desenvolvido prioritariamente na República Checa, tornando-a hoje adversária temível na Europa e agora no Mundial, fugindo radicalmente do sistema único adotado pela maioria esmagadora das demais equipes? Ouso afiançar, que a adoção de tal sistema, (do qual fui o introdutor aqui no país 40 anos atrás), como desencadeador de uma visão mais ampla e criativa do grande jogo, foi adotado pelo inconteste fato de que iguala o ensino e a aprendizagem dos fundamentos individuais e coletivos por todas as faixas etárias, por todas as posições em quadra, onde baixos e altos, franzinos e corpulentos tem a oportunidade de se exercitar por igual, nivelando habilidades, lendo melhor as situações de jogo, cooperando coletivamente e acima de tudo, raciocinando em função do outro, e não em causa própria, que é o que vemos e constatamos no mundo do basquetebol moderno, visto hoje, e mais do que nunca, como um business a ser alcançado ao preço que for…
Perdemos um jogo decisivo exatamente por termos, corretamente concordo, executado um sistema de jogo promissor em toda sua extensão pedagógica visando um futuro de amplas oportunidades, frente a uma equipe que o adotou duas décadas atrás, e que hoje colhe os bons frutos de sua ousada e corajosa escolha. ìnsisto ser de enorme importância mantermos o mesmo frente aos americanos logo mais decidindo a classificação às quartas de finais, isto porque, desde o advento do Coach K que eles mesmos, donos absolutos do sistema único, subverteram a ordem estabelecida e se bandearam para o atleticismo e velocidade de seus alas pivôs, abandonando as massas estratosféricas de seus pivosões, assim como, adotaram a artilharia de três a partir das universidades, mas que hoje, frente a retomada defensiva, contestando cada vez mais aquela tendência, retornam ao jogo interior, porém todos afeitos e acostumados às regras da NBA, encontrando sérias dificuldades sob às da FIBA, principalmente na defesa interior do garrafão, aspecto que podemos explorar com algum sucesso pelos bons pivôs e alas pivôs que temos, e pena, muita pena mesmo que outros mais bem dotados para essa briga não tenham sido convocados, ainda mais quando um Augusto sequer entra em quadra…
Temos que atuar com nossos melhores armadores no maior tempo de quadra possível, revezando-os ao mínimo, pois com a possibilidade de classificação, cansaço nenhum será justificativa em se tratando de profissionais tarimbados e experientes, o mesmo para os alas pivôs, todos juntos para o “bola ou búrica” de suas vidas…
No caso de uma vitória da Grécia sobre a República Checa, mais ainda terá de ser o esforço para o enfrentamento com os americanos, quando a vitória simples nos classificará. Vencendo os checos, difícil mas não impossível chegarmos lá. Torçamos então e quem sabe…
Amém.
Fotos – Reproduções da TV.
Caríssimo Prof. Paulo, há tempos acompanho seu blog e suas análises. Seu ponto de vista nunca foi tão atual e aplicável como agora,espero que seja absorvido por nosso basquete, com a máxima urgência, ou serão mais 30 anos de frustração.
Nosso técnico atual tem mostrado que a seleção brasileira pode atuar de maneira sólida e consciente em quadra. Temos material humano pra isso, nos falta método.
Parabéns pela coragem e competência!
Deus te abençoe!
Obrigado prezado Marcelo, mesmo aos 80 espero ainda contribuir com o grande jogo em nosso imenso, desigual e injusto país, por tudo isso continuo aqui nessa humilde trincheira batalhando por dias melhores e vencedores. Um abraço.
Paulo Murilo.
Treinador…vi um time muito fraco na defesa..desatento, até de salto alto em alguns momentos..para um jogo decisivo como esse?..inadimissível a postura do time..preguiçoso no ataque, sem paciência para achar a melhor jogada…era uma partida para ser encarada com muito mais seriedade por esta seleção, por tudo o que estava envolvido ..concordo com suas colocações…foi uma diferença técnico-tática grande o que refletiu no placar do jogo…porém vi uma equipe acima de tudo muito complacente em quadra..inaceitável…grande abraço coach.
Professor Paulo,
O JP não teria vaga nesse time?
E como você escreveu sobre o Augusto, para que levar jogadores se pouco vai utiliza-los, no caso Augusto, Didi e o Yago, é para dar experiência? Mas se você não se classifica para nada…nada vai jogar.
Grande abraço.
Claudio Leoni
Prezado João, como vemos, nossos estrategistas teimam em remar contra a correnteza, arraigados e abraçados uns aos outros como náufragos numa tempestade sem fim, graças ao seu imobilismo e negação ao novo, ao instigante, ao diferenciado, como uma confraria, num corporativismo mafioso. E ai daqueles que os contrariarem, sendo expurgados sem comiseração. Porém, podem enterrar a verdade, matá-la nunca, que ressurgirá um dia, se os deuses da razão e da verdade determinarem. Sigamos na luta, em busca de dias melhores. Um abraço.
Paulo Murilo.
Sem dúvida alguma, prezado Claudio, e como fez falta na rotação da seleção. Como sempre defendi, seleção tem de ser composta pelos melhores no momento da convocação, Aí está o Scola, aos 39 anos confirmando essa tese. No entanto, a influência de interesses corporativos, políticos e agenciais tem um peso enorme na constituição das seleções brasileiras, se constituindo vitrine para todos eles. Um dia talvez, o mérito se imporá ao Q.I. institucionalizado nesse enorme, carente e injusto país. Um abraço.
Paulo Murilo.