NÁUFRAGOS DA QUARENTENA…
Renato foi meu professor de basquetebol no curso de Técnica da EEFD/UFRJ, cursado logo após a Licenciatura em Ed. Física na mesma escola em 1962. Sim minha gente, tínhamos cursos de técnicas desportivas em nível de especialização em nossas escolas de educação física, hoje inexistentes, e o Renato, professor titular do Departamento de Metodologia do Ensino da EEFD, também dava seu contributo na área das práticas desportivas com competência e dedicação, ainda mais no seu amado basquetebol.
Ao término do curso, ele me convidou para ocupar o cargo de Auxiliar de Ensino na cadeira de basquetebol da EEFD. convite que declinei por me considerar ainda muito imaturo para o ensino superior, e que preferia cair no mundo do ensino escolar e clubístico a fim de ganhar experiência técnica e didático pedagógica antes de assumir uma carreira universitária. E assim foi feito, Um pouco mais adiante, em 1965, tive de enfrentá-lo em um Fla x Flu da primeira divisão, quando substitui o Togo Renan que havia sido suspenso por três jogos, numa partida eletrizante em Álvaro Chaves, contra uma equipe líder e azeitada dirigida por ele, e que ao final vencemos de forma impactante. Nesse mesmo ano, lá estava o Renato na banca examinadora que selecionaria cinco técnicos para um estágio em universidades americanas, num projeto da CBB com o Departamento de Estado Americano, compondo uma equipe examinadora que ainda contava com os professores Waldemar Areno, Cassio Amaral e, Alfredo Colombo, time da mais alta categoria. Me classifiquei em segundo lugar e fui para os Estados Unidos.
Na volta, fui indicado para dirigir a seleção carioca feminina para o brasileiro em Recife, onde nos sagramos tri campeões. Fui para Brasília, dando continuidade a minha formação prática, onde pude aprofundar conhecimentos no basquetebol, retornando em 1970, quando aí sim, me tornei Auxiliar de Ensino na EEFD, numa indicação assinada pelos professores Waldemar Areno, Armando Peregrino e Renato Brito Cunha, mas não na cadeira de basquetebol, e sim na Didática e a Prática de Ensino.
Com a saída da EEFD do CFCH, transferindo-se para o CCS no Fundão (a EEFD funcionava na Praia Vermelha), um único departamento se negou a anexação e transferência, o de Metodologia do Ensino, mantendo-se na Faculdade de Educação do CFCH, com seus cinco Doutores, inclusive o Renato, e os jovens Auxiliares de Ensino, entre os quais me incluía, assim como o Alfredo Gomes de Faria e o Paulo Matta. No ano seguinte, o Renato foi indicado pela CBB para dirigir a seleção brasileira feminina no Mundial de São Paulo, ele que já havia dirigido e vencido o Pan Americano de Winnipeg, e onde alcançou a terceira e brilhante colocação, e quando tive a oportunidade de produzir filmes e vídeos técnicos de jogos em Brasília, Niterói e São Paulo, que foram utilizados pelo Renato como estudos técnicos e táticos para a seleção, pioneiros que fomos na aplicação dessas tecnologias no esporte, e que mais adiante se materializaram num filme sobre aquele mundial. Em 1976, com o Renato compondo uma banca de concurso, me qualifiquei como professor assistente do Departamento de Didática, sendo o primeiro a ser entronizado por concurso na Faculdade de Educação da UFRJ, vindo da área de Educação Física. Neste mesmo ano, me candidatei ao primeiro mestrado em educação física do país na USP, com 110 candidatos para 10 vagas, num concurso duríssimo, onde uma das etapas era a apresentação de uma carta de indicação formulada e assinada por professores altamente qualificados, e um dos signatários foi o Renato, mais uma vez apoiando meu trabalho.
Em 1986 fui para a Europa desenvolver o doutorado, e na volta já o encontrei presidente da CBB, onde ficou até 1997. Nesse ínterim, trabalhamos juntos naquele que foi o último curso de técnica de basquetebol na UERJ em 1985, além da continuidade do trabalho na UFRJ, tendo-o como Chefe de Departamento. Paralelamente, o Renato dotou a CBB de uma excelente sede própria, e uma administração equilibrada enxuta e acima de tudo honesta e transparente. Porém, em 1992. ao regressar do doutoramento na Europa, fui até aquela magnífica sede entregar um exemplar da tese doutoral, que versava sobre basquetebol, ao professor que tanto me inspirou na carreira, e foi a única vez em que me indispus com ele, num momento de grande tensão, após discutir asperamente pelo telefone com dirigentes paulistas, que presenciei em seu gabinete, resolve confrontá-los entregando a seleção feminina para o Mundial na Austrália a um jovem técnico carioca. Imediatamente saí em defesa dos 20 anos de trabalho duro da turma paulista para formar aquela geração de grandes jogadoras, e que no momento mais decisivo seria privada de auferir o belo trabalho, sendo irredutível aos meus argumentos. Sai da CBB e nunca mais lá regressei. No entanto, com o sucesso da seleção e da opção técnica, sua decisão foi relevada, porém nunca digerida pelos paulistas, pois uma conquista mundial justificaria um ato intempestivo, uma desavença, menos para eles, e também um pouco por mim, em nome de um ponto de vista de trabalho que sempre defendi, mesmo sendo carioca. Renato prosseguiu seu trabalho inovador, até que foi derrotado na eleição de 1997, inclusive com o voto paulista, se retirando do basquetebol, dando seguimento a sua vida acadêmica.
Me aposentei no ano seguinte e perdi seu contato, quebrado em 2012 quando, por telefone, o convidei para o encontro com a minha turma que faria 50 anos de formada, sendo ele um dos poucos professores ainda em atividade. O encontro, por motivos vários não aconteceu, e ontem tive a notícia do seu falecimento aos 94 anos. Fiquei triste, muito triste, pois sempre o admirei e respeitei, como professor, técnico e administrador de alta capacidade, apesar de algumas contraditórias discussões técnicas e acadêmicas, que muito pouco deslustrou nossa mútua admiração e respeito pessoal e profissional.
Renato Miguel Gaia de Brito Cunha foi uma das pessoas mais importantes para o basquetebol brasileiro, assim como para a educação física e os desportos, e que segundo o relato de seu Diretor Técnico na época, Prof Raimundo Nonato- Talvez tenha sido o único presidente da CBB que gostava de basquete, pensando na evolução do esporte – deixando um grande exemplo de integridade e competência profissional. Obrigado professor, por sua longa, profícua e exemplar vida.
Amém.
Foto – Divulgação CBB.