A SUTIL E ETÉREA LANTERNA…
A seleção estreou sua renovada equipe, e de uma forma esperançosa para o nosso combalido basquetebol. Foram dois jogos amistosos, bem sei, contra uma voluntariosa Polônia, mas suficiente para constatarmos bem vindas novidades, a começar com um eficiente e mais bem vindo ainda sistema com permanente dupla armação (só mudou para um armador quando os poloneses na metade do terceiro quarto mudaram para defesa por zona, o que considero um erro, que discutirei mais adiante) , e uma, ainda que incipiente movimentação contínua de dois altos e rápidos alas, auxiliados por um pivô também em constante movimento, mantendo seus defensores ativos dentro do perímetro, fator fundamental na criação de espaços numa zona restrita, tida erroneamente como imprópria para passes precisos e eficientes, originando um jogo interior com arremessos curtos e médios, com eficiência ainda claudicante (corrigir e treinar arremessos fazem parte do processo, afinal a seleção conta com três assistentes…), porém bem superior aos longos, com mais imprecisas conclusões. Os números não mentem, senão vejamos no primeiro jogo:
De pronto, torna-se realmente alvissareiro não testemunharmos mais uma convergência, presente na quase totalidade dos jogos no NBB, entre os arremessos de dois e três pontos, espelhando uma tendência levada para a seleção por jogadores convictos de que são especialistas nessa difícil e seletiva arte de arremessar, cedendo tal comportamento a uma forma de atuar mais coerente com os princípios de precisão que separam os curtos e médios arremessos dos longos, que deveriam ser complementares, e não prioritários, otimizando os ataques, numa economia de esforço físico pela maior conversão das tentativas, concentrando esforços dentro da defesa adversária…
Observem a tabela estatística, e analisem os percentuais muito baixos para ambas as equipes, onde a equivalência nas perdas e aproveitamentos nos dois e três pontos se assemelham, claramente explicados pelas fortes e bem posicionadas defesas, principalmente na contestação das tentativas de três pontos, que no caso do segundo jogo falhou tremendamente de nossa parte, dando aos poloneses a possibilidade de converterem mais bolas de três do que os nossos…
Em se tratando de jogos preparatórios, algumas considerações ofensivas e defensivas devem ser anotadas, ainda mais quando cortes devem ser feitos para o pré olímpico (me preocupa os critérios para efetuá-los…). Ofensivamente, dois pontos a analisar, e o primeiro, sem dúvida alguma, se refere a forma de atuar dos homens altos dentro do perímetro, sob uma dupla armação, que me parece, adotada de forma definitiva, o que prenuncia bons sistemas de jogo interior para a seleção, antepondo-se ao processo orgiástico das bolas de três, implantado genericamente por nossas franquias do NBB (bastante atenuado nesses dois jogos), espelhando-o na formação de base por todo o país, com os resultados que todos nós bem conhecemos…
No entanto, essa abertura para sistemas interiores, implica numa mudança conceitual na forma de nossos homens atuarem, substituindo o imobilismo posicional ofensivo da grande maioria deles ao ocuparem espaços que os habilitam aos arremessos de três, imobilismo esse mantido, mesmo perante a luta solitária de um pivô contra uma defesa inteira, em vez de ações originadas pela movimentação ininterrupta dos mesmos, com trocas constantes, bloqueios sucessivos e corta luzes pontuais, promovendo a sucedânea movimentação defensiva, originando os espaços necessários aos passes, dribles, fintas, e arremessos mais precisos, numa zona conceituada como improvável a jogadas ofensivas velozes e eficientes, tornando-os factíveis, tanto contra defesa individual, como por zona, já que atuando no âmago defensivo, anulando os bloqueios zonais e coberturas ocasionais, tão temidos por atacantes privados, ou contidos, de uma movimentação permanente…
Defensivamente, o nosso já histórico calcanhar de Aquiles, pois referendamos nossos melhores jogadores sob o prisma ofensivo, feérico e exibicionista (a mídia idolatra enterradas, tocos e bolinhas), deixando de lado as habilidades defensivas, e não à toa, somente dois jogadores foram apontados como defensores do ano, nas doze versões do NBB, numa prova contundente que defender não se constitui num fundamento bem ensinado e treinado desde as divisões de base, e o resultado dessa omissão se revela nas seleções, como a atual, onde vemos alguns jogadores simplesmente nulos ante investidas de atacantes, de posse, ou não da bola, Agora podemos aquilatar o porquê do não aproveitamento do Caboclo na NBA. pois defende de pé confiando em sua envergadura escapular, tornando-se impotente ante qualquer investida frontal a cesta que defende. Talvez sua impulsão nos rebotes o habilitem na atual seleção, fator único, porém incompleto, pois pouco produz ofensivamente nesse nível, ao contrário do Mendl, que se destaca à frente e atrás, somando demais para a equipe…
De certa forma, conseguimos nessas duas partidas, definir a dupla armação como ponto de partida ofensiva, pois habilitou sobremaneira o jogo interior, com passes incisivos e penetrações diversivas, elevando tecnicamente a produção dos homens altos, que os temos ágeis, rápidos e atléticos, preenchendo o garrafão com dois ou três atacantes, prontos aos tão importantes e estratégicos rebotes ofensivos, e não espaçados fora do perímetro, vicio modal do momento, e sim fundamentais na retomada ofensiva, executando passes de volta, para aí sim, na posse de especialistas de verdade (Benite, Lucas, Meidl , Yago) termos arremessos de fora, conscientes e eficientes…
Assim como elevamos o poder defensivo pressionado pelos dois armadores, e antecipativo em flutuação lateralizada dos homens altos, aqueles que defendem com o trabalho de pernas, e não somente com os braços. Falta-nos a coragem de marcação do pivô frontalmente, de forma plena e sem receios de passes em cobertura, já que a flutuação lateralizada os cobrem automaticamente. Se iniciarmos essas mudanças na seleção, fatalmente refletirá nas divisões de base, ainda mais se fosse restringido defesas por zona até as categorias abaixo dos 14/15 anos, criando nas mesmas bons e permanentes hábitos defensivos.,,
Um outro fator a ser seriamente observado, ainda mais num torneio de tiro curto, como esse pré olímpico, é a severa observância da constituição definitiva da seleção, com os mais capacitados física e tecnicamente nesse momento de decisão, onde “nomes” e “preferências” devem dar lugar ao mérito competitivo, sob todos os aspectos que capacitam jogadores a uma seleção nacional, sem exceções…
Outro ponto que compromete bastante a constituição de uma comissão é o seu “inchaço”, com três (!!!) assistentes técnicos, fora os ocasionais (vide foto, emulada nas duas partidas), pulverizando um comando que deveria ser único, indivisível, ainda mais quando se trata de um profissional estrangeiro muitíssimo bem pago. Um assistente seria mais do que suficiente, assim como um bom enxugamento de um batalhão superior em número ao de jogadores (creio que ainda falta o psicólogo…), num desperdício de numerário, tão escasso em tempos bicudos pelo que passamos…
Finalmente, os comentários de um ex jogador, agora comentarista televisivo, justificando os pedidos de dispensa de jogadores nominados, por diversos motivos comerciais e econômicos, orientados por agentes e empresários, que jamais deveriam proceder, pois se lá se encontram devem sua formação e origem ao país que agora se negam a servir, o que não configura anti patriotismo, e sim uma pura e simples preferência a interesses pessoais, assim como a repetida permissividade brindando jogadores que se negaram a jogar pela seleção em plena competição internacional, voltando à mesma como se nada tivesse acontecido, desonrando e aviltando uma camisa que deveria ser o objetivo de todo jovem praticante, e não uma vitrine para interesses não muito patrióticos…
Espero contritamente que o técnico Petrovic consiga convencer a equipe em sua proposta profundamente modificadora em nossa forma de atuar e pensar o grande, grandíssimo jogo, empunhando uma sutil e etérea lanterna na busca de um novo tempo, no que seria um enorme e exemplar passo às novas gerações para uma forma diferenciada de jogar, oportunizando nosso basquetebol à volta convincente ao cenário internacional, de onde nunca deveria ter saído, mas isso é uma outra história, largamente comentada nesse humilde blog nos últimos 16 anos de sofrida existência…
Amém.
Fotos – Reproduções da TV. Clique nas mesmas para ampliá-las.
Professor Murilo, muito obrigado pelos seus comentários instrutivos. Observo que os percentuais desses dois jogos preparativos da seleção guardam uma proporção entre FG e 3PG muito semelhantes àquelas que observo na NBA e na Liga espanhola, entre 30 e 50%, nunca mais do que isso. Outra coisa importante, professor, tenho notado a prevalência do jogo coletivo alicerçado na defesa forte e eficiente. Mais do que – ou tanto quanto – as bolas de três, os pontos no garrafão e domínio dos rebotes tem sido decisivos.