IT’S FUNNY, VERY FUNNY…
Final de jogo, segundos finais, três tentativas de três num único ataque após dois furiosos rebotes ofensivos americanos, e a bola não caiu, mesmo arremessada inicialmente por um Durant livre de marcação, num jogo em que a França converteu 21/35 nos 2 pontos (60%), os americanos 15/37 (40,5%), e nos 3 pontos 8/27 (29,6%) e 10/32 (31.2%) respectivamente, e não foram os lances livres, 17/24 para os franceses e 16/21 para os americanos, responsáveis pela derrota, e sim a superioridade francesa no jogo interno, pois os 6 pontos a mais nos três dos americanos, não superaram os 12 de 2 vencedores dos franceses, num jogo com 26 erros de fundamentos (14/12), e duas constatações decisivas em todo o transcorrer da partida, a enorme dificuldade americana em se adaptar ao “modo FIBA” de interpretar as regras do grande jogo, contrapondo a liberalidade de uma NBA na conceituação do que seja defender fisicamente, e não à toa o Durant rapidamente se pendurou em faltas pessoais, ficando de fora nos momentos mais importantes da partida…
Aos poucos o mundo basquetebolista vai se inteirando do correto entendimento da dicotomia existente entre esses dois diferentes mundos, afastados por regras diferenciadas, e visões do que venha a ser um “jogo coletivo”, de outro radicalmente voltado ao 1 x1, individualizado ao máximo, e sempre em busca da notoriedade econômica e midiática, e o próprio comentarista e ex jogador Marcelo, hoje comentarista televisivo, já admite essa vital diferença, ele mesmo advindo da era asfixiante e convergente das bolas de três pontos sobre as de dois pontos, fator que tanto nos prejudicou nos últimos vinte anos, alimentado por uma percepção defensiva bastante relevada e omissa entre nós, e responsável direta pela facilitação da “era das bolinhas”, que se superada, nos encherá de esperanças em dias melhores para o grande jogo no país…
Os americanos, e seu magnífico condutor Popovich, aos poucos se inteiram do aviso do Coach K sobre a real existência do bom basquetebol extramuro do colosso nortista, que já consegue vencê-lo nas grandes competições, confirmado com extremo brilho pela turma francesa nesta olimpíada. Podem, por que não, vencer a competição, mas as grandes diferenças e espaços se estreitam a cada ano, onde a tendência ao jogo realmente coletivo insiste em manter o verdadeiro espírito do jogo, em contrafação ao deliberado e comercial individualismo preconizado por uma NBA globalizada, antítese de uma FIBA defensora (ainda…) do basquetebol original e clássico…
Temos pela frente dois caminhos, se quisermos manter o grande jogo factível entre nós, ou não, modificarmos profundamente nossa claudicante forma de encarar a formação de base, com profundas mudanças no como e para que ensinar com conhecimentos, estudos e pesquisas, em vez de carreirismos e preenchimentos de currículos às custas de jovens jogadores que ao chegarem no torneio maior do país, a LDB, que numa análise dos primeiros 15 jogos da competição alcançaram os seguintes e perturbadores números: -Arremessos de 2 pontos – 543/1174 (46,2%)
– Arremessos de 3 pontos – 184/752 (24,4%)
– Lances Livres – 303/536 (56,5%)
Ou seja, a grande maioria de nossos jovens da LDB, lá chegam sem saber arremessar com índices razoáveis, muito menos nos arremessos de 3, suas mais notórias preferências ( muito abaixo dos 50% tidos como referência ideal), sem mencionar os lances livres, que exigem 90% na eficiência…
Porém, o mais impactante são os erros de fundamentos, 584, média de 38,9 por jogo, número significativamente maior à média de 28,6 erros do último LDB. São números impressionantes, onde tivemos 5 jogos com mais de 40 erros (dois deles com 49 e mais dois com 47), 8 entre 30 e 40 erros, e 2 com menos de 30, e nenhum, absolutamente nenhum com menos de 20 erros, numa divisão em que 14 ou menos, seriam números aceitáveis…
Mas Paulo, no jogo analisado acima, franceses e americanos cometeram 26 (14/12) erros, como explicar? Bem, foi um jogo de defesas fortíssimas, impactantes, antecipativas, muito, muito ao contrário do que ocorre sistematicamente no âmbito do nosso basquetebol, onde a defesa passou a ser um elemento retórico, e de tal forma que, nos doze NBB’S disputados, um veterano jogador foi considerado o defensor do ano por 8 vezes, o Alex…
Somemos a essa realidade, o fato de ser permitida a participação na LDB de jogadores já pertencentes às equipes do NBB, numa comprovação inconteste e indiscutível da falência repetida e perpetuada da nossa formação de base, equivocada, mal direcionada, pessimamente orientada e ensinada, e o pior e mais angustiante, contínua e perpetuada por um corporativismo insano, injusto e cruel, neste imenso, desigual e mais injusto ainda país, e que a cada ciclo olímpico não arrefece sua insidiosa influência. Rezo contritamente aos deuses que se apiedem dos nossos jovens, que merecem um destino melhor do que serem errônea e inreresseiramente draftados a uma NBA que não está nem aí para eles, e sim para um mercado de 200 milhões de habitantes para seus patrocinados produtos, it’s funny, very, very funny…
Amém.
Fotos – Reproduções da TV. Clique nas mesmas para ampliá-las.
Professor Murilo, acabo de ler as estatísticas do jogo entre Espanha e Argentina em Tóquio. Espanha: 20/31, 10/26 e 11/15; Argentina: 16/31, 10/30 e 9/14. Os dois times convergiram quase que identicamente, mas a Argentina teve pior aproveitamento nas bolas de 2 (52% contra 65% da Espanha) e nos lances livres (64% contra 73%). Não assisti ao jogo, nem consegui ver os melhores lances, mas parece que os jogadores cometeram muitos erros, para um desempenho tão baixo, não é mesmo?
Como você André, não assisti ao jogo, pois o basquetebol deixou de ser priorizado para a tv com a não classificação para a olimpíada. Vendo os números, concordo com sua observação sobre os erros cometidos por ambas as equipes, que cometeram 20/24 erros de fundamentos, numero elevado para equipes de elite, com os 4 erros a mais dos argentinos, e os 4 arremessos de 2 pontos a mais dos espanhóis (20/31 e 16/31), determinaram a vitória dos mesmos. Infelizmente, tanto espanhóis, como argentinos exorbitaram nas bolas de três (10/26 e 10/30), sem que nenhuma das duas equipes tentasse substituir muita das tentativas falhadas por arremessos de 2, fator que poderia determinar um resultado diferenciado. Quem sabe um dia aprendam.
Paulo Murilo.