ABSOLUTAMENTE NADA…

O Prof. Sergio Machado, o grande Sergio Macarrão, medalhista olímpico em Tóquio, autor e editor do blog Kick da Bola, veiculou esse artigo em 21/5/2012, quando divulgou uma troca de mensagens entre mim e o Heleno Lima, onde comentamos as contundentes derrotas de nossos jovens sub 15 para argentinos e uruguaios, num final de ciclo olímpico para Londres, e o início de outro para a Rio 2016. 

De lá para os dias de hoje, após o ciclo Toquio 2021 resta uma pergunta – O que mudou em nossa formação de base ? Resposta? NADA…

* Colando do Professor Paulo Murilo

       Ressonância Magnética do Basquete Brasileiro

       Já citei aqui no blog, mais de uma vez, o Paulo Murilo, um dos ‘craques’ que formou a geração mais vitoriosa da história do basquete do Rio de Janeiro. Foi um tempo, onde a formação era espaço para professores. Quem ensinava sabia o que estava fazendo, onde queria chegar e como. Éramos todos meninos, Paulinho um pouco mais velho, mas já era técnico. Já era um dos ‘craques’. Epaminondas, Gleck, Barone, Paulo Murilo, Geraldo Conceição, Tude Sobrinho, Afro, Olímpio, Passarinho, entre outros, cada um em seu clube, formaram a geração que em 6 anos venceu 5 brasileiros de juvenis. (Assim como hoje, São Paulo dominava, e para surpresa do Brasil, o Rio acumulou essa série de títulos.) Heleno, também foi técnico de ponta no Rio, um pouco depois desses dias. Meu colega na faculdade, e profundo conhecedor de basquete.

      Recebi uma troca de e-mails entre os dois onde se comentava a recente derrota do Brasil para a Argentina no Sul-americano Sub-15 por mais de 40 pontos. Paulo Murilo fez um “triple double”, e por ele autorizado, publico aqui. Todas as loucuras que acredito, ditas dessa forma, nem parecem ser tão loucas assim. Parabéns Paulinho, obrigado. Como te disse, me senti muito melhor quando te li.

———- Mensagem encaminhada ———-

De: heleno lima <helenolima@hotmail.com>

Data: 19 de maio de 2012 13:57

Assunto: RE: BASQUETE ARGENTINO DA UM SACODE NA SELEÇÃO BRASILEIRA SUB-15 MASCULINA

Para: clippingdobasquete02@gmail.com

       Trabalhei muito nestas categorias. A diferença de um ou dois anos é muito grande. Diferenças desaparecem com o tempo à medida que ficam mais velhos. Nós levamos uma equipe com quatro jogadores de 15 anos, sete jogadores de 14 anos e um de 13 anos.

    Podem ter certeza isto explica tudo. Se foi estratégia foi errada. Não é possível que tenhamos somente quatro jogadores de 15 anos em condições de defender nossa seleção da categoria. Tem que haver uma explicação coerente a respeito disto. Levar uma diferença dos portenhos (Uruguai e Argentina) de 64 pontos não tem cabimento. Existe algo errado nisso. Gostaria de ouvir o Prof. Paulo Murilo que entende disso mais do que eu.  

       Prof. Heleno Lima

      O Clipping do Basquete do Alcir Magalhães veiculou a matéria acima, que culmina com o pedido do técnico Heleno Lima para ouvir minha opinião a respeito. Trabalhamos juntos no vencedor projeto do Olaria AC nos anos oitenta, com praticamente todas as categorias, do infantil à primeira divisão, com muita seriedade e competência, num tempo em que a formação de base, não só no Rio, como em muitos estados brasileiros, fluía e se desenvolvia, abastecendo as divisões superiores com jogadores bem treinados nos fundamentos e nos sistemas de jogo, com ótimos técnicos e professores, até o momento em que a modalidade se viu afastada dos clubes pela falta de incentivos e investimentos, até alcançar o estado de penúria em que se encontra.

    Some-se a esta realidade, outra mais perversa ainda, a decadência do ensino do basquete nas escolas superiores de educação física, que deixaram de oferecer três semestres da modalidade, assim como em outras, como o vôlei, o handebol, o futebol, a natação, o atletismo, passando-as a um mínimo insignificante, substituído-as por disciplinas voltadas às áreas médicas, como as fisiológicas, biomecânicas, psicológicas, etc., que passaram a ocupar as grades horárias prioritariamente, numa formação voltada à saúde, como resultado das anexações das escolas aos centros de ciências da saúde, em vez dos centros de formação de professores, onde estavam historicamente situadas. A realidade é que hoje a maioria destas escolas formam paramédicos de terceira categoria, fornecendo pessoal a academias e consultórios, como força de trabalho explorada pelas holdings do culto ao corpo que se espalham velozmente por todo o país, e com uma agravante a mais, com uma formação mais voltada aos cursos de bacharelato do que os de licenciatura, numa inversão absoluta de valores voltados ao processo educacional do país, com o abandono das escolas para a educação física e os desportos.

    Claro que a formação de base se ressente profundamente dessa formação nas universidades, refletindo tal despreparo didático pedagógico nas formações de base de todas as modalidades, que não encontram na maioria dos clubes os subsídios mínimos para suprirem tão vasta deficiência de ensino.

    Por conta de tal situação, ex-jogadores e até leigos são transformados em técnicos formadores, deficientes em tudo o que se refere ao processo educacional de jovens, mas sempre prontos ao sucesso rápido que os catapultem às divisões superiores e melhores salários, situações estas que os poucos convenientemente bem formados não conseguem equiparar, não só por serem minoria, como, e principalmente, por se tornarem onerosos por suas qualificações legais. Por conta dessa distorção, a maior parte dos jovens iniciantes ficam pelo caminho, e aqueles poucos que conseguem prosseguir o fazem eivados de defeitos e limitações, basicamente no instrumental mais precioso para a prática e o domínio do grande jogo, seus fundamentos.

     Outro e incisivo fator define tal situação com grande precisão, a padronização formatada de cima para baixo no preparo daqueles poucos egressos de uma formação altamente deficiente, por parte de federações alinhadas com uma confederação mentora de um único sistema de jogo, cuja maciça divulgação se faz através de clínicas e de cursos patrocinados por uma ENTB totalmente voltada ao mesmo, onde o planejamento, a aprendizagem e fixação do sistema suplanta em muito o ensino, que deveria ser maciço, dos fundamentos,  no que deveria ser o objetivo central a ser alcançado, pois nivelaria todos os jovens jogadores, independendo de funções, estaturas e posições, no pleno conhecimento das técnicas individuais e coletivas que os tornariam aptos aos sistemas de jogo que mais adiante conheceriam e treinariam, sempre respeitando suas individualidades e amadurecimento físico e emocional, variantes que oscilam de individuo para individuo.

     Por tudo isso caro Heleno, é que sempre me insurgi contra esta situação altamente irresponsável, e muitas vezes criminosa, por parte daqueles que ousam querer implantar formatações e padronizações em crianças e adolescentes, da forma mais absurda e, torno a afirmar, irresponsável possível.

    Os 64 pontos acumulados por nuestros hermanos, refletem essa catástrofe, com a mais séria das consequências, por se tratar do futuro do grande jogo, da categoria competitiva inicial, e que não merece ser tratada de forma tão abjeta. Se mudanças têm de ser feitas, é por aí que deverão começar, pela entrega da formação a pessoas qualificadas, altamente qualificadas, as mais qualificadas que possamos recrutar, de uma comunidade que pertencemos, eu e você num passado não tão distante assim, a comunidade daqueles que real e responsavelmente conhecem, estudam, pesquisam, divulgam e ensinam o basquete como deve ser ensinado. E você, como eu, sabemos que existem esses profissionais, só que nunca lembrados, sequer consultados, por quem deveria fazê-lo.

    Heleno, frente a esta realidade, o que mais dizer?

    Amém.

Foto – Reprodução da TV. Clique duplamente na mesma para ampliá-la.

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Postado há 21st May 2012 por Sérgio Macarrão



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