ÁGUA MOLE EM PEDRA…
Chegou ao final o Campeonato Brasileiro de Basquetebol, e a equipe de Brasília o venceu com categoria e invejável adaptação a novos conceitos, que apesar de tímidos, já se fazem importantes para a retomada rumo a melhores oportunidades no cenário internacional. Seguiu junto às outras semi finalistas o caminho traçado pela equipe de Franca quanto a utilização plena de dois armadores permanentemente na quadra, agilizando e otimizando o jogo pela maior qualificação dos drible e dos passes, assim como a maior mobilidade defensiva e nos contra-ataques. Venceu por ter em seu plantel, não dois armadores, mas quatro, o que o tornou poderoso em todas as etapas de cada partida. No entanto, como em todas as outras equipes que enfrentou nas finais do campeonato, o sistema padrão, infelizmente adotado em todo o país e pela maioria esmagadora dos técnicos, em todas as divisões competitivas, se manteve irretocado, principalmente pela persistência dos pivôs nas ações de corta-luzes no perímetro externo, tirando-os das proximidades da cesta, originando dessa forma o aparecimento nefasto dos “pivôs especialistas” nos arremessos de três pontos, expondo-os às ridículas e geralmente mal-sucedidas investidas driblando para dentro do garrafão, numa ação que nunca treinaram, demonstrando a fragilidade de seus fundamentos de jogo, assim como, desnudou o grande hiato existente no condicionamento técnico que separam armadores de alas, de tal forma gritante, que a escalação dos armadores no lugar daqueles se tornou lugar comum nas equipes que chegaram às finais. O aspecto positivo, foi sem dúvida nenhuma, a conscientização de jogadores e técnicos, de que o domínio dos fundamentos de drible, fintas e passes, determinariam os vencedores, e neste ponto, o advento dos armadores se fez presente, pela valorização do há muito esquecido domínio dos fundamentos do grande jogo.
A próxima etapa, como venho defendendo desde sempre, será a melhoria no treinamento dos alas e pivôs, colocando-os próximos ao nível dos armadores, ao mesmo tempo em que sejam desenvolvidos, estudados e largamente utilizados novos sistemas de jogo, que potencializem nossas melhores habilidades de destreza, velocidade e flexibilidade, substituindo de forma definitiva a deformação física visando peso e poder de choque, características que conotaram notoriedade a um grupo de preparadores físicos totalmente dissociados do espirito do jogo, aquele que sempre praticamos com maestria, inteligência e voluntariedade criativa. Já é hora de acabarmos com esse charlatanismo oportunista, irmão siamês daqueles “especialistas de auto-ajuda”, muito atuantes quando competições de alto nível servem de vitrine para tais absurdos. Agora mesmo, quando da preparação da seleção brasileira para o Pan, me deparo com a seguinte noticia publicada no site Databasket: A seleção brasileira adulta masculina terminou nesta quinta-feira a fase de avaliação fisica. A equipe está treinando no ginásio do Paulistano, em São Paulo, para a disputa dos Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro, de 25 a 29 de julho. Com base nos resultados, a comissão técnica irá direcionar os treinamentos.
“Os testes foram elaborados para avaliar velocidade, força e resistência aeróbica e anaeróbica dos atletas. Sua importância são os parâmetros para direcionar e dimensionar os treinos evitando desgastes desnecessários que possam expor os atletas a lesões” explicou o preparador físico da seleção masculina, Clovis Franciscon”. Ou seja, exercícios de fundamentos, que na maioria das vezes são exaustivos, trabalhos técnico-táticos, enfrentamentos 1 x 1, 2 x 2, etc., que devem ser repetidos quantas vezes forem necessários, coletivos meia-quadra e quadra inteira, de agora em diante terão de ser adequados pelos preparadores físicos, numa inversão de valores absurda e comprometedora para aqueles técnicos que se submeterem a esses falsos preceitos científicos, que ousam substituir o ensino e a pratica dos fundamentos do jogo pelas anilhas e apetrechos usados por aqueles que nunca praticaram o basquete para valer. O técnico elabora a metodologia de treinamento, e os preparadores físicos o auxiliarão com seus conhecimentos para que tal planejamento atinja suas metas, e não o contrario, como o exposto na reportagem acima descrita. Por essas e por outras, é que nosso basquete, apesar dos resultados medíocres que vem alcançando, ainda serve de vitrine para uma turma, hoje inclusive contando até com jogadores, para se promoverem em causa própria, em nome de pseudo-técnicas de alto rendimento, auto-ajuda e bons contratos no exterior. No entanto, não vemos estudos que promovam a melhoria nos arremessos, nos dribles, nas fintas, pesquisas acadêmicas que dissequem movimentos básicos para uma execução mais aprimorada dos fundamentos, estudos que abordem com seriedade sistemas de jogo, princípios defensivos, conceitos de táticas e estratégias, dimensionamento estatístico, enfim, ciência do desporto.
O campeonato chegou ao fim, mas deu inicio a uma pequena revolução de conceitos técnicos há muito esquecidos entre nós, e que deveria ter continuidade na seleção brasileira que se prepara para duas competições internacionais, sendo que a segunda, o Pré-Olímpico, é de extrema importância para a modalidade. Mas desde a convocação, e mesmo com a induzida lembrança do jogador Valtinho, treina a equipe com três armadores, numa constatação de que somente dois deles serão aproveitados, pois essa é a posição da comissão técnica, para a qual o exemplo demonstrado pelas equipes no brasileiro é de somenos importância.
O irônico dessa posição da comissão, é que fere um principio aceito por todas as grandes seleções do mundo, que são a representação do basquete praticado em seus países, sendo suas seleções o resultado de todo um trabalho de base e de uma maneira de jogar. No nosso caso, as seleções nacionais, da base às adultas, se negam às evidências, e se mantém no limbo que implantaram entre nós. Mas ainda está em tempo de reverem certos e tortos conceitos, mas é preciso ter coragem para reconhecerem e mudarem, pelo bem do nosso basquetebol. Amém.