FUNDAMENTANDO O FUTURO.

Vi os dois jogos, contra os Estados Unidos e contra a China. E o que dizer sobre nossa seleção sub-19? O de sempre, repetitivo, monocórdio, desolador. Valores potencialmente interessantes, mas destituídos de fundamentos do jogo. Valentia, audácia, coragem, inesgotável energia, velocidade irrefreável, todo um repertório juvenil anarquizado pela ausência dos princípios fundamentais do jogo. Dribles inobjetivos e frágeis nas mudanças de direção, passes fora do tempo, fintas inadequadas, posicionamentos defensivos equivocados, colocação errônea nos rebotes, ausência de movimentação sem a bola, atitude antecipativa insuficiente. E além desse corolário de deficiências, a obrigatoriedade de agirem dentro de um sistema de jogo cujo controle decisório está fora da quadra, inserido nas delimitações de uma prancheta, acionada por uma comissão técnica, como se todos os jogadores fossem marionetes presos a cordéis. Do outro lado, no caso dos americanos, uma escola que tem nos fundamentos a essência de sua maneira de jogar, onde as ações individuais e coletivas se complementam técnica e táticamente, em quaisquer situações sistêmicas que venham a utilizar, tendo como elementos facilitadores os conhecimentos e domínio das técnicas do jogo por todos os integrantes da equipe, altos e baixos, armadores e pivôs, efetivos e reservas.

Nossos jovens jogadores, alguns realmente promissores, estão abandonados quanto ao treinamento que deveriam ter para atingirem um padrão aceitável, transmitido aos mesmos por professores e técnicos que realmente conheçam e dominem a arte de ensinar basquetebol, efetiva, responsável e cientificamente falando, padrões estes bastante distantes de um ensino calcado em um sistema castrador, que privilegia posições e especializações de jogadores, como se cada um deles pertencesse a um setor da quadra, dividida por capitanias hereditárias, territórios a serem preenchidos pelos devaneios exteriorizados em rabiscos desconexos nas pranchetas de técnicos completamente dissociados da realidade complexa de um jogo formidável, mas exigente na busca da síntese de todos os valores que o compõe. Alcançá-la e dominá-la é a tarefa, aparentemente utópica, de todos os envolvidos no processo, técnicos e jogadores, pesquisadores e dirigentes, e por que não, jornalistas. Mas para tanto há de se observar o preceito básico, desafiador e culminador do mesmo, o conhecimento, execução e domínio dos fundamentos do jogo, sem os quais nenhum sistema, por melhor que seja exposto e desenhado em uma lastimável prancheta, atingirá um patamar além de medíocre e fadado ao fracasso, como vem ocorrendo entre nós por mais de duas décadas.

No entanto, reconheço que a atual situação do basquetebol brasileiro, com seu implantado sistema único de jogo, baseado no decrépito passing game, e na pouca atenção a sistemas defensivos, fruto do pouco, ou nenhum interesse em maiores e profundos estudos, tem beneficiado um grupo de profissionais itinerantes e donos de fatias de um mercado pseudamente profissional, em conluio com muitos jogadores, fator que espelha uma realidade indigente e destituída de uma verdadeira política que pudesse vir a beneficiar o esporte como um todo, e pela importância do mesmo junto ao processo educativo dos diversos segmentos da juventude do país.

E é justamente nesse ponto que se faz urgente e necessária a atuação conjunta dos técnicos e professores, em prol de uma unidade de pensamento evolutivo que venha a privilegiar o estudo, a pesquisa, a troca permanente de experiências e opiniões, informações e literatura pertinente, e também o congraçamento tão necessário a consecução de todos estes objetivos. Impossível? Irreal? Inexeqüível? Creio honestamente que não, como também acredito ser uma tarefa extremamente difícil, demorada e sofrida, mas nunca impossível, irreal, e tampouco inexeqüível.

O que falta? Vontade, determinação e um profundo amor ao grande jogo, ao jogo de nossas muitas vidas. Amém.



6 comentários

  1. Clóvis Rafael 19.07.2007

    “um ensino calcado em um sistema castrador, que privilegia posições e especializações de jogadores, como se cada um deles pertencesse a um setor da quadra, dividida por capitanias hereditárias, territórios a serem preenchidos pelos devaneios exteriorizados em rabiscos desconexos nas pranchetas de técnicos completamente dissociados da realidade complexa de um jogo formidável, mas exigente na busca da síntese de todos os valores que o compõe.”

    Professor Paulo Murilo, essa parte do seu TEXTO resume com exatidão o que vejo no ensinamento do basket nacional, e principalmente o que ando vendo nesse MUNDIAL U-19 pelo Brasil!!!

    Naum sei exatamente o que falta, se é vontade, determinação ou até amor ao jogo que aprendemos admirar, a gostar e com certeza, a viver sonhando com ele… Técnicos e educadores, deveriam dar ênfase no ensinamento dos fundamentos e geral em quadra, ao invés de tentar especializar um garoto de 16 ou 17 anos… Isso é ridículo, um garoto deveria saber jogar em todas as posições nessa idade, mesmo sendo ele um atleta de 2,08m ou sendo um garoto de 1,79m… Deveriam deixar pro profissional sua especialização, ou melhor, seu posicionamento em quadra, baseado em suas características que sobressaem e não em uma imposição!!!

    Um abração Professor Paulo Murilo!!!

  2. Basquete Brasil 19.07.2007

    É isso caro Clovis,e é por isso que devemos lutar.Continuo na luta que estabelecí 50 anos atrás,e a encararei até o meu limite se os deuses assim quiserem.Lute também,divulgue e anuncie os novos tempos,pois ao final terá valido sempre à pena ao lutar pelo que amamos.Um abraço,Paulo Murilo.

  3. felipe 20.07.2007

    Olá professor.
    Concordo com o que o senhor e o Clóvis disseram.

    Infelizmente no Brasil, os técnicos pensam em ser campeão da categoria de base e não formar jogadores. Sei disso porque joguei o campeonato paulista do mirim até o infanto, e já via meu tecnico “especializando” jogadores em determinadas posição mesmo sabendo que o atleta não teria futuro jogando em tal posição.

    Sobre o mundial, quais jogadores o senhor viu potencial para almejar jogar na Europa ou mesmo na NBA??

    Abraço

  4. Henrique Lima 20.07.2007

    Caro Professor,
    mais um belo texto.

    Aqui em Viçosa, temos algumas iniciações.
    Nenhuma é plena, como eu imagino.
    Com treinos diários, muitos fundamentos, ensinamentos sobre os jogos,etc.

    Porém, TODAS ESPECIALIZAM os meninos com, não vamos pasmar muito, 13,14 anos ….

    O menino nem sabe driblar, porém já é pivô, armador, lateral.

    Isso é um crime.
    Isso é o final dos tempos.

    Lamentável, se aqui, que ao lado tem um escola de Educação Física em uma Universidade Federal é assim,
    o que se imagina de outros locais.

    Um grande abraço ao meu amigo Clóvis e a você Professor Paulo Murilo !

  5. Basquete Brasil 20.07.2007

    Prezado Felipe,obrigado pela sua amável atenção.Sua vivência de quadra constatou os erros que são cometidos por muitos técnicos no preparo de jovens jogadores.Mas não há mal que sempre dure,e acredito que com muito trabalho de conscientização poderemos reverter tão lastimável realidade. Respondendo sua pergunta,torço para que inicialmente nossas melhores promessas se firmem entre nós,para servirem de exemplo aos mais jovens
    e que a ida para o exterior seja uma consequência natural de sua evolução.Um abraço,Paulo Murilo.

  6. Basquete Brasil 20.07.2007

    Prezado Henrique,realmente é terrivel o que acontece com o nosso basquetebol,mas temos de fé em dias melhores,apesar de tudo.Um abraço,
    Paulo Murilo.

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