MONÓLOGO DA PRANCHETA.
Quarto final do jogo, o técnico pede um tempo, se coloca no meio do circulo de jogadores, ajoelha-se, empunha a caneta hidrográfica, e com a prancheta sobre uma das coxas inicia o que podemos denominar como
“o monólogo da prancheta”. Nesse momento de absorção total, sem elevar o olhar aos circunstantes, desanda a elaborar através de rabiscos desconexos, uma miríade de jogadas perfeitas, com dribles exatos, passes milimétricos, deslocamentos e bloqueios primorosos, lançamentos precisos, onde letras e números enunciam seus comandados, em perfeitas harmonias coreografadas, sem erros, e…como pode omitir? Sem uma menção, um rabisco, um pontinho sequer, que representasse os defensores, inexistentes dentro dos devaneios na busca da jogada perfeita. E seu olhar enternecido pela obra prima que acaba de criar se mantêm fixo na prancheta, magnetizado ante tanta beleza conceptiva, tanta genialidade que somente ele protagoniza, pois os circunstantes, seus comandados, seus jogadores, ávidos por uma palavra objetiva não estão à altura compreensiva ante e presente a uma obra de arte pura, e também sequer ante um simples olhar, compreensivo ou não, um simples olhar, amigo, profundo, esclarecedor. Os jogadores se vão à luta, e um movimento pausado de lado de mão apaga a obra de arte, preparando a superfície brilhante para um próximo e ansiado monólogo. Essa imagem não só ocorreu naquele quarto final, como se repetiu durante todos os tempos pedidos, nos quais, uma só observação sobre determinados movimentos executados pelos jogadores adversários, na defesa ou no ataque, poderiam ter mudado os rumos da partida, como, e por exemplo, as ações do jogador Macvan, um ala-pivô forte e muito rápido, que se lançava de fora para dentro do garrafão para encontrar-se com passes antecipativos, colocando-o em ação progressiva e imparável, já que seus marcadores temiam, ou não sabiam marcá-lo pela frente e à frente de seu caminho. Com tal ação fez 38 pontos dos 80 de sua equipe, levando-a à vitória merecida. Onde estava a prancheta em seu monólogo com o técnico na orientação de seus jogadores objetivando freá-lo? Como é possível um jogador de 16 anos atuando em pivô móvel ter à sua disposição trajetos à cesta tão livres?
Por outro lado, nosso futuroso e forte pivô, Paulão, era acionado permanentemente em posição estática, na expectativa de uma progressão calcada em sua pujança física, o que levou o técnico adversário a uma flutuação dupla e até tripla sobre o mesmo, anulando-o em muitos e importantes momentos da partida. Duas situações antagônicas, protagonizadas por pivôs fortes e habilidosos, mas orientados por concepções técnicas muito e decisivamente diferentes.
As duas equipes atuavam com dois armadores de boa técnica, porém, os sérvios agiam ofensivamente sempre tendo seus pivôs em constante movimento, em conjunto com os demais jogadores. Nossa equipe era ativa e dinâmica através os armadores, mas mantinha os pivôs estáticos e voltados para os corta-luzes fora do perímetro, ação que os sérvios somente executavam entre os armadores e poucas vezes com os alas, mantendo o pivô sempre próximo à cesta.
Enfim, foi um jogo em que o coletivismo sérvio superou o brilhantismo individual de alguns de nossos jogadores, que poderiam ter sido beneficiados com informações e orientações mais precisas, ao serem prejudicados pelo comovente monólogo entre uma prancheta e seu deslumbrado interlocutor, o que foi uma pena, realmente uma pena.
Mas ao progredirmos na utilização efetiva de dois armadores, já demos um salto qualitativo, que cedo ou tarde, nos beneficiará, a não ser que o
“monólogo da prancheta” deite de lado tão promissora conquista. Torço ardorosamente pela volta do olho no olho entre técnicos e ávidos jogadores, estabelecendo o “diálogo das verdades”, aquelas que devem e podem ser ditas sem rabiscos e quimeras. Amém.