A ILUSÃO SISTÊMICA.

Muito se tem escrito sobre sistemas de jogo, de como jogam os europeus, como agem os americanos, como criam os eslavos, indo da velocidade de “transição” ( ninguém explica o que seja, talvez pela inexistência de tal definição se confrontada com o simplório ritmo de jogo…), até os intrincados termos americanos definidores de jogadas básicas como o dá e segue, os corta-luzes interiores e exteriores, as penetrações por trás da cesta, o jogo de pivôs, os bloqueios, etc.etc., tão ao gosto de narradores e comentaristas, com a desculpa de que se tratam de termos internacionais, argumentação que se dilui ao manusearmos livros de técnica e fundamentos nos mais diversos idiomas, inclusive o nosso. Mas soam bem e aparentam cultura superior, esquecendo os preclaros cronistas que a maioria da população brasileira não conhece o idioma saxão, principalmente os mais jovens.

E páginas e mais páginas são escritas sobre sistemas de jogo, que pela preocupação que despertam parecem existir às dezenas, com particularidades que variam de país para país, até de continentes. No entanto, não se vêem os mesmos descritos e exemplificados em suas nuances e detalhes técnicos, como deveriam fazê-lo, já que os discutem com apaixonada veemência, deixando a audiência basbaque ante tanta sapiência e conhecimento. Um velho e inesquecível professor sempre lembrava que a erudição e o prolixidade era a arma dos enroladores, principalmente quando externada em outro idioma que não o nosso. Entendamos como o popular “se colar, colou…”. Então, que mágicos sistemas são estes que gabaritam técnicos, principalmente estrangeiros, a serem seus fieis depositários? Um deles, já candidato à direção de nossa seleção para o próximo e derradeiro Pré-Olímpico? Afinal, quantos são e como são constituídos esses sistemas? Quais suas decisivas influências? Americanas ou européias? Ocidentais ou orientais?

Sugiro fortemente que se munam de um simples e prosaico lápis, e algumas folhas de papel, e tentem grafar as disposições dos diversos jogadores, das diversas equipes, e dos mais diversos ainda países, ao iniciarem toda e qualquer jogadas de ataque, e mais ainda, com algum esforço, o desenrolar de alguns movimentos das mesmas, num exercício de progressivo encadeamento entre deslocamentos de caráter coletivo, e algumas ações de caráter individual, para chegarem a uma conclusão de assombrosa obviedade, a de que todos, sem exceção jogam rigorosamente iguais. De repente, se darão conta de que o modelo NBA se tornou universal, e que o maior e único beneficiário desse sistema de jogar é a liga mais rica, mais difundida, e por isso mesmo aquela que deve ser preservada em sua dominância político-econômica, mesmo que tenha de “aparentar disfarçadamente” uma aceitação da realidade internacional em torno da FIBA, num exercício estratégico que esconde e camufla sua luta hegemônica e globalizante. Porque o basquete americano é o único, seja amador ou profissional que se nega a seguir as normas, regulamentos e regras aceitas e difundidas no restante do mundo do basquetebol FIBA ? Agora mesmo, varias personalidades americanas foram introduzidas no Hall da Fama da FIBA, como os lendários Dean Smith e Bill Russel, numa prova de suas importâncias para o grande jogo, mesmo que praticado de uma forma diferente, mas que deveria sê-lo da forma como é praticado internacionalmente.

A conclusão a que chegarão após o exercício proposto, é a de que na constatação da existência de um único sistema universal de jogo, o que é lastimável e preocupante, somente duas variáveis ainda podem incidir sobre o mesmo, para sua aplicabilidade com algum caráter personalista, a velocidade e o domínio pleno dos fundamentos. E é exatamente nestes dois pormenores, nestas duas variáveis, é que se encaixam as formas de jogar de muitos países europeus quanto à velocidade, bem menor para os mesmos, como os universitários americanos, os fundamentos para todos, e a variação de velocidades e excelência nos fundamentos para uns poucos, ações estas bem aproveitadas por argentinos, espanhóis, lituanos e croatas, eslovenos e um pouco menos dos gregos. Nosso basquetebol, optou simplesmente pelo modelo cru NBA, sem a base fundamental do mesmo, ou seja, aproveitou o desenho da jogada inicial e seu desenvolvimento, mas sem o suporte exeqüibilizador do mesmo, o pleno, responsável e determinante domínio dos fundamentos do jogo.

Então, como os analistas de plantão, que pouco ou quase nada buscam na origem dos sistemas, alguns dos quais septuagenários, mas que lá estão perpetuados na maior bibliografia existente entre todos os desportos, como, para exemplificar um, que alguns técnicos, inclusive americanos, teimam maliciosamente em requerer autoria, o sistema dos triângulos, que nada mais é do que a aplicação de três dos movimentos básicos do basquete, magistralmente descritos pela geração de um Clair Bee, Dean Smith, Nat Holman, John Wooden , Forrest Allen, e muitos outros que se dignaram doar a seus pósteros livros e estudos magníficos, então, repito, como explicam a existência dos sistemas de jogo? Mas como explicá-los se não definem nem reconhecem a base comum do atual existente? Sim senhores, atualmente só um sistema se mantêm em foco, variando tão somente em ritmo e na excelência de seus praticantes na utilização dos fundamentos do grande jogo. E um outro detalhe de fundamental importância reforça esse conhecimento, o de que a existência do atual e monopolizante sistema sucedeu a outros, bem definidos e largamente utilizados, inclusive e basicamente por nós, em um passado não tão distante assim, quando inovávamos e arriscávamos no novo e no audacioso, sem medos e ressalvas, e que nos levou a muitas e inesquecíveis vitórias. Mas era um tempo de verdadeiros técnicos, de grandes e destemidos jogadores, de formidáveis analistas e colunistas, de dirigentes menos interessados em suas contas bancárias e enganosos prestígios políticos, ao contrário de hoje, onde somente persistem os dirigentes mais politizados e muito mais interessados nas benesses inerentes aos cargos, já que técnicos e jogadores mergulharam de cabeça no modelo NBA, tão à gosto dos mais globalizados e pasteurizados ainda cronistas e analistas de hoje, para os quais os ensinamentos do passado, brilhantes ou não, são relegados a um estorvo que deve ser guardado e esquecido no fundo dos baús da história.

E é em nome desse esquecimento, da negação da história e de seus participantes, daqueles que teimaram estudar, não só os sistemas, mas o teor e a fundamentação dos mesmos, que devemos aceitar e engolir a seco a definitiva implantação do que deveria ser substituído por algo de novo, inédito, audacioso e corajoso, mas que virá, na forma de um eslavo, espanhol ou americano para nos impingir a formula única, e de resultados imprevisíveis, à peso de muitos e muitos dólares, pagos com nossos impostos, sem que possamos sequer argumentar que tantos e sacrificados valores poderiam ser alocados em programas de desenvolvimento e preparação de futuras gerações de técnicos e jogadores, liderados por aqueles que realmente conhecem e dominam a arte de ensinar, treinar e dirigir equipes, que existem, sim senhores, entre nós, faltando somente que os reconheçam e reverenciem, em português mesmo, sem a prepotência daqueles que os negam por ignorância, espírito colonizado, ou mesmo, má fé.

Que os deuses, com o bom senso que os inspiram, nos ajudem a enxergar o óbvio, e que nos faça merecedores de um futuro menos doloroso, ou mais uma vez decepcionante. Amém.



4 comentários

  1. Jalber Rodrigues 16.09.2007

    Bom Professor,
    o que comentar após esse fantástico artigo?!!!!!
    Apenas agradece lo por nos lembrar sempre que os fundamentos e o poder de decisão do jogador dentro da quadra é que se transformam em eficiência e dão qualidade ao grande jogo, e que as chaves simples ou complexas só funcionam bem diante dos (para os grandes conhecedores do basquete como o professor disse) “skills and drills”.
    Parabéns e obrigado!!!!

  2. Basquete Brasil 17.09.2007

    Prezado Jalber,eu é que agradeço sua honrosa audiência,cujo único comentário a esse artigo me encoraja a prosseguir.Sei que ele retrata uma realidade que muitos teimam em negar,já que pressionados pela chaga do imediatismo que tanto nos empurra ladeira abaixo,exigem panacéias milagosas que refreie a inevitável queda.Temos de recomeçar de algum modo,mesmo que do princípio, trabalhando com afinco e bom planejamento nas escolas,nos clubes,nos parques e até sob viadutos,com jovens técnicos que sejam preparados pelos mais veteranos e experientes,sob a ótica do possível,aprendendo de cedo a administrar nossa pobreza,enriquecendo-a com estudo e pesquisas de caso,divulgando esses conhecimentos pela rede que se espraia pelo país,a internet,despertando aqueles comerciantes,industriais e lideres políticos que tiveram em sua juventude o auxilio educacional através a pratica do grande jogo,motivando-os ao premente auxilio,por menor que seja,em materiais e leis, que beneficiem o universo de jovens que clamam por uma política voltada à sua estratégica importância para o país.Que os poucos e quase escassos valores monetários que dispomos sejam alocados nesse projeto,e não colocados à disposição de técnicos estrangeiros e suas poções mágicas a curto prazo, que nada somarão às nossas imediatas e esquecidas necessidades.Desculpe a longa resposta,mas é o que penso,é o que sempre pensei e pratiquei na medida de minhas parcas possibilidades.Um abraço,Paulo Murilo.

  3. Henrique Lima 17.09.2007

    Caro Professor,

    sobre o artigo dos Sistemas de Jogo,
    acho que não deviamos fechar os olhos para a existencia dos mesmos, mas sim sabermos usa-los.

    Pelo que parece, na Seleção Masculina além de não saberem usar, usavam sempre os mesmos e previsiveis,
    e as vezes sem lógica sistema de jogo.

    Ainda acho que é necessário o estudo dos mesmos mas sempre adaptando tudo à nossa realidade,
    não é melhor assim ?

    E claro, maior enfase aos fundamentso nas categorias de base,
    pois isso anda em falta pela gana pela vitória a qualquer preço.

    Peço ao senhor que escreva um pouco mais sobre a ESPECIALIZAÇÃO PRECOCE no basquetebol, se possivel !

    Abraçao,
    Henrique Lima

  4. Basquete Brasil 18.09.2007

    Prezado Henrique,concordo com você para o fato de não fecharmos os olhos aos sistemas,novos e antigos,pois se justificam pela interdependência de seus princípios e soluções.O grande desafio se inicia pelo pleno conhecimento de ambos, fator não muito motivante para a grande maioria dos técnicos, o que é lastimável.
    Quanto à sugestão de escrever sobre a especialização precoce que parece ter se transformado em moda no país,será tema que abordarei em breve.Um abraço,Paulo Murilo.

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