Chegam ao fim os dois campeonatos mais importantes do ano no cenário nacional, o Nacional da CBB e a Super Copa da ABCB, onde atestamos uma significativa mudança técnico-tática no cenário imutável dos últimos anos, a redescoberta da dupla armação, hoje empregada pela maioria absoluta dos clubes participantes dos dois torneios, numa demonstração importante de evolução e bom senso coletivo. Foi uma mudança muito mais forçada pela ausência de bons alas, engolfados que foram pela mediocridade do sistema de jogo único, adotado pela massa praticante do país, de todos os quadrantes e categorias, dos mirins ao adulto, onde as ações quase que na totalidade priorizavam o passe, em detrimento do drible e das fintas. Com o tempo o declínio destes fundamentos foram se tornando um lugar comum, principalmente entre os alas e os pivôs, salvando-se um ou outro armador, mais pela especificidade de suas ações, do que mais propriamente um produto de preparo apurado nos fundamentos. Armadores se destacam dos demais jogadores por uma particularidade imutável e de difícil, senão impossível restrição, o amor pela posse da bola, seu manuseio, pela descoberta de suas potencialidades, pelo descortino do improvável, pela importância tática, pela ausência de medo em controlá-la. São jogadores quase imunes ao poder ditatorial dos técnicos, como os felinos, que aceitam a presença humana, sem se deixar domesticar. Por isso são preciosos e fundamentais dentro de uma equipe, mesmo que liderada por um técnico antagônico a tanto e rival poder.
O que vimos acontecer foi uma adaptação do sistema único, onde alas improdutivos, por não treinados e preparados nos fundamentos, foram substituídos por armadores, que com suas habilidades agilizaram e preencheram o tal sistema com melhores passes, dribles e fintas, abrindo um enorme leque de opções a arremessos mais livres de marcação e muito mais equilibrados. E apareceram, e como apareceram, muitos bons armadores, desde a formação recente, inspirados pela novidade da dupla armação, levando os técnicos à adotarem , com inegáveis vantagens para o nosso basquetebol.
Acredito que a tendência daqui para diante passe pela necessidade de prepararmos nossos alas da mesma forma com que preparamos armadores, para daqui um médio prazo tenhamos alas com habilidades fundamentais de armadores, aliadas à estatura , mantendo a velocidade daqueles, na constituição de uma nova e promissora geração de bons praticantes do grande jogo.
Um outro momento será o responsável pela movimentação e flexibilização dos pivôs, a fim de poderem se inserir em sistemas que priorizem o deslocamento constante, em vez do imobilismo reinante, marca registrada da maioria dos pivôs brasileiros.
Estas duas etapas, concomitantes ou não, fatalmente tropeçarão na vontade dos técnicos em evoluírem ou se manterem em seus berços intocáveis e de acomodação consentida, facilitadora de um comportamento distante do estudo e da pesquisa, pré-requisitos inseparáveis da profissão que abraçaram.
No entanto, a etapa mais importante a ser vencida e vivenciada, é a da adoção de novos sistemas, onde a mobilidade constante e ininterrupta de jogadores bem preparados nos fundamentos, somente se viabilizará se substituir totalmente o que se emprega nos dias de hoje, um jogo de passes, movimentação inócua lateralizada e arremessos despropositados, e muitos outros no limite dos 24 segundos, em tentativas desequilibradas, técnica e taticamente falando.
Estes novos sistemas deverão primar pela ação simultânea de dois setores estanques na concepção, porém comunicantes na conclusão , ou seja, a armação em todos os setores fora do perímetro, somente possível pela coordenação entre os armadores, o trabalho em deslocamentos constantes dos três homens altos dentro do perímetro, e a conexão inteligente e incisiva entre esses dois compartimentos, numa mistura sofisticada pela simplicidade, já que somente viável se executada por jogadores plenamente preparados nos fundamentos do jogo.
Algumas equipes, que mesmo ainda profundamente ligadas ao sistema tradicional, conseguem, pela criatividade e habilidade de seus armadores e uns ainda poucos bons alas, executar um basquete bem próximo do que propomos, mais ainda distante do que sonhamos, mas que mesmo assim tentam abrir caminho a novos tempos e novas concepções. Franca, Flamengo, Paulistano, Assis, Minas, Brasilia, tateiam esses caminhos, e se dedicarem tempo, paciência e curiosidade técnica, sem dúvida alguma descortinarão um novo caminho que nos levará a um futuro melhor e mais bem jogado.
A etapa da dupla armação está sendo vencida. Tentemos a segunda, preparando melhores alas e mais dinâmicos, rápidos e flexíveis pivôs, provocando e incentivando uma era de criatividade e produtividade, retirando um poder quase absolutista de técnicos que teimam em participar de todas as ações da equipe, ofensivas e defensivas, como se fosse possível um pedido de tempo a cada movimentação da equipe, restringindo o livre e responsável arbítrio de seus jogadores, que no frigir dos ovos são os responsáveis diretos pelo jogo dentro da quadra, quando vivenciá-lo em todas as suas proporções aplaina o caminho do entendimento coletivo nos porquês das derrotas e nas perspectivas das vitorias, tornando-os responsáveis e cúmplices de um trabalho, e não marionetes de um poder fora da quadra.
E bons ares já se fazem sentir, quando pranchetas já vem sendo substituídas por conversas olho no olho, apesar de alguns técnicos ainda não abandonarem o habito dos palavrões, das mímicas ridículas ao lado da quadra e da pressão descabida nas arbitragens, transmitidos pelos absurdos microfones de lapela e por câmeras exclusivas, focalizando exemplos nada educativos para a juventude que os assistem pelo país afora.
Torço honestamente que as etapas acima descritas sejam ultrapassadas, para o bem e o progresso do nosso tão maltratado basquetebol.
Amém.