NAS ENTRELINHAS…

(…) “Os tempos mudam e as pessoas mudam. Estamos em um momento em que temos de torcer para que os resultados voltem. No Brasil, infelizmente, ao contrário das potências, a nossa seleção nacional é o que mais conta. A Itália, que não se classificou para o Mundial, foi convidada, mas negou para não atrapalhar o campeonato local. O mesmo acontece na Espanha e nos EUA. E o nosso forte  é o resultado, é o que puxa organização, patrocínio para competições locais. E o nosso basquete está fraco nestes últimos 12 anos. Então, temos que torcer para que ele faça um grande trabalho. (…) O principal desafio é ter resultado. O Brasil tem uma tradição de resultados que estava perdendo nestes últimos anos. Desde 1996 que não temos resultados expressivos. Queimamos algumas gerações de jogadores que poderiam render mais do que renderam. Estou falando de grandes competições, Mundial, Pré-Olímpico. Neste aspecto, perdemos tradição. Há três ciclos que não acontece nada. E maior o desafio.” ( Marcel de Souza para o Globo.com).

O grande Marcel tocou na ferida, elegante e educadamente, mas não pode fugir nas entrelinhas da mais refinada ironia, aquela que que se captada inteligentemente, muda conceitos, aponta caminhos, faz cabeças pensarem.

Comete um proposital engano, um falso mea culpa, ao não mencionar que ele mesmo foi produto da refinada formação que tínhamos antes da era helênica com seus áulicos e puxa sacos profissionais, assim como técnicos oportunistas e dirigentes comprados, todos voltados exclusivamente para…os resultados.

Que claro, pela ausência, ou presença de péssima qualidade, no que dá no mesmo, da formação de base, nos remeteu à dependência dos “estrangeiros” com seus seguros e estrelismos endêmicos, ao êxodo de nossos jovens ainda púberes para o éden europeu, ao endeusamento de um basquete fora da nossa realidade, e por que não, fora da realidade mundial, com suas regras e sistemas próprios adaptados à industria bilionária que desenvolveram. Sua geração foi a última fornecida pelos grandes técnicos formadores, pelos técnicos de verdade, pelos técnicos que embasaram pelo estudo e a pesquisa a quarta potência mundial no século XX, somente atrás dos EUA, da União Soviética e da Iugoslávia ( as duas últimas hoje fragmentadas em várias nações, o que torna nossa conquista mais valiosa ainda), cedendo lugar aos técnicos de QI elevado, peças de um jogo político mantenedor da situação diretiva reinante.

De sua geração em diante foi o que vimos, quando um sistema único de jogo foi implantado e disseminado, emulando criminosamente o sistema NBA, hoje completamente desmantelado pelos…americanos, liderados pelo Coach K. Vimos as clinicas voltadas ao mesmo pulularem politicamente país afora, comandadas pelo mesmo grupo que padronizou e formatou todas as nossas seleções, da base às adultas, inclusive em testes absurdos para classificação de talentos ( hoje disseminados nas peneiras onde muitos e verdadeiros talentos são excluídos, dando lugar a pretensos craques…) e preparação física equivocada, já que fora de nossos padrões técnicos, outrora vencedores.

Vimos e testemunhamos a dilapidação  das associações de técnicos que ousavam se independerem politicamente da CBB, numa autonomia que se tivesse vingado não estaríamos na situação em que nos encontramos, provocando uma dissensão entre os técnicos no sentido de que não se unissem, não se incorporassem ao projeto maior, o da meritocracia.

Quando da passagem do bastão da antiga para a nova administração, os mesmos projetos sobre a base foram continuados, assim como a política e as promessas quiméricas dos resultados, das pretensas qualificações olímpicas, para a falsa retomada da liderança continental, para a organização de uma escola de treinadores oriunda das mesmas lideranças continuístas, tudo em nome de um novo tempo cheirando a naftalina, onde o interesse político econômico sobrepõe e muito o interesse técnico educacional, à construção de uma base sólida que possibilitasse a colheita  de resultados factíveis,  já que possíveis pelo trabalho continuado e exaustivo, e não essa inversão absurda de valores e objetivos na busca inalcançável de …resultados.

E perguntado se o treinador teria condições de realizar um grande trabalho na seleção, Marcel brincou e exaltou as conquistas de Magnano – “Condição eu não sei, mas currículo para isso com certeza”.

Como apontei no artigo anterior, Ruben Magnano, o excelente técnico argentino, campeão olímpico, estará dirigindo a seleção brasileira à partir de agora, mas desafiado por uma condição antagônica àquela que o fez protagonista de um trabalho de base com mais de vinte anos de duração, cujo resultado olímpico representou o profundo e inquestionável acerto de um projeto eficientemente implantado, sob a liderança de uma associação nacional e de uma escola de técnicos, que galgaram longas e trabalhosas etapas,  sem as quais devidamente percorridas e preenchidas com estudos, pesquisas, publicações e cursos de permanentes atualizações, nada alcançariam de válido, provando a excelência de um projeto de toda uma comunidade unida em torno de um objetivo comum, do qual emergiu como seu lídimo executor.

E uma pergunta, que o próprio Marcel deixou nas entrelinhas, somente captada por quem realmente compreende e entende o grande jogo, se faz necessária, num momento chave para o basquete brasileiro, quando pela segunda e consecutiva vez um técnico estrangeiro aqui aportará, destinando aos técnicos que nos lideraram nos últimos vinte anos a colocação secundária (isso se não vier um assistente argentino também…) na comissão técnica, a maioria cordeiramente comportada ante a possibilidade de serem convocados, onde elogios sinceros(?) coroam uma designação que os deveriam envergonhar, ao serem preteridos em suas competências em sua própria terra, fruto da omissão e do egoísmo, pela negação associativa, pela pretensão lastreada politicamente. A pergunta seria – Será o competente Magnano capaz de, antagonicamente ao que possuiu em seu país, fruto de um longo e magistral trabalho de formação e informação, que o levou à gloria olímpica, levar a seleção brasileira aos mesmos objetivos sem que tenhamos  trilhado as mesmas etapas?

Porém, o pior dos cenários é aquele da submissão, não sei se interesseira, política ou mesmo pusilânime, de técnicos que admitem serem coordenados por um preparador físico e um voleibolista na organização de uma escola de treinadores, de serem preteridos sistematicamente em seus direitos, sem que se indignem e lutem pelas associações regionais e a nacional, que se degladiam silenciosamente pelas indicações de cunho político para as seleções, que negam o mérito, que se calam ante as injustiças, e que defendem o indefensável, a extirpação do lugar maior, premio dos melhores, o comando das seleções nacionais.

Afinal Paulo, temos técnicos da mesma qualidade? No momento em que se unirem de verdade, se despirem das vaidades, se propuserem à reedificação de nossas tradições, e que se munam da coragem dos vencedores, afirmo, com a mais absoluta convicção que voltaremos à nata do basquete mundial, em nome de uma juventude que anseia uma liderança verdadeira e patriótica, desmentindo uma globalização trombeteada por colonizadas e entorpecidas consciências, pois o basquete que produzimos no passado, hoje aviltado e humilhado, tem  direito histórico a um futuro de fato e de direito, bastando que nos propusermos à união, não tão simples assim, mas possível, com as graças dos deuses., e da imposição do bom senso. E mesmo aos setenta anos, gostaria de participar desta cruzada, de norte a sul, de leste a oeste, discutindo, protestando, planejando, executando, avaliando, me indignando sempre que necessário, e tudo isso no idioma que nos uniu, nos  une, e sempre nos unirá, o bom e amado português.

Prezado Marcel, foram estas as ilações que depreendi nas entrelinhas de suas declarações, e se não forem de sua concordância, me perdoe a indevida liberdade, pois não tenho o direito de fazerem suas as minhas verdades, as quais assino honrada e responsavelmente. Paulo Murilo.

Amém.



4 comentários

  1. Luciano Ramos 19.01.2010

    Prezado Paulo Murilo concordo totalmente com vc essa administração que se colocava como sendo renovadora e que colocaria novas ideias em pratica, segue os mesmos caminhos da fracaçada administração anterior , da CBB.
    Pois bem, acho que dveria se olhar um pouco mais para os tecnicos brasileiros , ao em vez de gastar muito dinheiro para trazer um tecnico estrangeiro,. Usar este dinheiro numa formação de novos treinadores , ou num aprimoramentos dos tecnicos na ativa no Brasil.
    Um abraço e a LUTA continua!

  2. Diego Felipe 19.01.2010

    Professor Paulo.
    Muitas vezes o senhor tem falado na massificação, além do trabalho de base no basquete. Noto, pois, tantos talentos desperdiçados, atém mesmo aqui, em Fortaleza. Costumo sair para jogar em algumas praças (muito poucas e mal estruturadas, mas é sempre o que temos) com alguns ‘ex-companheiros’, pessoas que enfrentei à epoca dos Jogos Escolares do Ceará (JEC’s, destinado aos alunos nas idades de Infantil (13 a 15 anos) e Juvenil (16 a 18 anos), ou seja, normalmente ensinos fundamental e médio) e que guardo boas amizades. Na época dos jogos, alguns atletas se destacavam muito, com alguma equipe eventualmente chegando aos JEB’s (Brasileiro). No entanto, grande parte destes acabaram enveredando pelo caminho do ‘streetball’, por falta de apoio técnico e estrutural para continuarem a prática do esporte, não digo nem de maneira profissional, mas pelo menos ‘normal’.
    São raros os casos, mas vejo pessoas que, facilmente, poderiam estar nos ‘grandes’ clubes do pretenso NBB, no lugar de alguns desses ‘importados’ de contratos milionários, bastando apenas o interesse de realmente massificarmos o basquete, assim como é o nosso futebol. Quantos jogadores de futebol já não foram descobertos jogando em pracinhas, ruas e quadras de futsal pelo Brasil?? Será o basquete tão menos atraente assim?? Ou simplesmente perdeu seu espaço na ‘mídia’ devido à falta de resultados, isso decorrendo de interesses escusos na administração??
    Aqui ficam minhas indagações, e essa pequena ‘história’.
    Obrigado

  3. Basquete Brasil 20.01.2010

    Prezado Luciano,como vemos, a grita dos técnicos ensaia uma timida, mas presente indignação. Espero que se avultem as criticas, os pedidos de explicações, a revolta contra as injustiças, e principalmente, que o inicio associativo seja deflagrado por todos os técnicos, os únicos mresponsaveis pela formação de jogadores dentro das quadras do país. Um abraço, Paulo Murilo.

  4. Basquete Brasil 20.01.2010

    Prezado Diego, a massificação do esporte é a única chance que poderemos ter no não tão longinquo 2016.E a escola é o caminho lógico para que alcancemos tal meta. Infelizmente, não vemos no governo atual qualquer interesse que não aquele que privilegie medahas a curto prazo, onde politicas voltadas ao esporte e a educação o obrigariam a mudanças radicais não aceitas pela elite diretiva atuante. Educar o povo é ação de coragem civica, contraria à covardia de quem deseja o poder por tempo ilimitado.Essa é a grande tragédia brasileira, populismo travestido de salvação nacional, ou seja, dá-se o peixe, mas não ensinam a pescar. Um abraço, Paulo Murilo.

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