ESTRANHA DUALIDADE…


Estranha dualidade a que senti ao assistir a partida decisiva entre Brasil e Estados Unidos na Sub 18, pelo site do Fiba Américas. Se por um lado a bela surpresa de ver jovens talentosos enfrentarem os donos da casa de igual para igual, e até se impondo em diversas fases do jogo, numa prova indiscutível do enorme talento que sempre ostentamos pelas quadras do mundo, pelo outro, a tristeza contrastante à euforia que se fez e se faz presente nos comentários da mídia e dos torcedores em geral, no que classificam “do vice que vale ouro”, “da derrota heróica”, numa demonstração do quanto uma frustração de longa data tenta se redimir ao vencermos os rivais do sul, e perdermos a final para os rivais do norte, omitindo a grande ( até agora…) verdade de que poderíamos ter vencido, e por boa margem, se…
Se não caíssemos na armadilha americana, tradicionalmente fundamentada em ótimos defensores, quando ao sentirem que não poderiam enfrentar e derrotar um jogador diferenciado como o Lucas, cestinha até o início do terceiro quarto ( faria mais dois pontos até o final) com 20 pontos e 12 rebotes, resolveram evitar que a bola chegasse a ele em alta frequência, optando na dobra defensiva e sistemática em cima do armador Raul, antenados que estavam na liberdade que o mesmo ostentava em quadra centralizando o jogo em si mesmo, numa demonstração de alta técnica individual, que naquela situação de decisão de um titulo, deveria ter sido posta a serviço, integralmente, ao fator de desequilíbrio do jogo, o Lucas.
Se do banco tivesse vindo a ordem determinante de que, dada a supremacia do Lucas por sobre a defesa americana, e a incapacidade da mesma em pará-lo, que os esforços da equipe, principalmente nos 6 minutos finais, quando liderávamos o placar por 10 pontos, fosse centrado no mesmo, e não na exibição de alta técnica do Raul( excelente jogador, mas que precisa aprender a ler melhor o jogo), que apesar da mesma perdeu duas jogadas ao ser dobrado, num momento de definição do jogo.
Se naqueles minutos finais não optássemos pelos arremessos de 3, para tirarmos uma diferença de 4 pontos, perfeitamente alcançável através simplórios arremessos de 2, como fizeram os americanos, e de preferência bem perto da cesta, lugar cativo do Lucas.
Se o técnico ( que poderá vir a ser bom com mais tempo e experiência) não tivesse se comportado naqueles momentos finais, mais como um torcedor ao lado da quadra, quando o recolhimento e a observação arguta o levaria à atitude óbvia de centrar o jogo no único jogador que realmente fez os americanos temerem o pior, daí terem tomado a atitude descrita acima.
Se tivéssemos escalado mais um armador , no lugar de um dos alas, a fim de que o poder municiante ao grande pivô ficasse garantido em todos os quadrantes do perímetro externo, e não dependente das penetrações seqüenciais e fortemente bloqueadas do nosso único armador, e de temerários arremessos de 3, como fizeram os americanos quando atacavam.
Se, ao serem tomadas tão primárias decisões, estaríamos hoje ostentando um título de verdade, e não um de “campeão que não foi”, onde até desculpas de “roubo e garfadas de arbitragem” tentam disfarçar nossas deficiências técnico táticas, quando ainda estamos presos e agrilhoados a um modo absurdo de jogar, tornando-nos presas fáceis de técnicos que dirigem equipes frutos de um trabalho de base sério e diversificado, e fundamentalmente sólido.
Sem dúvida esses jovens que lá estiveram são bons, alguns muito bons, mas ainda bastante afastados da realidade para 2016, se, não dermos a todos eles um embasamento realmente sólido, através fundamentos do jogo e muito, muito trabalho, pois talento dentro da quadra têm de sobra, faltando ainda evoluirmos bastante do lado de fora da mesma, mas nada que uma boa escola de treinadores pudesse suprir até 2016, o que não prevejo com essa que está nascendo de trás para frente.
Que, apesar de todos nós ficarmos orgulhosos pela luta e pela coragem da rapaziada ( não são mais meninos…), fica bem claro que, dentro das exigências que compõe uma final de campeonato daquela importância, jogado na casa do adversário mais forte e tradicionalmente vencedor, fomos nós que perdemos, e não eles que venceram, pelos nossos erros crônicos e a eterna, cansativa e já desgastada realidade de teimarmos na negativa de nós mesmos, resgatando o que fomos num passado não tão distante assim, bastando que fujamos urgentemente do pastiche de um basquete na oposição de nossas necessidades, que sempre primou pelo inusitado e pela criatividade latente e pulsante no âmago de nossos jovens.
Que nossos técnicos evoluam muito mais centrados nessas valências diversificadas, e não na teimosia colonizada de um basquete repetitivo, monocórdio, previsível e que privilegia as estelares individualidades , quando as mesmas teriam de beneficiar o grupo, a equipe como um todo.
Mas, quem sabe, um dia chegaremos lá, torço por isso.
Amém.



11 comentários

  1. Carlos Eduardo 02.07.2010

    Professor Paulo, parabéns pelo artigo. Parece-me óbvio o comentário que farei, mas, infelizmente, os nossos dirigentes ainda não aprenderam (apesar dos anteriores fracassos): os profissionais das categorias ditas de base devem ser os mais experientes, como por exemplo, o senhor. Nada contra ao Sr. Walter Roese, que deveria ter ao seu lado profissionais experientes, mas como dito pelo senhor, será um excelente técnico com o passar do tempo e vivência de novas experiências. Ademais, devemos repensar o excessivo número de assistentes técnicos na categoria principal. Peço desculpas em utilizar o seu espaço para desabafar.

  2. Basquete Brasil 03.07.2010

    Desculpas por expressar pontos de vista honestos e sinceros? Jamais. Prezado Carlos faça deste espaço o seu espaço, sempre que assim o desejar.Concordo, como sempre concordei com a liderança das jovens equipes brasileiras serem entregues aos mais experientes, pois tendem a errar menos, sendo assistidos por jovens técnicos. Essa é uma formula adequada à evolução de qualquer modalidade esportiva, principalmente nos países de ponta.Seria muito bom se a adotássemos. um abraço, Paulo Murilo.

  3. Henrique Lima 04.07.2010

    Visão que difere da maioria da crítica Professor.

    Achei ótimo ler. Temos sempre que ouvir os prós, contra, as críticas mesmo com um resultado tão bom.

    Eu sinceramente nao esperava, apos o Sulamericano Sub-18 em Medelin tal resultado.

    E temos que aproveitar essa geração, que parece muito boa. Não deixa-la ser somente mais promessas e promessas. E num futuro próximo, ser apenas mais um exemplo do que poderia ter sido e não do que de fato foi

    Um grande abraço

  4. Basquete Brasil 04.07.2010

    Esse deveria ser o caminho a ser percorrido. Você já imaginou esses rapazes distribuidos pelas equipes da LNB, jogando pelo menos 5min por partida(ou mais, quem sabe…), treinando num alto nivel, e se reunindo a cada seis meses para disputarem torneios e amistosos pela seleção? Olha Henrique, para um país que pensa brilhar em 2016 seria formidável que isso acontecesse, e mantendo-os aqui, no país, e não dissolvidos pelo mundo afora, onde somente uns poucos têm a possibilidade de brilhar e evoluir.Criariam vinculos com o país, seu povo, suas tradições. Fico imaginando um Lucas no Saldanha, treinando muitos fundamentos,jogando com liberdade, de frente para a cesta e em velocidade, e não cravado no chão, massificado fisicamente e servindo de escora para um outro qualquer brilhar, como muitos já preconizam colonizadamente seu futuro (e milhões de dolares…)na NBA, numa sindrome imparavel e impensada de antropofagia cultural. Em 2016 todos eles terão 24-5 anos, e ai sim, com a maturidade fisica, técnica e emocional, poderiam ganhar o mundo de uma forma equilibrada e responsável, e principalmente, plenos da nossa identidade como povo e nação.
    Mas Henrique, trata-se de um sonho, nada mais…
    Um abraço. Paulo Murilo.

  5. Fábio/SP 05.07.2010

    Olá Professor Paulo!!!

    Bastante tempo que não escrevo aqui, mas tenho lido tudo atento diariamente, inclusive pesquisando os arquivos do blog, os quais me tem sido bastante úteis na formação de uma visão mais abrangente e lúcida nesse meu início de carreira como técnico.

    Gostaria de saber algumas coisas:

    1) como foi o convívio com os técnicos no congresso, especialmente aqueles que tão fundamentadamente o senhor sempre criticou, algum deles o questionou diretamente ou propõs algo em termos de trocas de informações?

    2) assim como um dos técnicos jovens pediu em outro artigo, seria possível o senhor demonstrar como ensina o arremesso aos atletas? ao que é fundamental se ater além da mecânica, e como ver na prática os conceitos de direção que o senhor inclusive defendeu em sua tese? Ainda nesta questão, o “apetrecho” de madeira citado em artigos anteriores, gostaria de aprender algo sobre isso, se puder, claro…

    3) Como está sua situação à frente do basquete do Saldanha? Neste momento de entresafra, onde sabidamente as equipes estão negociando jogadores, o senhor está fechado com o Saldanha para o próximo NBB?

    Muito obrigado sempre, pela paciência e pelo valioso conhecimento compartilhado, o senhor é referência, abraços

    Fábio/SP

  6. Fernando M.V. 05.07.2010

    Prof. Paulo Murilo, assisti o jogo juntamente com meu filho, que joga basquete como armador, TORCEMOS E NOS EMOCIONAMOS DEMAIS, durante a partida comentava com meu filho e ele comigo, que o armador reserva que joga no clube Pinheiros, tinha uma maior preocupação em ditar o ritmo e colocar o time todo pra jogar, e foi nos momentos que ele comandava que o Brasil jogou melhor, so que o rapaz não pontuava e isso para 99% dos tecnicos brasileiros e um pecado indesculpavel, então no quarto mais precioso, o decisivo, manten-se o armador que queria definir as jogadas e não pois o time pra jogar, perdendo inclusive duas bolas decisivas, mas a culpa não e dele afinal no Brasil quem não pontua vai pro banco.
    Na Espanha tivemos dois brasileiros campeões, so se comentou do Thiago, muito justo, afinal o fato do Huertas ter evoluido como verdadeiramente um armador, jogando de igual contra pregione e acabando com Rick Rubio, e fazendo isso sem se preocupar em ser pontuador mas colocando o time pra jogar e ditandto o ritmo não e valorizado no Brasil.
    Prof. quando vamos aprender a tomar conta da quadra não so na luta mas na inteligência.

  7. Basquete Brasil 05.07.2010

    Prezado Fabio, vamos por partes: – O convivio com os demais técnicos, e mesmo entre todos, foi amistoso e bastante elucidativo, tanto nas relações pessoais, como nos debates técnicos. Uma o outra insinuação ou indireta ao meu trabalho técnico jornalistico não alterou em hipótese alguma uma relação respeitosa e adulta. Foi um bom encontro, que para uma primeira vez atingiu sua básica finalidade, a troca de experiências e conteúdos. Um único ponto, no entanto, ficou algo à deriva, o famigerado curso de certificação para o nivel I, da ENTB/CBB, no qual técnicos de alta vivência e experiência, inclusive acadêmica, como no meu caso, podem ser afastados das quadras se não o frequentar, numa atitude lastimável e retrógada.
    – Sem dúvida alguma urge a necessidade de um artigo, ou mais, sobre os arremessos, e para tanto me preparo para a publicação de minha tese no formato PDF, e a confecção e veiculação de um video sobre as tecnicas defendidas por mim. Quanto ao apetrecho mencionado, estou terminando os desenhos para publicá-los em um artigo para breve.
    – Minha situação no Saldanha está totalmente entregue às resoluções de sua diretoria para a temporada 2010-11, tanto na formulação da equipe, como na minha continuidade, ambos os fatores restritos ao patrocinio necessário ao projeto.Somente pedi que a equipe fosse mantida em seu todo, e que dois jogadores jovens, um armador, e um pivô, ambos de boa estatura, fossem contratados após uma pequena clinica qualificatória, aberta aos candidatos.Com esse plantel procuraria sedimentar os bons frutos plantados no returno da liga recem finda, assim como implementar novos e promissores conceitos de jogo.
    Como vê Fabio, muito trabalho pela frente, e uma fé enorme em dias melhores. Um abraço, Paulo Murilo.

  8. Basquete Brasil 05.07.2010

    Prezado Fernando, que ótimo saber que duas gerações basqueteiras se juntam para assistir e analisar um jogo final de campeonato, ainda mais se tratando de pai e filho. Concordo plenamente com suas observações, e sugiro humildemente que volte a assistir os dois jogos do Saldanha que veiculei aqui no blog- Vencendo as limitações num grande jogo, publicado em 5/5/2010, contra a equipe do Joinville, e Pensando o futuro-O grande jogo, de 16/4/2010,contra o campeão da Liga, o Brasilia, nos quais toda uma perspectiva de armação dupla de uma equipe é tratada com a objetividade mencionada por vocês. Trata-se da única equipe participante do NBB2 que atuava dentro do sistema de 2 armadores e 3 pivôs móveis, implantado por mim no returno, quando assumi a equipe, demonstrando que podemos jogar o grande jogo de outras formas, e não se somar ao sistema único praticado pelas demais equipes. Espero que seu filho goste da forma como preconizo as ações dos armadores. Um abraço aos dois,
    Paulo Murilo.

  9. Henrique Lima 06.07.2010

    Professor, é mesmo um sonho.

    E infelizmente, a tendência é o desaparecimento de muitos assim como foi o time quarto lugar no Mundial Juvenil de 2007.

    Alguns irão para os EUA tentar a sorte em qualquer universidade, outros irão para a Espanha serem eternamente jogadores de time B,
    isso porque a carreira de muitos deles é extremamente mal conduzida.

    Uma pena.

    Torço como o senhor, por dias melhores dentro de quadra e por decisões mais inteligentes fora dela !

    Um grande abraço !

  10. Henrique Lima 06.07.2010

    E pergunto ao Senhor, me esqueci no ultimo post.

    Se tivessemos os torneios sub-21 no país, toda essa safra não poderia ficar aqui no país mais tempo ?

    Seria util e viavel uma categoria destas ?

    Um abraço

  11. Basquete Brasil 06.07.2010

    Prezado Henrique, e esse pessoal vem falar de renovação, de incentivo à liga para promoverem dois jovens em suas equipes, em não sei mais quantas idéias, quando no fundo só pensam em garantir seus lugares, técnicos e jogadores, num campeonato de muitos e muitos veteranos. Na minha propria equipe encontrei situação parecida, mas tinhamos três jogadores com menos de 20 anos. Para essa temporada farei que joguem mais, que treinem mais, isso eu garanto.
    Quanto ao sub-21, tenho uma idéia um pouco diferente, que seria a obrigatoriedade dessa categoria ser a representante dos clubes candidatos ao acesso à divisão principal, num campeonato realmente voltado à renovação. Assumindo à divisão principal, ai sim, poderiam mesclar com alguns veteranos, já que as exigências técnicas estariam em um outro patamar.Mas continua sendo um sonho, num momento em que a geriatria basqueteira ponteia no mercado das trocas e transferências. Um abraço, Paulo Murilo.

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