A VITÓRIA INCONTESTE (E JUSTA) DE UMA MESMICE ENDÊMICA…

Com um ou dois minutos do segundo quarto de jogo, o Murilo cisma de trazer a bola da defesa para o ataque, quando bem no meio da quadra, ao tentar um corte, se atrapalha com a bola, perdendo-a para o Cipriano, que serve a um Arthur leve e solto numa bandeja inadmissível para uma decisão de campeonato. Foi naquele momento que ficou escancarado o destino final do jogo, no limiar de um segundo quarto, talvez, a decisão mais tranqüila de todos os NBB’s até agora disputados.

E porque tranqüila? Vejamos:

– Apesar da desnecessária, porém habitual enxurrada de bolinhas de três, com a equipe de São José arremessando 5/23, e Brasília 6/26, num jogo que estava sendo decidido dentro do perímetro por parte dos candangos, mesmo assim 20 ataques seus ficaram inoperantes pelas, repito, desnecessárias e aventureiras tentativas, ao passo que pela incapacidade de insistir e forçar o jogo interno, São José, perpetrou 18 tentativas que se perderam pela imprecisão e desmedida pressa ante um placar que se alargava a cada minuto da partida.

– Jogadores viciados nas bolinhas, como Guilherme e Arthur, foram decidir o jogo em precisos DPJ’s, boas reversões, e melhores ainda penetrações por sobre uma defesa temerosa em perder seu melhor jogador com faltas, em dobras imprecisas que deixavam brechas imensas para arremessos curtos e médios, precisos e mais equilibrados, por parte de uma experiente e veterana equipe.  Mesmo com tal vantagem, e como afirmei acima, por puro hábito, tentaram os jogadores da capital, arremessos  completamente fora de um contexto que os favorecia pelas enormes fendas na defesa sanjoanense.

– Outrossim, com uma defesa focada no âmago de seu perímetro, afastando o Murilo da tabela, ou cercando-o nas disputas dos rebotes, inviabilizando-o ofensivamente, e vigiando fortemente o armador Fúlvio, que ao bloquear na altura do peito um arremesso de três do Nezinho, bem no inicio do jogo, viu-se daí por diante motivo de uma ação defensiva e ostensiva por parte do armador candango, como num ajuste de contas pelo bloqueio recebido, intenso e decisivo na inoperância de seu opositor. Com tais ações defensivas, a equipe de Brasília garantiu seus contra ataques precisos e indefensáveis, reinou dentro do perímetro adversário, e só não venceu com mais diferença por ainda não saber estancar uma persistente e crônica hemorragia de três.

Outro fator preponderante nesse jogo foi o absurdo, por exagerado, número de erros de fundamentos, 27, sendo que 17 de São José, o que demonstrou sua imprecisão e nervosismo.

Como nervosismo em uma equipe finalista, e até bem pouco tempo a de melhor produtividade da Liga, como?

Pela ausência de uma consciência tática efetiva para o enfrentamento de uma equipe, que como ela, jogava da mesma forma, agia com semelhantes jogadas, variava ofensivamente com notória previsibilidade, e se utilizava magistralmente da rodagem de seus encanecidos jogadores básicos. A equipe de São José falhou onde não poderia falhar de modo algum, na defesa, na rotação estratégica, e principalmente, na presunção de que um jogo aberto a favoreceria pela notória ausência de contestação dos longos arremessos por parte de um adversário, que, exata e inteligentemente, resolveu contestá-los na decisão, bem lá fora do perímetro, e mais ainda, concentrando seus maiores esforços lá dentro, bem lá dentro de seu garrafão.

Por conta destes aspectos acima relacionados, alguns pontos ficaram bem claros, e mostrados na série de fotos que fiz ( sim, lá estive), que contam um pouco do jogo, mas suficientes na demonstração do quanto variou Brasília em sua forma de jogar ( se utilizou inclusive da dupla armação e jogo interior de pivôs), em oposição à completa ausência de definição tática por parte de uma equipe indecisa e fragilizada por não ousar, criar, e acima de tudo, arriscar sair da mesmice endêmica ( será que se mantêm daqui por diante?) que afasta da formação de base exemplos de como jogar o grande jogo de forma diferenciada, inusitada e criativa, portal que elevaria nossas chances no cenário internacional.

Observemos as fotos:

1 – Inicio de jogo. Ataque linear de Brasília. Notar afastamento do    Murilo no combate direto ao Alírio.

2 – Ataque totalmente aberto do São José, com defensores na Linha da Bola fechando o garrafão, e dobra lateral no Fúlvio, comandados pelo Alex.

3 – Fúlvio eleva erroneamente a bola acima da cabeça, com poucas opções de passe para o interior. Notar o correto bloqueio no Murilo, uma constante em toda a partida.

4 – Ataque interior de Brasília, com os três homens altos e dupla armação fora do perímetro.

5 – No 3º quarto insistência do São José pelo jogo aberto, inócuo e inferiorizado, com seu pivô afastado da cesta. (Desculpar foto desfocada).

6 – Neste 3º quarto Brasília abandona um pouco o jogo interior, voltando às temerárias bolinhas, como essa do Nezinho, o que aproximou o placar em 6 pontos.

7 – Por outro lado, a continua ausência do Jefferson na ajuda ao Murilo nos rebotes, fator determinante na derrota de sua equipe.

8 – Outro momento de ausência de foco interno do São José.

9 – Completa ausência de contestação de um arremesso de três do Guilherme, com seu defensor com os braços completamente arriados, uma constante de toda a equipe no confronto.

10 – Exemplo maior e constante de ausência de jogo interior ante o posicionamento defensivo de Brasília.

11 – A solitária briga do Murilo no rebote. Indesculpável.

12 – Mais uma tentativa de três de São José sem rebote corretamente colocado, outra e determinante constante no jogo.

13 – E mais outra com o Murilo bem contido por um eficiente Alirio, Chico fora e Fúlvio deslocado para uma improvável tentativa de rebote.

14 – Jogo ganho, hora de Brasília emular seu oponente, abrindo seu ataque, prova de sua maturidade e total domínio sobre o sistema único de jogo.

15 – A turma do Basketeria em ação.

16 – O redator aqui exercendo sua inatacável opção de vivenciar o grande jogo.

 

Foi uma vitória inquestionável e justa, da equipe mais experiente e madura, numa competição em que não encontrou um basquete diferenciado que a pudesse derrotar como foi um dia, exatamente por ter se deparado com um no NBB2, onde se sagrou campeã,  e nas competições internacionais onde o sistema único tem galgado uns degraus a mais do que entre nós. Se não nos ajustarmos a essa realidade, já poderemos arriscar a consecução de um tetra para o NBB5, consolidando definitiva, conceitual e irreversivelmente o sistema que tanto nos limita e oprime.

Amém.

Fotos – Paulo Murilo. Clique nas mesmas para ampliá-las.



6 comentários

  1. Rodolpho 05.06.2012

    Professor,

    Até que ponto o senhor acha que a realização da final em partida única prejudicou o nível técnico do jogo?

    Acha que, numa série de 5 ou 7 jogos, poderia haver os famosos “ajustes”, que acontecem na NBA e Europa ou o sistema único e a anarquia estratégica decidiria o campeão?

    Aliás, os dois plantéis tem capacidade (dentro do que atualmente jogam) de assimilar grandes mudanças em 2-3 dias?

    Além dos comentaristas da SPORTV, alguém mais (que o senhor conheça) está satisfeito com o nível técnico do NBB4?

    Por final, o senhor já ouviu, em pessoa, a opinião dos técnicos empregados no NBB, sobre a convergência dos arremessos e falta de disciplina tática no grande jogo?

    E que o NBB5 seja muito melhor. Muito melhor mesmo. Os basqueteiros merecem!

  2. Douglas 05.06.2012

    Olá, professor.

    Excelente explanação sobre o jogo. Parabéns!

    Acrescento que um fator determinante para a reação do São José dos Campos foi uma melhora defensiva interior, aliada a implementação de uma defesa zona 2-3 (se não me falhe a memória), relativamente permissiva, talvez propositalmente, no perímetro da linha dos 3 pontos e que iniciou a sequência de passes lateralizados inofensivos e uma quantidade absurda de pombos sem asa bem parecidos com esse do Nezinho, que o senhor expõe na foto, ao nono segundo de ataque. Impressionante como o time candango tem dificuldade em atacar zonas. Se a equipe joseense mantivesse esta defesa supracitada, talvez mais apertada no perímetro externo para desposicionar e contestar um pouco mais os arremessadores, creio que conseguiriam mudar a história do jogo, apesar de todos os defeitos expostos pelo senhor nesse texto. Parece-me que a equipe candanga entende que, ao defrontar-se com uma defesa zona, é obrigatória a utilização dos chutes de 3, não havendo qualquer outra forma de ataque.

    Por fim, apesar da razão me dizer que teremos um NBB5 tática e tecnicamente igual ao NBB4 (já que o principal representante do jogo externo foi campeão em cima do principal representante do jogo interno, e que perpetuará essa opção de jogo na cabeça de nossos grandes líderes estrategistas), a esperança de dias melhores fazem-me compartilhar do mesmo desejo do nosso assíduo amigo Rodolpho: que seja melhor, pois merecemos ver um basquete merecedor de nossos elogios, e não de nossas críticas negativas.

    Abraços, professor.

  3. Fábio 07.06.2012

    Prof. Paulo!

    Parabéns pela análise, sempre com precisão cirúrgica.

    Obrigado pela oportunidade de bater um ótimo papo sobre basquete, ficaria dias conversando com o senhor e ainda seria pouco.

    As lições de vida e de basquete são pra sempre, a admiração pelo seu trabalho e suas idéias também.

    Só peço saúde a nós todos pra seguirmos firmes rumo a essa visão diferente sobre o grande jogo.

    Saúde e um grande abraço, conte comigo sempre, professor

    Fábio Aguglia
    São Paulo

  4. Basquete Brasil 07.06.2012

    Por partes Rodolpho: -Quando participei do primeiro congresso de técnicos da LNB, o assunto jogo único veio à pauta, e por email à mesma sugeri que os dois finalistas das duas chaves de quatro equipes que participaram de seus playoffs ( como o foram este ano)disputassem um derradeiro playoff para decidir o mando de quadra no jogo final (exigência da Globo), no que considerei, devido às circunstâncias, uma boa solução adaptada às mesmas, pois teriamos um playoff (preparatório?)onde os tais “ajustes” seriam feitos, quanda ai sim, numa bandeja, ofereceriamos à poderosa emissora um jogo realmente final e muito bem embalado…para presente.
    – Para que perguntar sobre convergência a técnicos que a defendem unanimemente? Não costumo perder tempo com eles, somente sinto não me ser permitido enfrentar a todos, e sem convergências…
    Um abraço, Paulo Murilo.

  5. Basquete Brasil 07.06.2012

    Prezado Douglas, seu comentário basicamente complementa o meu próprio, confirmando o quanto de precariedade envolve decisões de nossos “estrategistas”. Sem dúvida alguma continuaremos a trilhar os caminhos da mesmice, com minimas oportunidades de mudanças. Essa é a nossa mais triste realidade.Mas temos que ir em frente, apesar dos pesares.

  6. Basquete Brasil 07.06.2012

    Sei que posso contar Fabio, assim como outros técnicos tão jovens como você, e espero ter a oportunidade de juntá-los um dia em torno, não e uma mesa, e sim de uma idéia lúcida e renovadora, sabedor, que sei da estratégica importância representada em vocês. Essa a minha grande esperança, a minha grande confiança em dias melhores para o grande jogo. Um abraço, Paulo.

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