MUDOU O JOGO, OU…
(…) o basquete não pode ser dividido, fatiado. Você avalia se um atleta é bom pelo que ele produz dos dois lados da quadra, tira a média e pronto.(…), trecho de uma postagem do Fabio Balassiano justificando a desigualdade ofensiva e defensiva do Huertas agora no Lakers.
Desculpe o jornalista, mas o “não pode ser dividido, fatiado” é premissa severamente discutível, pois o basquete tem de ser dividido, é dividido em ações defensivas, fatiadas em individuais e coletivas, da mesma forma que as ofensivas, inclusive para ser ensinado, basicamente fundamentadas na premissa primordial, de que se trata de um jogo coletivo de ataques e defesas, no qual indivíduos bem preparados, treinados, se defrontam física, mental e psiquícamente em busca de um resultado que, ai sim, refletirá suas prestações nos dois lados da quadra, que quanto mais equânimes técnica e taticamente forem, mais se aproximarão de um desfecho favorável, e onde tiradas de médias produtivas individuais falsearão o resultado almejado, quando um ou dois elementos bons “lá na frente” e medíocres, falhos “atrás”, jamais serão compensados pelos seus companheiros, por melhores que sejam. Técnicos de alta qualidade (mesmo…) sabem muito bem tirar partido dessas desencontradas médias, como estamos fartos de testemunhar quando os enfrentamos na alta, verdadeiramente alta competição, ponto…
Um outro comentário do Marcel em seu blog, descortina um pouco do que vem ocorrendo com a influência Curry na NBA, e no mundo, por que não, valendo muito seu testemunho de grande arremessador que foi:
(…)Esse negócio do Curry chutar com 43% de mais de 8 metros de distância é o que os norte-americanos chamam de “curve ball”, ou seja, alguma coisa que ninguém estava esperando.
Stephen, que já estava fazendo das suas na temporada passada, nesta realmente pegou todo mundo com as calças nas mãos.
Muita gente me pergunta se ele trouxe de volta o basquete “de um passe e um arremesso” que minha geração perpetrou com vantagens inusitadas.
Um certo revanchismo pairou no ar, mas não é nada disso. Curry criou um novo jogo.
O basquete tinha virado um esporte de isolamento, com jogadores altamente especializados.
Uns controlavam o jogo e mantinham a posse de bola até o último instante.
Outros, especializados no P&R, passavam o tempo todo a procurar alguém para fazer um corta-luz.
Reboteiros nascidos assim, pouco se importavam com outra coisa senão irem atrás da bola assim que ela fosse arremessada.
Tudo isso regado a jogadas e sistemas que mais que valorizarem, justificavam essas especialidades. Ao passar a linha de meio campo e se tornar uma ameaça real à defesa, Curry abre o campo e facilita o sistema de jogo de sua equipe, além deixar a defesa adversária sem opção “estudada” previamente.
Sim, afirmo e pergunto: Como defender um jogador assim? A NBA se especializou em buscar jogadores com físico privilegiado e especializá-los em alguma das categorias já citadas acima.
Curry não é nada disso.
Quem vence manda.(…)
Bem, cabe aqui algumas reflexões, a começar pelo fato inconteste de que retrata em detalhes o sistema único que tanto reprovo, repetitiva e incansavelmente reprovo, mas ressalvo que os fatos apontados na armação prolongada, a busca incessante dos picks, a ação lixeira dos reboteiros na busca das sobras dos arremessadores, ah, os arremessadores, os longos arremessos, que ele próprio confessa ter pertencido a uma geração que os “perpetrou com vantagens inusitadas”, são frutos de uma formação de base, após esse período que vivenciou, pecando exatamente pela especialização, onde, por exemplo, um(a) adolescente de elevada estatura era restrito(a) aos rebotes e sobras, situação que enriqueceu muito currículo daqueles que mais tarde vieram a dirigir a elite, que sempre foi seu objetivo, salarial inclusive, do que formação de base, trabalhosa e que exigia, exige e sempre exigirá muito estudo, pesquisa, árduo trabalho e, acima de tudo, talento e competência…
O Curry, parece que vem reabilitar o “passe e um arremesso”, no que discordo, pois domina uma arte precisa e sofisticada, que inclusive comentei aqui recentemente, arte essa restrita a uns poucos, muito poucos, e que foi exercida com brilhantismo pelo comentarista, hoje também na TV, mas que infelizmente está adotando o comportamento festeiro da turma midiática, que nada acrescentará de realmente importante e decisivo ao grande jogo nesse terrível estágio em que se encontra, a continuar nesse caminho…
E foi indisfarçável o constrangimento nos comentários da turma do Sportv durante a derrota do Warriors para o Lakers, onde o Curry foi correta e severamente marcado, com um defensor fungando em seu cangote por todo o tempo, demonstrando que “toda evolução ofensiva gera sempre outra defensiva”, fator primordial ao progresso do grande jogo, em todo o lugar em que for praticado com dedicação e comprometimento mesmo entre equipes em pontas opostas na tabela…
Um outro exemplo defensivo contra a artilharia exterior foi a derrota inconteste do gatão(30 anos?…) LeBron para a “esfacelada equipe dos Grizzlies, “onde defender dentro e fora do perímetro se fez presente por toda a partida, provando que contestação enérgica limita em muito a sede pelos longos arremessos, remetendo para dentro do perímetro a decisão de uma partida equilibrada, exemplo que é muito pouco levado a sério em nosso país, onde a cada dia que passa mais especialistas “lá de fora” aparecem, sob o amparo dos estrategistas em permanente plantão, senão vejamos:
Como analisar por qualquer parâmetro que se escolha um jogo tido como “brilhante, empolgante, altamente técnico”, como o disputado entre Mogi e Brasilia quando foram disparados 68 (68!!!) arremessos de 3 (8/38 para Mogi e 10/30 para Brasilia), contra 23/39 de 3, e 16/32 de 2 respectivamente, e 31 erros de fundamentos (11/20), numa inconcebível autofagia de bolinhas irresponsáveis, mas que foi decidido por um jogador atuando “dentro” do perímetro no quarto final, como respondendo positivamente à insânia que se instalou nos três quartos anteriores, inclusive por ele mesmo com seus 1 / 6 arremessos de três, e que bem espelha a formação de base que a maioria dos jogadores tiveram, equivocada e profundamente falha, onde a convergência toma ares de uma catástrofe que poderá nos criar grandes problemas na olimpíada caseira, Shamell venceu o jogo num momento de clarividência, atuando em oposição ao que ele e sua equipe vinham fazendo, assim como seu adversário, numa “chutação” desenfreada que surpreendia até o comentarista da TV, o emblemático Marcel…
Enfim, foi uma semana repleta de “causos”, nem sempre agradáveis, mas que elucidam, aos poucos, a real situação em que nos encontramos, uma profunda fenda nos separando de uma história rica em conquistas, a uma realidade ambígua e descerebrada, fruto de um corporativismo , que a ser continuado, sem dúvida alguma, nos levará para bem mais fundo de um poço que parece não ter fim, não só pelo nefasto e perene aspecto administrativo, mas muito, muitíssimo mais pelo aspecto técnico, responsável direto por tudo que aí está graniticamente implantado…
Temos saída? Somente se implantarmos didaticamente uma profunda reforma no ensino do grande jogo na formação de base, orientado e gerido por quem realmente domina as sutis nuances do mesmo, por quem domina a arte do ensinar a ensinar, criativa e democraticamente falando, para num médio longo prazo alcançarmos um patamar de excelência que nos permita voltar ao que eramos, ao que sempre fomos, e não esse pastiche que nos afoga e denigre…
O Curry não mudou o jogo, assim como Jordan e LeBron não o fizeram, honra esta somente estabelecida por Hank Luizetti da Stanford University, que em 1936 mudou o jogo por completo ao incluir o Jump Shot em sua história. Jordan e LeBron, e agora Curry somente expuseram maravilhosas técnicas e habilidades, mas que jamais alteraram as básicas regras iniciadas e implantadas por Naismith em Sprigfield no inverno de 1891. Luizetti foi a única exceção.
Amém.
Fotos – Reprodução da TV, e do Wilkpedia. Clique nas mesmas para ampliá-las.