EM SE TRATANDO DE COMANDO…

Estratégia de véspera compartilhada com comissão é válida? Funciona? Claro que não…

Sim, sem dúvida, a Letônia nos venceu convergindo seus arremessos com 22/33 nos 2 pontos (66.7%), e 16/33 nos 3 pontos (48.5%), e de quebra 12/12 (100%) nos lances livres, números alcançados em conformidade ao seu preciso jogo coletivo, dentro e fora do perímetro, criando condições de arremessos não forçados próximos da perfeição, tal a coordenação exibida em sua movimentação ofensiva, onde todos os jogadores se deslocavam permanentemente, com e sem a bola, abrindo generosos espaços para conclusões precisas e letais. Defensivamente, exerciam um frenético combate individual, com coberturas magistrais, onde as contestações se fizeram presentes por todo o jogo, provocando números insuficientes para equilibrarmos a partida a partir do terceiro quarto, quando deslancharam para a vitória de 20 pontos de diferença…

Começamos bem com intensa movimentação, resistindo por somente dois quartos, por falta de treinamento forte e prolongado. Conceitos de jogo não são mudados e fixados de véspera…

Arremessamos 22/40 (55%) bolas de 2 pontos, 7/24 (29.2%) de 3, e 19/24 (79.2%) em lances livres, percentuais muito aquém do exigido para uma partida daquele nível, pegamos 36 rebotes (foram 26 para os lituanos), e erramos 11 fundamentos contra 6, logo desperdiçando a vantagem reboteira. Pecamos pela imprecisão nos arremessos, forçados pela sufocante defesa, e não respondemos na mesma moeda, exatamente por não possuímos um domínio dos fundamentos básicos similar ao apresentado pelos letões, principalmente na técnica defensiva, e dos arremessos, curtos, médios e longos, que coroavam um vasto domínio no conceito de equipe coesa, solidária e profundamente comprometida com um altíssimo grau de criatividade e improvisação consciente, fatores de tal complexidade, que somente podem ser alcançados com treinamento pesado, constante e rigorosamente detalhista, onde o perfeccionismo tem de ser o objetivo buscado com dedicação a cada sessão de treinamento…

Ataque interior letão, exemplo não seguido por nossa seleção, que optou pelas falhadas bolinhas…

Sempre propugnei  por uma radical mudança em nossa forma de jogar o grande jogo, começando pela formação de base, a fim de procurarmos  formas diferenciadas de praticá-lo, abrindo mão do sistema único que nos tem prejudicado no cerne de muito tempo para cá, nos levando ladeira abaixo, como neste mundial. Na véspera do jogo contra o Canadá, salientei a necessidade de mudarmos algo para enfrentá-lo, como diminuir a chutação inconsequente de fora do perímetro, incentivar uma movimentação dos homens altos  mais presente dentro do mesmo, lutando pelos preciosos rebotes, e uma defesa a mais contestatória possível aos longos arremessos. A comissão técnica, após a vitória revelou sua estratégia, desacelerar o jogo, como o maior motivo para a boa e convincente vitória. Então veio o jogo contra a Letônia…

Cesta final de três pontos da Lituânia, com posicionamento interior postado…

O que se viu não deve ser esquecido por um longo tempo, o suficiente para honesta e humildemente tentar algo para nos aproximarmos dessas equipes que ousam peitar a maior liga do mundo, cujos vencedores se intitulam arrogantemente campeões mundiais, mas que ontem mesmo perderam para uma Lituânia vizinha fronteiriça com a Letônia, tão brilhante quanto ela, na prática de um basquetebol bem mais evoluído do que a mesmice endêmica que se apossou globalmente de todas as nações praticantes, e que agora se vêem ante algo de novo, inusitado, crescer cada vez mais no cenário mundial, o Steve Keer que o diga…

Desde muitas décadas em que me inseri no grande jogo, estudei, ensinei e orientei equipes e jogadores no sentido contrário ao sistema único, solidificando a dupla armação (ontem ridicularizada, hoje adotada por todas as franquias), e a utilização de três homens altos atuando dentro do perímetro (mais um pouco e estarão todos empregando) em constante movimentação, priorizando as curtas e médias finalizações, e utilizando os longos arremessos como complementos do sistema, jamais como prioridade do mesmo. Aos poucos muitos técnicos passaram a adotar a dupla armação, forma mais segura e confiável na levada da bola, e no apoio direto aos homens grandes enfiados no perímetro, otimizando os arremessos, o tempo disponível a cada ofensiva, para de 2 em 2 , e 1 em 1 pontos, estabelecer robustos placares, tendo como alternativa complementar os longos arremessos, jamais prioritários…

Lituânia, Letônia, Sérvia atuam declaradamente dessa forma, e por conta disso vem obtendo ótimos resultados neste mundial…

Nossa seleção cometeu graves erros, como relacionar jogadores que pouco ou nada jogaram, sequer um minuto, como no caso do Filipe, e um Felício nitidamente fora de forma, em detrimento de outros futurosos esquecidos em convocações equivocadas ou parciais, assim como armadores veteranos que bem poderiam ceder espaço a outros mais jovens que por aqui ficaram, enquanto seleções gabaritadas os apresentavam na faixa dos 20 anos, ou menos, com excelentes resultados…

Convocar um jogador por ter 2,18 m e não acioná-lo por um minuto sequer, fica parecendo uma vitrine para impressionar, lamentável…

Devemos sempre lembrar que, para mudar formas de jogar, substituindo sistemas enraizados por longuíssimo tempo, um correlato tempo se torna necessário para implementar novos rumos, novas concepções de jogo, que devem ser desenvolvidas primordialmente na formação de base, como, só para exemplificar, o veto a defesas zonais até a idade de 15 anos, o aumento de posse de bola dos atuais 24 seg para 30, e a validação de somente 2 pontos para qualquer arremesso de quadra, para a mesma faixa, aspectos técnicos que em muito aprimoraria o sentido defensivo dos mais jovens, assim como o ofensivo, quando priorizariam o jogo interno, a eficiência dos arremessos curtos e médios, e o sentido coletivista, solidário e cúmplice do grande jogo…

Enfim, muito ainda por fazer, criar mesmo, desenvolver e ensinar uma modalidade desportiva riquíssima em elementos educacionais e sociais, valores hoje tão esquecidos em nossa sociedade, em vez de nos apresentarmos com mudanças estratégicas de véspera, sem o mais comezinho tempo de fixação, quiça compreensão de como e quando utilizá-las com um mínimo de competência e firmeza. Convicções se estabelecem durante um longo período de esperimentações, estudo e muito suor derramado em exaustivos treinos, jamais através uma prancheta de véspera, daí a “responsabilização coletiva” de uma comissão técnica, quando tal e vital responsabilidade deverá ser sempre de um comando, solitário e decisivo comando, verdadeiro nascedouro de robustas e estratégicas convicções, pois todo comando é indivisível, quando muito delegando ações, pequenos detalhes, nada mais…

Sem a menor dúvida precisamos do apoio e compreensão dos deuses, pelo menos aqueles que apreciam um grande, grandíssimo jogo, para inspirarem os poderosos dirigentes na correta e justa escolha de seus comandantes, principalmente na base,  aqueles verdadeiros e experientes comandantes, e não aspirantes atemporais e em alguns casos, oportunistas com Q.I. elevado…

Amém.

Fotos – Reproduções da TV. Clique duplamente nas mesmas para ampliá-las.



2 comentários

  1. João 05.09.2023

    Treinador..parabens pelo seu comentário..e como o Senhor diversas vezes vem colocando, se não houver uma mudança significativa na estrutura do ensino/treinamento e a introdução da tão necessária concepção coletiva de atuação dentro das categorias de base do basquete brasileiro infelizmente fica muito difícil vislumbrar alguma possibilidade de chegar no futuro, ao podium dos vencedores de alguma Copa do Mundo ou Olimpiada para a seleção principal…abraço e muita saúde.

  2. Basquete Brasil 05.09.2023

    Obrigado prezado João, e esperemos que algo de muito positivo venha socorrer nosso indigitado basquetebol, que se já não bastasse a triste situação por que passa, ainda tem de conviver com a briguinha entre CBB e LNB, num embate gigantesco de inflados egos e decisões absurdas, que somente servirão para empurrar mais um pouco a modalidade para o fundo do buranco em que todos, todos os envolvidos lançaram o grande jogo, e sem perspectivas de soerguimento se mantida a situação em que se encontra. Infelizmente cairam todos nas armadilhas da NBA e das empresas de apostas desportivas, onde o imperio da grana graúda se move próspero e inatingível.
    Paulo Murilo.

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