ANATOMIA DE UM ARREMESSO III

Nos dois artigos anteriores sobre a anatomia de um arremesso, pudemos conceituar alguns princípios de controle direcional da bola, através o domínio do eixo diametral determinado no momento da soltura da mesma em direção à cesta. O posicionamento dos dedos polegar e mínimo em paralelo ao nível do aro, e eqüidistante dos bordos externos do mesmo, garantindo por projeção o idêntico posicionamento do eixo diametral da bola, estabelece o correto direcionamento do arremesso, em concordância com os dois outros fatores inclusos, a força e a trajetória. Aos demais dedos cabe a aplicação progressiva de força e aceleração, fazendo com que a bola gire inversamente em torno do eixo diametral estabelecido à partir daquele momento. Quanto mais distante da cesta, mais estes princípios de direcionalidade se tornam críticos, pelos mínimos desvios angulares responsáveis por imprecisões no lançamento.No entanto, sejam arremessos longos ou de media e curtas distancias, um outro fator se estabeleceu entre nós como de relevante importância, a estética do arremesso, onde o corpo e membros inferiores e superiores deveriam se manter em total equilíbrio estável, num todo harmonioso e elegante. Claro que nos longos arremessos este posicionamento poderia até estabelecer poucos desvios de trajetória e direção, mas nas medias e curtas distancias, principalmente nos arremessos após paradas bruscas e em total elevação, dificilmente os equilíbrios corporais se manterão sob controle, fator que para muitos tornam restritivas as tentativas nestas condições. Mas é exatamente neste ponto que o domínio do eixo diametral se torna fundamental, pois permite que se façam lançamentos precisos mesmo nas piores condições de equilíbrio corporal, bastando que se desenvolva a habilidade de manter o eixo sob controle direcional, em obediência aos princípios abordados e explicados anteriormente. Para ilustrar esse domínio, escolhi um arremesso curto em um dos jogos das finais da NCAA dessa temporada( fig.1), onde podemos observar que o eixo vertical x-y, que passa pelo centro de gravidade do jogador, situado na região pubiana, em ângulo reto com o solo, determina o grande desequilíbrio espacial do mesmo, mas, que mesmo assim, os dedos polegar e mínimo (fig. 2) se ajustaram nos princípios de direcionamento ( a-b), mantendo o eixo diametral paralelo ao nível do aro(c-d).

Dessa forma, afasta-se a necessidade do equilíbrio perfeito e estético como fatores necessários ao correto direcionamento da bola, e dá-se lugar ao posicionamento da mão impulsionadora como responsável pelo mesmo, não importando o posicionamento do corpo quanto ao equilíbrio espacial. São fatores que subvertem bastante certos princípios arraigados nas rotinas de treinamento da maioria de nossos técnicos e jogadores, que se bem orientados e com um bom conhecimento de causa poderão incutir e desenvolver maiores recursos de arremessos , mesmo que não muito ortodoxos. Acredito que valha à pena treinarmos tais tipos de arremessos, quando muito na tentativa válida de acrescentarmos recursos de controle e domínio de bola em sua sempre enigmática trajetória para a cesta. Sei que vale, pois muito os treinei e ensinei, com excelentes resultados. Tentem também, pois os arremessos conscientes passam pelo completo conhecimento de seus princípios e comportamentos espaciais.

ANATOMIA DE UM ARREMESSO II

Das etapas do All Stars somente uma me fez curioso e paciente para assisti-la, a dos arremessos de três pontos, talvez a única que se possa captar algo de real interesse para a modalidade. As demais foram puro circo e a mais absoluta falta do que fazer. Mas como gera muito dinheiro em divulgação e publicidade, continuam as gaiatices e encontro de compadres.

Um jogador relativamente modesto para os padrões da NBA, Jason Kapono venceu o torneio, convertendo 24 tentativas na segunda rodada. Mas o que me chamou mais atenção foi seu domínio no direcionamento da bola, com um elevado controle de seu eixo diametral, fator determinante no grande número de acertos. No artigo Anatomia de um Arremesso que publiquei em 2/11/2006, analisei um arremesso do jogador Marcelinho sob o ângulo de sua empunhadura na bola, e conseqüentes desvios que a mesma sofreria pela errônea colocação dos dedos em sua superfície no momento do lançamento.Vale à pena dar uma olhada nesse artigo(http://paulomurilo.blogspot.com/2006_11_01_archive.html), como um preâmbulo do que passo a exemplificar.

Recordemos um principio de direcionalidade no arremesso de basquetebol- “Quando a bola sai da mão do arremessador, o faz girando inversamente em torno de um eixo diametral qualquer. Se este eixo se mantiver paralelo ao nível do aro e eqüidistante de seus bordos externos, a direção estará próxima da perfeição, fator determinante para que as demais varáveis intervenientes na ação, tais como força e trajetória, determinem o sucesso do arremesso”. E esse eixo é determinado pela colocação dos dedos na bola no momento final do lançamento. Vejamos então a figura 1, onde constatamos que os dedos polegar e mínimo, responsáveis pelo domínio do eixo diametral, se aproximam dos demais dedos, aqueles que são os responsáveis pela aceleração da bola, quando de suas flexões em direção à palma da mão. Na figura 2, pela determinação gráfica do eixo diametral (a-b) da bola e do alinhamento(c-d) do polegar e mínimo com o mesmo, estando esse alinhamento paralelo ao nível do aro, deduz-se que a bola estará bem direcionada à cesta, fator determinante para o sucesso da tentativa. Nesse tipo de empunhadura, ou pega, a posição dos dedos em nada se assemelha ao corriqueiro principio de espalmar os dedos sobre a bola, com a maior amplitude possível, que é o princípio maciçamente ensinado pela maioria de nossos técnicos, principalmente nas categorias de base. Esse posicionamento do polegar e mínimo empregado pelo Kapono, obrigará que o toque final dos demais dedos na bola obedeçam duas tendências, a saber: A- Os dedos indicador e médio serão os impulsionadores finais, pois de uma forma natural estarão dispostos na superfície da bola ao final do lançamento, mas com menos autonomia de força. B-Com uma retração do dedo médio, colocando-o no mesmo nível do indicador e do anular, a concentração de força será exercida por três dedos, e não por dois como no exemplo anterior. Pela análise da foto pode-se deduzir com pequena margem de erro, ter sido esta a pega utilizada pelo jogador do Miami Heat, assim como o desfoque de letras e ranhuras na superfície da bola demonstra ter sido a mesma imbuída de uma uniforme aceleração no transcorrer do processo de lançamento. Essa concentração a mais de força é muito bem vinda para os longos arremessos de três pontos, mas exige de quem o executa uma grande margem de adaptação anatômica e longo treinamento.

Como vemos por mais uma vez, ser especialista nos três pontos não é para qualquer um, como vem acontecendo comumente entre nós, onde jogadores que sequer sabem definir quais dedos utilizam no momento da soltura da bola, se colocam como especialistas na arte do arremesso.E o pior, com o aval de seus técnicos, não muito interessados nessas insignificantes minúcias de dedos e eixos.Para eles, a fabulosa prancheta resolve esses e todos os demais problemas.Que fiquem os teóricos com essas bobagens. Amém.

ANATOMIA DE UM ARREMESSO

Fala-se muito na precisão nos arremessos de lance-livre, no de dois pontos, e principalmente nos de três pontos. Desde que Mortimer( 1951 ) provou em seu estudo clássico que um desvio de 2 º no momento de um lançamento de lance-livre fazia com que a bola sequer tocasse no aro, que técnicos e estudiosos do mundo inteiro fizessem pesquisas sobre o controle de direção de um arremesso à cesta, mas quase sempre focados nos movimentos, estilos, alavancas, força e equilíbrio por parte do jogador que lançava. Muitos raros são os estudos que analisam o comportamento da bola em sua trajetória após serem aplicados em sua superfície as variáveis acima enumeradas, e quase sempre sob um simples exercício de observação visual, sem correlações associadas ao desempenho do arremessador.

Em 1992, Iracema, em seu trabalho “Estudo sobre um efetivo controle da direção do lançamento com uma das mãos no basquetebol”, defendeu a tese de que o correto direcionamento da bola em sua trajetória à cesta, dependia basicamente das ações exercidas pela mão impulsionadora em sua superfície, no momento final da soltura, fazendo com que o giro inverso da mesma em torno de um eixo diametral determinado ao final do movimento impulsionador, o mantivesse o mais paralelo possível ao nível do aro, e o mais eqüidistante possível dos bordos externos do mesmo.

Claro que os tipos de “pegas” efetuados das mais diversas maneiras pelos jogadores, influenciariam decisivamente no direcionamento final da bola. Dedos, como o indicador, médio e anular, sozinhos ou agrupados, ao ser(em) o(s) último(s) a tocar(em) na superfície da bola determinaria sua direção final, tendo a complementariedade dos dedos polegar e mínimo, responsáveis pelo paralelismo do eixo diametral da bola gerado ao final do arremesso, com o nível do aro. Como vemos, o ato de arremessar vai muito além do aspecto estético e dos alinhamentos nos diversos segmentos de alavancas do corpo e dos membros, assim como o “instinto matador” que muitos se auto-determinam na arte de arremessar.

Para exemplificar reproduzo uma foto publicada no site Rebote do jogador Marcelinho, excelente arremessador de três pontos, mas que poderia ser bem melhor se fossem corrigidos alguns aspectos em sua empunhadura, principalmente no momento final da soltura da bola.

Nas imagens 1 e 2 abaixo, observemos que o posicionamento final dos dedos polegar e mínimo provocam um segmento de reta ( cd ) desalinhado com o eixo diametral ( ab ), o que provocou uma aplicação de força na aceleração da bola mais intensa no dedo indicador, mesmo que os outros dedos se mantivessem em contato com a bola, fato dedutível pela maior largura do ponto( e )com relação ao ponto( f ), provocado pela distorção de uma das ranhuras na superfície da bola naquele ponto em que a aceleração se fez mais presente. Certamente o direcionamento desse arremesso sofreu desvios consideráveis, o que não ocorreria se ambos os segmentos de reta estivessem em plano paralelo, fazendo com que os dedos impulsionadores aplicassem uma força conjunta e bem distribuídana superfície da bola., o que exigiria um estudo de caso aprimorado, provocando algumas mudanças anatômicas na pega costumeira.

Infelizmente, essas correções não são levadas em considerações mais profundas e detalhadas, provocando o sempre crescente aparecimento de “gênios dos arremessos de três pontos”, incluindo-se até mesmo os pivôs, como vem acontecendo ultimamente.

A precariedade técnico-tática de nosso basquetebol, preso na camisa de força de um único sistema de jogo, adiam os tão necessários estudos dos fundamentos, já que a panacéia do sistema padronizado e globalizado parece que satisfaz tanto a técnicos, como jogadores, lançando para trás as verdadeiras bases do jogo, os fundamentos.O que hoje aqui foi exposto, é uma mínima, porém importante, faceta desse apaixonante, difícil e extraordinário jogo, o grande jogo, e que exige muita dedicação e estudo. Então minha gente, estudem.

Bibliografia:

Mortimer, Elizabeth M., “Basketball Shooting”, Research Quarterly,XXII May, 1951.

Iracema, Paulo M.A., “Estudo sobre um efetivo controle da direção do Lançamento com uma das mãos no basquetebol”, Dissertação apresentada Com vista à obtenção do grau de Doutor em Ciências do Desporto, na Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa, Em 1992.