IN VINO VERITAS

Para entrar no clima, fui até a cozinha e coloquei no microondas um desses saquinhos de milho para pipocas. E ele cresceu e entornou de uma tigela gigante, acompanhada de uma lata de coca-cola, isso mesmo,a seiva sagrada de todo americano que se preza. Atenuei a luz da sala e me coloquei em frente da telona para assistir, endeusar e degustar, junto às pipocas é claro, o maior espetáculo da terra, aquele que desencadeia na maioria de nossos sites um caudal de delirantes comentários, detalhadas pesquisas e discussões apaixonadas, culminadas com opiniões e sugestões aos técnicos… de lá, pois os daqui, pobres coitados, não têm o cacife promocional e financeiro necessário para pertencer a tão seleto e sagrado clube. Laudas e laudas são gastas nesse oráculo colonial a que somos submetidos por uma jovem geração de bons, porém descompromissados colunistas, antenados e escravizados pela cornuópica e devastadora NBA.

E vamos ao jogo, mas que jogo? Tento entender os porquês de tantas e acrobáticas penetrações, principalmente por parte do Parker, do Ginóbili e do “menino” Lebron. Com os olhos aguçados e treinados por mais de 40 anos de quadra, observo quão falaciosas são as coberturas a que são submetidos aqueles cracaços em suas fulminantes arrancadas. Nunca em tempo algum um jogo coletivo ofereceu tantas atenuantes defensivas no intuito de facilitar e promover o espetáculo. Chegam às raias do ridículo as tímidas tentativas de quadris para tentarem as mudanças de direção do atacante que penetra, onde as leis que regem as flutuações somente os

beneficiam , existindo, inclusive uma área dentro do garrafão em que os defensores não podem permanecer por mais de 3 segundos. Mas na hora dos tocos, aí sim, o pau canta, para delírio da turba ensandecida. Engraçado, nos torneios internacionais esses mesmos jogadores jamais repetiram tais jogadas, e porque ? Porque o principio do puro 1 x 1, o que propicia o espetáculo circense bate de frente com a também pura realidade da defesa coletiva, assim como o bloqueio físico próximo à cesta encontra nas regras da FIBA um conceito de contato muito diferente do adotado pela NBA. Mesmo assim, uma equipe, como os Spurs, se sobrepõe à do Cavs por um simples e decisivo diferencial, tem mais artistas, mais experientes, mais rodados, e por isso mesmo mais de acordo com o modelo de basquete que praticam. Sim, outro basquete, com outras regras, outros princípios, outros interesses, basicamente o maior e mais esmagador de todos, o financeiro.

É estarrecedor constatarmos ali, nas imagens que invadem a sala, a quantidade de pífios jogadores que, num entendimento com um mínimo de coerência, não fazem jus aos montes de dólares que ganham. E o pior, arrastando para sua órbita o que de melhor o mundo tem produzido para o basquetebol, obrigando-os à pratica de um jogo que não sabem desenvolver, após aprenderem e se notabilizarem em um outro bem diferente. Mas o peso dos muitos dólares mudam, não só as cabeças, como as silhuetas atléticas e bem equilibradas, substituindo-as por uma massa disforme e criminosamente inchada, cujas constatações correm o mundo em milhares de fotos e vídeos reveladores. Muitas seleções nacionais têm sido desfalcadas pela ameaça dos anti-dopings nos campeonatos internacionais, pratica tolerada, e por isso praticada amiúde nas equipes profissionais dos irmãos do norte. Não é atoa que as comissões que combatem tais praticas no senado americano rapidamente se aproximam da NBA, como já o fizeram na NFL e nas ligas de beisebol.

E o jogo, quilométrico se arrasta madrugada à dentro, previsível e de gosto mais do que duvidoso. Vence o mais rodado, o mais acostumado às oscilações de uma liga que se insinua pelo mundo como a deificação do grande jogo, como se o mesmo encontrasse nela seu principio, seu meio, seu fim.

Mas o que acabou mesmo foi a pipoca, companheira dos teimosos cochilos que me assaltaram, como uma providencial fuga de um engodo que me nego energicamente a aceitar, pois professo outro tipo de competição, com regras definidas e aceitas em todo mundo, exceto, lá. Mas algo de bom ocorreu, no esquecimento da lata de coca-cola, substituída alegremente por uma pequenininha taça de vinho tinto, do vale do São Francisco, que degustei com comedido prazer, salvando uma noite que parecia irremediavelmente perdida. Amém.

PRECISAMOS TANTO…

Foi um duelo sem muitos atrativos, por ser desigual. De um lado a equipe do Flamengo atuando no mais puro e indestrutível sistema de um armador, dois alas lançadores e dois pivôs de pouca mobilidade e sempre situados do lado da bola. No outro, a equipe de Franca, com um desenho tático semelhante ao da equipe rubro-negra, mas atuando com três armadores nas posições fora do perímetro e dois pivôs em permanente movimentação dentro do mesmo, exceto em alguns momentos do pivô Estevan, que numa noite pouco produtiva teimava nos embates 1 x 1, deixando o restante da equipe em compasso de espera, quebrando sua principal característica, a movimentação frenética nos passes, nas fintas e nas penetrações. Nesses momentos, a equipe da casa conseguia se aproximar no placar, mas não o suficiente para uma virada decisiva. Como em todas as suas partidas após a ciranda sul-americana e do campeonato paulista, deslanchou no quarto final, quando manteve em quadra sua formação básica, aquela descrita no inicio desse artigo. Em determinado momento desse quarto decisivo, o comentarista do SPORTV mencionou o fato do técnico do Flamengo não ter colocado em quadra mais um armador para ajudar o excelente Fred, tanto na armação como na defesa, contrabalançando os dois armadores de Franca. Acontece que ele teria de lançar dois, já que Franca contava com três em quadra. Nossos comentaristas ainda teimam em considerar uma temeridade jogar com dois armadores, presos que estão ao modelo estratificado entre nós e que se tem mantido, inclusive, sob os auspícios e aprovações dos mesmos. O técnico de Franca não inovou esse enraizado sistema de jogo, basta se constatar sua armação em quadra, mas sim, dinamizou-o com a utilização de jogadores mais aptos nos fundamentos, seus habilidosos armadores, mantendo somente um ala, o veterano Rogério que muito melhorou suas prestações nos fundamentos, mas que ainda muito poderia melhorá-los. As demais equipes, ainda se apegam aos alas tradicionais, bons arremessadores, mas incapazes de se rivalizarem nos passes, dribles e fintas com a ótima safra de armadores que se desenvolvem entre nós. No momento que forem preparados convenientemente nos fundamentos, teremos boas probabilidades de nos soerguermos no plano internacional.

Quanto aos pivôs, na medida em que mudemos nossa forma de jogar, privilegiando a velocidade nos deslocamentos junto à cesta, num rodízio que desloque permanentemente os defensores, propiciando recepções de passes em movimento, ações estas que só poderiam ser exercidas por jogadores ágeis e atléticos, antíteses das massas lentas e disformes que alguns ainda teimam em utilizar, poderemos afirmar que estaremos no limiar de uma nova e vencedora fase do nosso basquetebol. Até lá, teremos de nos contentar com a mediocridade reinante, mas torcendo que nossos técnicos se rebelem do ferrolho a que estão presos, e comecem, como o técnico de Franca a ensaiarem novas concepções de jogo, mesmo que sejam, inicialmente, adaptações do que vêm professando nos últimos vinte anos. Inteligentemente ele declara que para cada jogo estuda e desenvolve uma estratégia condizente ao adversário que irá enfrentar, mas na hora do vamos ver, geralmente no quarto final, são seus três armadores que definem as partidas, fator que por si só já estabelece uma auspiciosa e evolutiva posição ante o marasmo, a mesmice e a chatice que nos tem esmagado em todos os planos.

Precisamos estudar, trabalhar duro, pesquisar, para fazer evoluir o grande jogo entre nós, afinal de contas temos de nos preparar para Londres 2012. Oxalá consigamos. Amém.

MELHOR?

DATA-FRASE:

“Você tem que se cercar de gente melhor que você, porque assim você será melhor que eles”.

Ary Vidal

Assim se inicia a última postagem do excelente site Databasket, com uma frase profundamente controvertida de um técnico que marcou época no nosso basquetebol, sendo inclusive um dos mais laureados. Sua colocação nos leva de imediato a três possíveis indagações: Cercando-se politicamente, tecnicamente ou intelectualmente?

Politicamente é o que vemos hoje em dia, não só no esporte, mas nas atividades em geral. Vivemos a era do QI, do quem indica, na qual os valores por mérito atingiram os mais baixos índices de que se tem notícia em nossa sociedade. Estudar, pesquisar, trabalhar duro de sol a sol, tem muito menor importância do que se cercar de influências e próceres políticos, muito mais interessados em auferirem lucros, de preferência de fundos públicos, do que se dedicarem a causas de somenos importância, como por exemplo, educação. Ao nos cercar de pessoas com melhores influências e conhecimentos políticos, ultrapassaremos os mesmos nos seus nichos profundamente enraizados?

Tecnicamente, como num processo osmótico têm-se a impressão de que o simples fato de cercar-nos aos nossos pares, nos seriam transferidos conhecimentos, experiências, vivências, estudos e pesquisas, tão dolorosas quanto o largo, inescrutável e distante horizonte que nos separam de seus nem sempre ansiados resultados. Seria como se adquiríssemos tais e tantos conhecimentos pelo simples fato de nos cercarmos de quem sabe e os dominam mais do que nós. Mas a que ponto tal ação nos dotaria de tanto saber? Por imitação, ou pela aplicação pura e simples de tais conhecimentos sem maiores e cansativas elucubrações?

Intelectualmente, ao nos cercarmos de pessoas mais preparadas, não necessariamente melhores do que nós, e nos ombrearmos com as mesmas pelos valores culturais, educacionais, filosóficos, existenciais e até científicos, teremos como meta os ultrapassar, ou somarmos aos seus esforços para a melhoria e o engrandecimento da sociedade em que todos nós vivenciamos nossa falibilidade humana? Qual a importância de se mostrar melhor do que todos, o que é uma quimera, quando seus esforços somados aos demais poderiam atingir patamares realmente importantes?

Creio, honestamente que o importante técnico poderia mudar algumas palavras, conotando-as à uma premente necessidade que os nossos jovens precisam adquirir em suas caminhadas para um futuro pouco promissor, porém repleto de esperanças e desejos. A necessidade de se cercarem de pessoas mais cultas do que eles, para juntos, num processo evolutivo, atingirem a excelência, fator básico no progresso de qualquer nação que se considere séria.

Sugiro então uma frase: “Você deve se cercar de pessoas mais cultas, a fim de que juntos todos possam evoluir”.

Amém.