MUNDIAL- O DÉCIMO QUARTO DIA: A PROVA DEFINITIVA…
Numa entrevista reportada pelo jornalista Murilo Garavello, no site UOL Esporte de 12/9/2010, em Instambul, o técnico campeão mundial Mike Krzyzewski, o coach K, afirmou:
“Me tornei um técnico muito melhor depois que comecei a aprender com grandes técnicos que há no basquete internacional. Com os grandes jogadores, com as grandes equipes. O mundo é grande demais, há muitas pessoas boas”.
E para este campeonato mundial, que acabou de vencer, o que realmente o coach K aprendeu, a fim de levar sua jovem equipe ao lugar mais alto do pódio?
Antes de aprender algo, descobriu admirado que existia vida basquetebolistica além das fronteiras de seu país, e que a diferença das regras alteravam em muito as concepções do jogo, o que explicava a perda da hegemonia americana no cenário mundial, sem nunca ter perdido sua grandeza no cenário interno de sua grande nação.
Também descobriu que a modalidade de jogo praticada na NBA em nada se parecia com a praticada na FIBA, ou seja, pelo restante do mundo, e que tal diferenciação colocava em perda acentuada o prestigio e a liderança americana no jogo que inventaram e difundiram mundo afora.
Foi sensível ao fato de que jogadores estelares da NBA, face a extenuante rotina de seus campeonatos e contratos milionários, que a maioria deles se sentiam na obrigatoriedade de priorizar, estava limitando em muito a constituição de equipes de qualidade para os enfrentamentos internacionais, em mundiais, pré olímpicos e olimpíadas, com um mínimo de treinamento e preparação para aquelas competições, e que urgia um planejamento razoável a fim de que o país pudesse ser representado com uma boa margem de sucesso nas mesmas.
O comprometimento dos jogadores à causa da representatividade condigna aos princípios qualitativos da tradição do basquete americano, passou a ser a senha de todo o trabalho, que se iniciou na olimpíada de Pequim, e se viu confirmado no mundial ontem encerrado, e que terá continuidade para a olimpíada de Londres.
No entanto, algo ocorreu ao coach K que consubstanciou todo o seu trabalho, principalmente para este mundial, a ausência dos grandes astros, principalmente os grandes pivôs. E neste estágio de seu conhecimento sobre o basquete internacional, que confessa ter descoberto através os grandes técnicos e equipes de outros países, principalmente os europeus, é que formulou uma estratégia técnico tática antítese do que desde sempre floresceu em seu próprio país, e sendo implantado no resto do mundo, o sistema único de jogo, com suas normas técnicas e sua setorização e especialização de jogadores de 1 a 5.
Este sistema, nascido e divulgado pela NBA, através sua gigantesca influência universal, dada às carências da equipe em seu comando nas posições onde as grandes equipes mundiais eram fortíssimas, principalmente no jogo armado, cadenciado e coletivo, fez com que mudasse radicalmente a forma de jogar e atuar taticamente de sua equipe.
E a mudança foi radical no sentido formal da constituição de uma equipe americana, principalmente universitária, que é o segmento a que pertence dirigindo a longos anos a Duke University. Simplesmente aboliu os sistemas, as jogadas e as posições de 1 a 5. Convocou jogadores que em suas equipes profissionais eram setorizados nas posições 1, 2 e alguns 3 e 4, e montou uma estrutura em campo formada por jogadores armando fora do perímetro, e outros transitando em velocidade por dentro do mesmo, na maioria das vezes iniciando as ações ofensivas com todos abertos, obrigando os pivôs adversários a tentar acompanhá-los em velocidade e longos deslocamentos afastados da cesta, provocando um verdadeiro caos nos sistemas defensivos, desmontando-os pela imparável força de seus fundamentos irretocáveis, e dos arremessos mais irretocáveis ainda de seu grande jogador, Kevin Durant.
Provou o coach K durante todo o campeonato que, uma equipe proprietária de sólidos fundamentos, ágil, rápida e firmemente atuante na defesa, supera outra mais bem armada e cadenciada, mas sem o domínio completo dos fundamentos do jogo.
A única arma com alguma possibilidade de equilibrar o jogo contra uma equipe com tais características, é a cadenciação proposital e sistemática, tentando não permitir que a velocidade americana se imponha, fazendo valer todo o seu arsenal de fundamentos regiamente praticados. E somente uma equipe o conseguiu em parte, quase vencendo-a, a brasileira, que perdeu o jogo exatamente por não ter a mesma base de fundamentos da mesma, principalmente nos momentos finais da partida.
E ao final da competição, algumas questões se sobrepõem à realidade dos fatos desencadeados pelo grande técnico.
Primeiro, o que poderemos esperar de mudanças técnico táticas depois de assistirmos a pulverização de sistemas complexos, codificados e comandados de fora da quadra por técnicos coercitivos, pela simplificação e sintetização das formas de jogar, através a simplória proposta de jogar única e exclusivamente ao amparo dos fundamentos de defesa e ataque em seu estado puro?
Segundo, ao constatarmos de que a grande farsa setorial e especializada de jogadores, como compartimentos estanques dentro das equipes, originou um basquete voltado à mecanização, quase uma coreografia, que encontra e reflete nas pranchetas sua máxima expressão, frente à simplicidade sofisticada de uma equipe mestra e maestra na pratica e utilização letal dos fundamentos do grande jogo, praticamente revertendo às origens do mesmo?
Terceiro, como reformular conceitos arraigados a princípios técnico táticos que se sobrepõem ao ensino primal dos fundamentos do jogo na base de nossa formação, após exemplo tão significativo dado e apresentado por uma equipe campeã mundial?
Finalmente, como conciliar tão necessárias mudanças no ensino do grande jogo, que são partes integrantes de conceitos didáticos pedagógicos de alguns dos grandes mestres existentes no país, esquecidos e minimizados pela CBB e pela novel ENTB/CBB, trocados pelos que professam padronizações e formatações, firmemente alinhados ao sistema único, agora desmontado e desmistificado pela pequena revolução desencadeada pelo coach K e sua equipe mestra nos fundamentos e de livre criação, campeã mundial?
São todas questões que teremos de equacionar com planejamento, dedicação e extremo bom senso, caso contrário corremos o sério risco de, por mais uma vez, perdermos o bonde da história, com uma diferença, a de que desta vez será definitivo, tendo como um triste começo a palidez cadavérica do outrora sagrado uniforme verde e amarelo de nossas seleções.
Amém.