O REINO DA PRANCHETA…
“Estava com saudade das pranchetas, aliás, o público amante do basquete também deve estar”… ( Comentário do narrador da TV, na rodada inaugural do torneio de Fortaleza ontem).
Realmente preocupante tal comentário, onde inermes pedaços de plástico são requestados como protagonistas midiáticos do grande jogo, quando na realidade não passam de soturnos biombos, fortemente situados entre técnicos (?) e jogadores, encobrindo a mais absoluta ausência de conteúdo técnico tático produto de treinamento, ensino e coesão, a não ser aqueles padronizados e formatados em décadas de mesmice e deslavada cópia inter pares, numa espiral que não cessa de ascender, com intervalos catastróficos, como nos recentes e caseiros jogos olímpicos, onde, pela enésima vez, foram grafadas nas mesmas os herméticos hieróglifos advindos de mentes desprovidas do mais comezinho conhecimento do que venha a ser formar,organizar, treinar e fazer competir uma verdadeira, coesa e unida equipe de basquetebol, cujo coletivismo é algo abstrato para a grande maioria dos que ai estão pousando arrogantemente de estrategistas supremos…
Me envergonham os pedidos de tempo, vazios nas mensagens e correções coerentes e fundamentadas, mas repletas de palavrões, esgares e falsas indignações, fruto do acordo comum e corporativo de uma classe que simplesmente emula uns aos outros, nas poses, nas coreografias ao lado e dentro das quadras, nas reclamações, pressões e coerções nas arbitragens, nos discursos, sendo todo esse lastimável espetáculo circense, aprovado e até incensado por comentaristas e narradores compromissados, em sua maioria, com a falsa imagem que passam, de ser todo esse pastiche, pertencente ao espetáculo, que deve ser preservado e ampliado, para incrementar a popularização da modalidade junto aos futuros assistentes e consumidores, no que me parece estar falhando rotundamente, haja vista as ridículas plateias que se perdem nas vastidões de bancadas vazias nas monumentais arenas, de padrão NBA, como apregoam colonizadamente, gerando o eco que nos tem avisado do ridículo posicionamento pelo marketing de uma atividade desportiva que nos fez grandes internacionalmente, não por toda essa enganação marqueteira, e sim pelos altos índices técnicos que ostentávamos na preparação de base, e nas seleções dirigidas e orientadas por técnicos de verdade, e não papagaios osmóticos de pirata, todos ostentando um saber que imaginam possuir, e tendo em seus sovacos pranchetas, que aqui para nós, acredito saberem mais do que eles todos, juntos e corporativados, em torno da capitania hereditária que dominam desde sempre…
Agora mesmo, nascem duas chapas que tentarão assumir a CBB para o ano, sendo que uma delas já desfila com o apoio de 14 federações e mais a associação de jogadores, voto certo na aprovação de contas da mentora, e vagas em seleções, todas elas eleitoras dos que ai estão a décadas, e que, de forma alguma mudarão alguma coisa administrativa e tecnicamente, ainda mais com as verbas governamentais se ausentando, e dívidas a não mais poder, formada pela turma que pratica o principio dos “ cargos de sacrifício” (será?…), e que avalizaram tudo o que ai está, mas preocupada com os excessos da atual e aceita administração, que está pondo em sério risco seu mandatário e exclusivo controle político, não fossem os candidatos a presidente e vice, parte da engrenagem. E nesse ponto urge uma pergunta – Se uma associação de jogadores tem poder de voto, por que não as de treinadores? Já imaginaram 27 associações estaduais e uma nacional incidindo no colégio eleitoral confederativo? Creio que muita coisa mudaria no universo do basquetebol tupiniquim, ou não?…
Mas o preocupante não se refere a administração, que continuará a mesma na atual conjuntura, já que se tornou rotina o que promulgavam nas assembleias para acertos de contas, mas sim o aspecto técnico, que na acepção de termo, é o fator que define em essência a existência de uma confederação esportiva, que justifica a essência do próprio jogo, que muitos aventureiros e arrivistas teimam em transformar em meio de vida, com seus projetos mirabolantes de gestão e publicidade profissional, marqueteiros circenses que são, e que esquecem que na matriz, essas benesses são lastreadas por princípios e bases educacionais voltadas desde sempre a juventude, nas escolas, colégios e universidades, com verbas próprias, berço acadêmico e político de seu inegável poder, assim como em outros países desenvolvidos na Europa e na Ásia. Aqui, o poder do QI ainda impera solene, onde a burocracia partidária e econômica asfixia o mérito, por mais sadio e genuíno que seja, e que não poderia ser diferente no meio sócio desportivo em que estamos doentiamente inseridos…
Entendendo e compreendendo essa estratégica verdade, podemos avaliar com alguma precisão os porquês de nossos repetidos fracassos no mundo do basquetebol internacional, e desde já aceitar o princípio imutável de que, qualquer mudança conjuntural somente será factível pela influência e introdução exógena, pois a endógena está corroída e agônica, sem perspectivas, ao menos, de salvação. A outra chapa será mais do mesmo, apesar de ser liderada por um técnico, que não acredito alcançar a receptividade necessária…
No meu eterno ponto de vista, maturado por meio século de atividade técnica e professoral, o grande nó górdio de nosso basquetebol, ata e desata no fator técnico, em sua concepção e divulgação, tanto na base, como na elite, que é a resultante daquela. Ao nos desvincularmos da influência do hemisfério do norte, com sua política hegemônica, numa realidade antítese da nossa, daremos um enorme passo para reencontrarmos nossa origem desportiva no grande jogo, assim como, ao lutarmos pelo aprimoramento do ensino desportivo nas escolas de educação física, com a reintrodução massiva de conteúdos técnicos e de formação em seus currículos, numa inversão do que ocorreu quando substituídos pelos da área da saúde, resgatando somatoriamente as disciplinas técnicas e didático pedagógicas, onde o ensinar a ensinar retome sua importância perdida nos últimos 30 anos, consubstanciando a real formação do professor e do técnico, teremos de volta a qualidade olvidada e quase perdida para os atuais “ profissionais da educação física”, bacharelados e provisionados por conselhos estaduais e federal, braços armados para o culto ao corpo, viabilizado pelos mesmos em holdings bilionárias que se avolumam por todo o país, a quem não interessa educação física e desportiva nas escolas, principalmente na faixa do ensino médio, clientela a alto, médio e baixo preços oferecidos a mesma, numa cornucópia financeira de valores estratosféricos…
Como descrevi no artigo anterior, somente acredito em alguma substancial mudança, se a mesma vier de fora para dentro, eivada de personagens advindos do grande jogo, como jogadores, técnicos, professores e mesmo dirigentes, todos beneficiários dos aspectos educativos que amealharam em suas formações junto ao mesmo, vivenciando-o e aprendendo a amá-lo desde sempre, e compromissados na tarefa de estender às futuras gerações, os mesmos princípios éticos, morais e físicos de que foram regiamente beneficiados, mesmo que no caminhar por sobre as pedras do sacrifício e da renuncia…
Quem sabe mais tarde, bem mais a frente, saudemos a volta de mais uma temporada, não pela saudade das pranchetas e seus contumazes seguidores, e sim pelo fato de irmos as quadras para testemunharmos a cada dia o surgimento de algo realmente novo, instigante, provocativo, inédito e verdadeiro, nosso, proprietário, e não uma canhestra copia impingida coercitivamente por aqueles que no fundo, bem lá no fundo, odeiam o basquetebol, por não conhecê-lo em toda sua magnitude e profundidade, como se preza a um grande, grandíssimo jogo que é.
Que algum dos deuses em seu eterno plantão, talvez aquele que gostou praticá-lo, inspire um grupo de notáveis (e os temos, com certeza), saídos do anonimato, para formar uma chapa de real qualidade e compromisso, para tentar, ao menos tentar, junto ao mandarinato eleitor, uma terceira via, que nos guie a dias melhores, ao caminho que desaprendemos a trilhar…
Mas também, lá no fundo, tenho a certeza de que dificilmente conseguiremos mudar, pois torna-se inumano lutar contra leis injustas e de caráter unilateral, o que é um eterno desastre, assim como o sistema e a forma única que jogamos…e claro, o império das pranchetas…
Amém.
Foto – Reprodução da TV.
Nota do Editor – Continuamos a lamentar profundamente que uma das chapas mantenha um pretenso vínculo em seu nome promocional com o Basquete Brasil, esse humilde e democrático espaço, mas que nunca se uniu politicamente a quem quer que fosse, e por isso mantendo sua irrevogável independência jornalística e técnica. PM.