Num jogo de grande carga emotiva, Franca venceu o Paulistano avançando para as finais com a equipe de Assis. No inicio do quarto final, a equipe francana colocou em quadra seus três armadores, deslanchou no ataque e reforçou sua defesa no perímetro externo, cortando a ação do melhor jogador do Paulistano, o americano Shamell. Um leitor desse blog, Henrique Lima, perguntou-me se o técnico de Franca havia copiado o sistema de jogo da equipe grega no último mundial, que se utilizava de dois armadores puros na liderança da equipe, tornando-a uma das atrações daquela competição. Respondi que absolutamente não, pois em momento algum ele modificou o sistema único implantado em nosso país, que se baseia em um armador, dois alas e dois pivôs, nas famigeradas posições 1, 2, 3, 4 e 5, alma e cerne do sistema do passing game. O que fez, foi escalar em uma das posições de ala, um outro armador, e em diversas circunstâncias outro armador na posição do ala restante. Com dois pivôs ágeis e velozes, agilizou o sistema padrão, dotando-o de qualidade, baseada na maior técnica individual dos armadores, em dupla ou trinca. O sistema de jogo continuou o mesmo, porém com uma incidência maior de dribles sobre os passes, retendo o domínio da bola, em vez de expô-la às interceptações com a drástica diminuição dos passes. Outrossim, contando com dois armadores especializados nos arremessos de três pontos atuando juntos, e às vezes na companhia de um terceiro, puderam, com velocidade nos deslocamentos, corta-luzes incisivos, poder de finta ilimitado, e permanentes mudanças de direção, contar com arremessos livres e equilibrados, já que os passes, via de regra, vinham de dentro para fora do perímetro, inexeqüibilizando as tentativas de interceptação por parte da defesa. Enfim, a equipe de Franca não mudou seu sistema de jogo, o mesmo das demais equipes participantes do campeonato, e sim adaptou-o às qualidades intrínsecas de seus três habilidosos armadores, mantendo somente um ala veterano e de boa qualidade, atuando na posição ou no pivô. Seus jogadores são tão bem equilibrados, que mesmo na impossibilidade de contar com alguns contundidos, e outros inabilitados na competição, chega às finais atuando com praticamente seis jogadores, numa performance digna de elogios, que se tornam maiores ao agregarmos suas performances no Campeonato Nacional, e no Sul-Americano de Clubes.
No entanto, tal performance nos deixa algumas indagações: Estarão os poucos e bons armadores que temos ocupando a posição dos alas? E porque os mesmos estão relegados pela ausência de maior qualificação nos fundamentos? E os pivôs, promovidos a participantes em corta-luzes bem fora do perímetro, assim como a arremessadores da linha dos três pontos?
E tudo isso em nome da manutenção do indefectível e absurdo sistema único que nos impuseram, calcado no exemplo do que pior existe na NBA.
Se analisarmos com isenção tal monstrengo, rapidamente poderemos entender os porquês de tais indagações. No papel solitário de armador único, a maioria dos jovens da posição, mesmo possuidora de uma técnica mais apurada, pautou-se na distribuição desvairada de passes, pela quase proibição do drible e das fintas, numa atuação presa a esquemas e coreografias emanadas por técnicos ávidos pelo controle absoluto das ações dentro da quadra de jogo, onde qualquer tentativa de quebra tática punha em perigo sua discutível liderança. Vem daí o reinado e pretensa importância das pranchetas, local de devaneios e vôos ilusórios, pois posicionais, em antítese à realidade prática e aleatória dentro do campo de jogo. Tais limitações desencorajaram muitos talentosos armadores, possuidores, em sua maioria, de uma forte personalidade e espírito de liderança, que frequentemente entravam em choque com as personalidades absolutistas de muitos técnicos.
Como o passing game privilegia os deslocamentos sem a bola e os longos arremessos, os alas foram abrindo mão dos dribles e das fintas com bola, em nome das coreografias propostas, numa perda criminosa do domínio dos fundamentos, não só os específicos da posição, como os de caráter geral, que todos os jogadores, independentes de peso e estatura teriam a obrigação de dominar. Por isso, o sucesso da adaptação do técnico de Franca, ao deslocar para essas posições as habilidades de seus armadores. As demais equipes, em sua maioria mantiveram os alas, tendo sucesso aquelas que contavam com americanos para as posições, já que possuidores de bons fundamentos, marca registrada da formação que têm em seu país, em se tratando de fundamentos, numa contradição técnica, já que utilizadores em massa do sistema PG. Trata-se de uma escola, tradicional e séria, implantada muitas décadas antes da existência do PG.
Quanto aos pivôs, pouco ou nada evoluíram, pois continuam atuando de costas para a cesta, duelando no 1 x 1, enquanto os demais companheiros, como hipnotizados, presenciam, sem interferirem, a contenda debaixo da cesta. Mas aos poucos, principalmente na Europa, já se vêem tentativas de substituírem a massa bruta pela agilidade e velocidade, fatores que dinamizam o jogo em seu todo. Até nesse ponto Franca inovou, ou aceitou novas concepções, mesmo sem mudar o sistema de jogo, dotando sua equipe de pivôs ágeis e velozes, complementando sua bem sucedida atuação nos campeonatos de que participa.
Em uma outra indagação o Henrique que saber minha opinião sobre como desenvolver e encorajar novos armadores nas divisões de base, assim como implantar novos princípios e conceitos nas seleções nacionais, principalmente as adultas. Inicialmente ampliando os tempos de posse de bola para 40 segundos nas categorias mini e infantil, 35 segundos nos infantos-juvenis e 30 para os juvenis. À partir da sub-19 passariam para os 24 segundos. Também nas categorias mini e infantil, o empate deveria ser adotado, assim como a obrigatoriedade de participação de todos os jogadores em pelo menos um quarto de jogo, e nunca mais de dois quartos seguidos. Tais adaptações das regras propiciariam de saída alguns fatores altamente positivos em se tratando de formação de base, à saber: 1- Menor interferência dos pais, nem sempre positivas, pela inexistência do fator “vitória a qualquer custo”, pela possibilidade do empate. 2- Progressão técnica no aprendizado dos fundamentos e dos princípios elementares das táticas de jogo, pelo acréscimo do tempo de posse de bola, em respeito ao desenvolvimento psicomotor dos jovens em seu processo de crescimento.
3- Esse acréscimo de tempo, permitirá um maior contato com a bola, seu domínio e manuseio, assim como pausará os movimentos necessários a uma maior compreensão dos movimentos táticos e comportamentais de todos os integrantes da equipe. 4- Permitirá que os técnicos possam priorizar o ensino dos fundamentos sobre os princípios táticos, que deveriam ter sua importância adiada na medida que os jovens subissem de categoria. Divisões de base deveriam visar única e exclusivamente a formação de bons jogadores futuros, e não talentos precoces tão ao gosto de alguns pais e técnicos ansiosos por títulos e currículos.
Quanto às seleções nacionais, bem, creio que venho através os mais de 250 artigos discutindo o quanto estamos atrasados e profundamente equivocados com suas maneiras de atuarem , como porta-vozes do inefável sistema único que tanto combato e critico. A única solução é a dissolução desta comissão técnica e todas as influências emanadas pela mesma, inclusive através das clinicas e cursos que vêm dando pelo país, na tentativa de sacramentar e cristalizar o sistema em vigor. Dei muitos e muitos cursos pelo país afora e jamais, em tempo algum, tive a pretensão de incutir nos jovens técnicos com quem dialoguei, verdades absolutas e sistema único de jogo. Muito ao contrario, sempre propugnei pela abertura às novas concepções, e o permanente respeito às regionalidades e tradições, existentes aos magotes por esta imensa nação. Respeito é bom, e creio que todos nós o merecemos.
Mas uma pergunta não foi feita: O que têm a dizer os técnicos do nosso país? Porque calados e ausentes? Meu velho pai me dizia que era capaz de perdoar assassinos, proxenetas, ladrões, jamais um omisso.
Tenho pensado muito nele ultimamente, pois a omissão é o que nos tem levado para o fundo do poço em que nos encontramos. Estamos perdendo a capacidade da indignação, estamos criminosamente nos omitindo, criando e adubando o vicejante campo onde pululam as raposas felpudas que tanto nos tem prejudicado. Nossos jovens, nossas equipes, nossas seleções se soerguerão no dia que sairmos do estado omisso em que vivemos atualmente. Amém.