POR QUE NÃO POSSO TRABALHAR, POR QUE?…
“Como posso contestar os árbitros se vocês não batem pra dentro provocando faltas, como?”
Eis o questionamento de um dos novos técnicos num pedido de tempo em recente jogo de campeonato estadual, a jogadores surpresos com a orientação do mais alto valor técnico e tático implícita na mesma, porém emanada com a “seriedade” de quem, absolutamente, sequer desconfia o que está ali fazendo na direção de uma equipe, da pseuda elite…
Pseuda porque recheada de “nominados” que trocam de camisa a cada ano, patrocinados por agentes e dirigentes “experts” nas entrelinhas do grande jogo, formando “equipes” ensacadas em uma camisa de peso (?), para serem magnanimamente entregues a técnicos, digo, estrategistas, que nada mais farão do que manter um sistema de jogo único, padronizado e formatado, facilitador do entrosamento inter pares, ainda muito mais se consubstanciado com classificações institucionais, como em matérias do site da LNB, nomeando os nove melhores de cada posição no país, divididos em armadores, alas armadores, alas, alas pivôs e pivôs, posicionamentos que embasam e sedimentam o sistema único implantado coercitivamente entre nós, em todas as categorias e divisões, desde a iniciação de base, o qual, com sua pobreza e a mais absoluta ausência de criatividade, a não ser por premiar perolas pinçadas eventualmente, como o questionamento que abriu este artigo, como que referendando a mesmice institucionalizada que se abateu tragicamente sobre nosso infeliz basquetebol…
Em continuidade, o festival de pranchetas, midiáticas, estrelas, mas sujeitas a algumas inovações, como a mais recente, a “introspectiva prancheta”, aquele momento em que um dos mais notórios estrategistas se posta em silêncio, olhos pregados em sua superfície, vagarosamente rabiscando linhas, num solene mutismo aos que o cercam, mudos também, até o momento em que o tempo pedido se esgota, e algo é dito aleatoriamente- vamos fazer a 2…
Mudar algo para quê, e porquê, se está tudo bem, dentro do que planejaram para nós, sombreados e tutelados pela matriz, que agora invade nossas TVs com temporada completa, lojas e sites de vendas, programas de entrevistas, e um punhado de especialistas na arte de comentar e divulgar uma irrealidade para nossos padrões sociais, econômicos, educacionais e culturais, enfim, numa entrega abjeta e colonizada. Claro, que alguns mais esclarecidos teimam em se contrapor a tanta interesseira e grotesca bajulação, como um comentário, infelizmente anônimo, que pincei em um dos blogs especializados, quando o assunto era o que deveríamos esperar dos brasileiros nessa temporada que se inicia:
(…)Não devemos esperar nada deles, pois são meros coadjuvantes que a NBA contrata só para divulgar a marca aqui no Brasil. É a maneira mais barata e eficiente que eles encontraram de alavancar a audiência. Alguém acha que os americanos iriam contratar brasileiros?? Seria a mesma coisa que contratar um jogador americano para ser centro-avante de um time da nossa série A. Será que ninguém percebe isso.(…)
E o mais emblemático e constrangedor é ver a transmissão de um jogo decisivo nosso, ao lado de um outro de início de temporada acima do hemisfério, com seu brutal confronto de realidades, públicos, poder e indiscutivelmente, hegemonia, como que dizendo (ou impondo) a nossos jovens qual o caminho a ser trilhado, lamentável e criminosamente falando…
Assisto a tudo isso conjugando um sentimento de pena, com outro de indignação, somados a um derradeiro, a tênue, porém real esperança de que algo ainda poderá ser feito pelo grande jogo entre nós, lamentando, no entanto, não me ser permitido ajudar nessa quase improvável possibilidade, pois afastado sem maiores e convincentes explicações após a curta permanência de onze jogos no NBB2, dirigindo o Saldanha da Gama do Espirito Santo. Por que o fizeram meus deuses, quais explicações, ponderações, avaliações, quais? Idade? Conhecimento? Experiência? Liderança? Comando? Quais? Quem sabe, contestação aberta e direta ao status quo vigente, à mesmice desenfreada que ainda impera, ou o temor infundado frente a mudanças técnico táticas ali sugeridas, será? Creio que sim, pois a utilização à larga da dupla armação e a preferência pelos pivôs ágeis e rápidos se impuseram, e aí estão implantados e aceitos, como resultante da intensa e incansável campanha iniciada por esse humilde blog desde sempre, porém, com uma decisiva e esclarecedora nuance, a de que provei com larga margem de resultados ser possível jogar o grande jogo fora do sistema único, quando naquela competição fiz a equipe atuar com dois armadores e três alas pivôs, tanto contra defesas individuais, como zonais, sem mudanças táticas, tendência que ora se espraia pelo mundo do basquetebol, inclusive na NBA…
Críticas, críticos, imprensa, blogs, entusiastas do grande jogo elogiaram muito aquele trabalho (alguns, inclusive, me colocando como o técnico do ano) de 49 dias em Vitória, que fiz questão de dividir com todos através artigos e vídeos no blog, contando e expondo cronologicamente o corajoso, sacrificado, e inovador trabalho ali realizado. O prêmio? A exclusão sumária, surpreendentemente antevista num congresso de treinadores do NBB após sua segunda temporada num hotel fazenda em Campinas, onde dois fatos foram pontuais e precisos. O primeiro quando um dirigente da LNB me sugeriu sutilmente acabar com o Basquete Brasil, como uma providência necessária de continuidade na direção de equipes da liga. O outro, mais esclarecedor ainda, quando no jantar do último dia o técnico Guerrinha se dirigiu a todos ali presentes dizendo – Tomem muito cuidado, pois se esse cara com uma equipe inferior (opinião dele, não minha…) e no pouco tempo que teve fez o que fez com equipes mais poderosas, imaginem o que fará em uma temporada completa? Proféticas palavras, pois o que se viu dali para diante foi o meu afastamento radical e proposital das quadras, impedindo o exercício profissional a que tenho direito, pela formação acadêmica, estudo, pesquisa e experiência de mais de cinquenta anos, impedindo ganhos salariais fundamentais na complementação de minha aposentadoria universitária, necessários ao pagamento de dívidas bancárias assumidas oito anos atrás na luta de preservação da minha casa. Aguentei o violento tranco, e o Basquete Brasil ai está no seu décimo segundo ano de luta e perseverança, mantendo sua inquestionável e democrática independência…
Porém, muito além da brutal covardia a que fui submetido, maior ainda a perda de uma inusitada e corajosa tentativa de mudar o cenário monocórdio que asfixia progressiva e inexoravelmente o grande jogo em nosso imenso e injusto país, onde os incompetentes continuam no poder desportivo e educacional, onde o objetivo maior é dar continuidade ao progressivo domínio exógeno de insumos tecnológicos, técnicos, táticos, sociais, educacionais, culturais, que não nos dizem respeito, mas que auferem vultosos lucros a seus “cargos de sacrifício”…
No mês que vem farei 77 anos (no NBB2 tinha 70), logo, fora das quadras elitizadas a seis longos anos, porém, mais atual do que nunca, pois desde aquela época, nada, ou muito pouco, evoluiu técnica e taticamente por aqui, muito ao contrário, involuímos para algo impensável a quem ama o grande jogo, ou seja, briga-se num ginásio com torcida única, e briga-se sem torcida nenhuma, numa demonstração tácita de que na ausência de público que possa ser manipulado e jogado contra arbitragens brigam os estrategistas entre eles mesmos, numa atitude que professores e técnicos da minha geração (hoje são poucos, infelizmente, mas aí estão…) não o fariam, pois bem formados e alinhados com o progresso do grande jogo (como sempre estiveram), e não com o exacerbado corporativismo que aí está, atrasado, mafioso, granítico e inamovível…
Gostaria de trabalhar por mais dois anos, com temporadas completas, tendo a possibilidade de dar seguimento ao que iniciei a mais de 50 anos atrás em todas as categorias e divisões no país, e que de certa forma formalizei no Saldanha no NBB2, sendo interrompido num trabalho que, sem dúvida alguma, teria ajudado em muito o nosso basquetebol a evoluir de encontro a um caminho perdido para a mediocridade e pusilanimidade de muitos que aí estão, onde as poucas exceções não encontram apoio e incentivos à luta maior, o soerguimento do grande jogo no país…
E ao final de tudo, uma pergunta se impõe: Paulo, você realmente acredita ser possível na sua idade, num país que tanto maltrata seus idosos encarar tal desafio? Olha, desde que me aposentei na UFRJ, dedico as mesmas oito horas de trabalho diário ao blog, ao estudo, a pesquisa, ao livro, ajudo no que sou solicitado pelos filhos adultos, trabalho nas intermináveis obras da casa, e acima de tudo, tento assistir o máximo de jogos de basquetebol que possa aguentar, e muitas vezes, muitas mesmo, desligo ou troco de canal, pois assistir e escutar (escutar então, é de matar…) a mesma coisa repetidamente cansa, e como…Mas lá no fundo ainda me vejo na quadra, dando treinos, treinos, muitos treinos, ensinando, corrigindo, incentivando, e eventualmente ajudando jogadores nos jogos, que nada mais são do que o mais puro reflexo do treino, do exaustivo e sacrificado treino, onde as dúvidas e os medos são aplainados da melhor forma possível, onde a influência técnica do professor é profundamente exigida, discutida, conversada, pesquisada, e trabalhada a mais não poder, para que no fragor das importantes partidas sejam os jogadores os donos reais das ações, dos sistemas, das jogadas, das improvisações, da criatividade, enfim, do espetáculo, onde um ou outro pedido de tempo se faça somente necessário no intuito de esclarecer e dirimir uma dúvida, e nada mais do que ficou estabelecido no treino. Contestar arbitragens, jamais, fora ou dentro da quadra, assim como exibicionismos coreográficos movidos pela síndrome da luz vermelha (aquela luzinha que se acende numa câmera em função), na ridícula intenção de mostrar “trabalho e dedicação”, e em tudo por tudo, jamais nomear uma prancheta como biombo obliterador da relação óculo manual entre técnico/jogadores, fator básico e primordial ao sentido coletivista de qualquer equipe que se considere séria e competitiva. Finalmente, me preparar para conter a preocupação dos filhos, a quem, de dedos cruzados atrás do corpo, prometi me dedicar a outros menos traumáticos interesses, promessa que quebraria na maior das satisfações, querendo eles ou não, que não têm exclusividade do meu amor, pois o grande jogo veio algumas décadas antes deles…
Mas engraçado mesmo foi ler um dos parágrafos de um artigo do Fabio Balassiano no seu Bala na Cesta de hoje – (…)Não posso terminar esse texto sem citar Jorge Guerra, o Guerrinha. Técnico de personalidade forte e bastante carismático, ele foi demitido de maneira bizarra antes do NBB passado por Bauru, ficou um ano estudando, tentando montar projetos, vendo a modalidade de longe. Era um desperdício para o basquete brasileiro tê-lo de fora por tanto tempo, mas sempre há um motivo para as coisas acontecerem, né?(…)
Amém.
Foto – Autoral. Última conversa com a equipe do Saldanha, ao término de sua participação no NBB2 em Londrina. Clique nesta e na subsequente imagem para vê-la ampliada.