COLETIVISMO X INDIVIDUALISMO…
Na semana recém finda, assisti pela TV algumas competições esportivas, como um jogo do europeu de futebol, onde a equipe do Barcelona foi derrotada, e varias partidas do campeonato universitário americano de basquetebol. No jogo da equipe espanhola, chamou-me a atenção um comentário do analista da emissora sobre o comportamento retraído e silencioso do técnico holandês da equipe, sentado calmamente em seu banco, sem manifestações ostensivas na beirada do campo. O comentarista criticava aquela atitude passiva, argumentando da necessidade que o mesmo teria de agir, nem que fosse gestualmente, como uma satisfação aos torcedores, ao “demonstrar” trabalho e interesse pela equipe que passava por uma situação de derrota. Ou seja, defendia a síndrome da luz-vermelha, quando um técnico ao flagrar uma câmera focada em si (quando ligada emite uma luz vermelha ao lado da lente) imediatamente se põe ao lado do campo gritando e gesticulando para passar a idéia de participação ativa no jogo, mesmo sabendo ser impossível que seus brados sejam ouvidos por quem quer que seja dentro de campo. Mas ficam os gestos agressivos e passionais, que tem garantido muitos contratos pela sua “participação ativa” perante os dirigentes, mesmo sabendo ser inócua na realidade do jogo. O testemunho do comentarista põe em evidência, não só para ele, mas para uma grande parte da imprensa esportiva, como valorizam o mís en scéne oportunista e revelador de uma corrente de técnicos, mais preocupados com sua posição no mercado de trabalho, do que a equipe que dirige. Esquecem que o trabalho de um técnico é realizado nos treinamentos, intensamente, e em uma ou outra substituição que se faça necessária, além dos ajustes que poderá fazer nos intervalos dos jogos. Pererecar, dançar, saltitar, em atitudes de péssima coreografia ao lado de campos e quadras, além do ridículo a que se expõem , nada acrescentam às suas equipes, a não ser a demonstração da pouca qualidade técnica de seus treinamentos, onde deveria preparar a equipe, sem gestos, discursos ou câmeras focando seus inflados egos.
Outra intervenção abalizada criticava a tendência de alguns técnicos defenderem a preparação das equipes de basquetebol focadas basicamente na pratica dos fundamentos, privilegiando as individualidades, em vez do coletivo, que segundo sua opinião, levada pelo poder da mídia televisiva a uma quantidade enorme de cabeças jovens país afora, é a que deve prevalecer, no que é acompanhado por boa parte da critica basquetebolística nacional, num lamentável equívoco, pois omitem pela ignorância o fato inconteste de que a base coletiva de uma equipe é fornecida pelo preparo e pleno domínio por parte dos jogadores, dos fundamentos do jogo, sem os quais nenhum movimento técnico-tático obtém sucesso.
Dois enfoques equivocados, plena e estruturalmente equivocados, mas que preenchem rotineiramente muitos dos comentários feitos e emitidos por uma parcela da imprensa descomprometida com as bases autênticas do desporto, porém extensamente comprometida com as modas e os conceitos globalizados que privilegiam o espetáculo em função da educação e dos princípios sociais dos mesmos.
Nesta segunda-feira, assistiremos ao jogo final do campeonato universitário americano, na presença de 50 mil torcedores e alguns milhões espalhados pelo mundo, num espetáculo onde os princípios e as tradições universitárias americanas atingem o mais alto grau, quanto a importância do desporto na formação integral dos jovens daquele país, e onde não testemunharemos coreografias ao lado da quadra por parte dos técnicos envolvidos, e muito menos a negação da qualidade individual dos jogadores, que estarão inseridos no coletivismo de suas equipes, coletivismo esse garantido e lastreado pela competência e segurança de seus jogadores pelo pleno domínio dos fundamentos do grande jogo.
De um lado a Universidade de Kansas, sólida em seu preceito de jogo coletivo, pausado e altamente seletivo nos arremessos. Por outro, a Universidade de Memphis, com sua exuberante individualidade levada á excelência nos fundamentos de todos os seus jogadores, onde o coletivo massivo cede vez à improvisação, somente factível através o mais qualificado e sedimentado domínio dos mesmos, prenunciando uma batalha entre o determinante coletivo, contra o instigante individualismo responsável . Quem sabe nossos sábios comentaristas possam justificar alguns de seus equivocados pareceres, perante as duas realidades que comentarão, ambas tendo um condutor comum, seja no coletivismo, seja no individualismo, o domínio dos fundamentos.
E que esse exemplo seja seguido em nosso país pelos lideres técnicos das gerações que se iniciam na pratica do basquete, sem serem sugestionadas e estigmatizadas por conceitos técnico-táticos preestabelecidos, e sim orientadas a um preparo sensível, prolongado e qualificado das bases do jogo, os fundamentos, que consolidados serão a base futura de sistemas, tanto ofensivos, como defensivos. A negação dessa evidência somente corrobora a nossa proverbial tendência à minimização do competente ensino dos fundamentos, em beneficio de um coletivismo mantenedor do sistema único, no qual a prancheta representa e reflete o narcisismo de seu mentor.
Amém.