Engraçado, e às vezes de morrer de rir, os comentários abalizados sobre um jogo que se definiu em um quarto, o segundo, quando a equipe de Brasília escalou um segundo armador, o Bruno, para atuar junto ao Nezinho, encaixando a dupla armação de Franca, superando-a na defesa, e principalmente, fazendo seus pivôs jogarem em velocidade e penetrações rápidas, além, é claro, de desencadearem contra ataques resultantes dos péssimos arremessos dos francanos, encurralados que foram pela defesa veloz e sufocante comandada pelos dois armadores e pela antecipação de seus homens altos no decisivo segundo quarto, particularmente pelo Alex.
E os números acompanham este raciocínio com singela simplicidade, vejamos: No 1º Tempo, Brasília arremessou 14/19 bolas de 2, 4/8 de 3 e 13/19 de Lances livres, e Franca, 8/18 de 2 pontos, 3/12 de 3 e 8/10 de Lances livres, revelando com clareza a preferência de Brasília pelos arremessos mais seguros e precisos de 2, sobre uma defesa incapaz de bloquear o seu jogo interno, ao passo que a equipe de Franca, encontrando uma forte oposição defensiva, praticamente conseguiu o mesmo número de tentativas, porém com acertos muito menores de seus jogadores, graças à entrada de um segundo armador que mudou a história do jogo, estabelecendo os 15 pontos de diferença ao final dos dois quartos iniciais. Também nessa fase, pelo fato da pouca penetração do ataque francano, somente 10 Lances livres foram cobrados por sua equipe, contra os 19 cobrados pela equipe da capital.
Com a defesa bem postada, e mesmo retornando para o terceiro quarto com somente um armador ( o Bruno já estava com 4 faltas, mostrando a fraqueza da equipe candanga nesse primordial setor), soube a mesma manter, e até ampliar a diferença conquistada, administrando um jogo, que nada teve de atípico, e sim muito bem planejado e melhor executado no aspecto defensivo, e de armação de jogo. Se a equipe mantiver para os jogos subseqüentes a dupla armação, o jogo interior e seguro dos dois pontos ( no de hoje, arremessou 21 bolas de 3, e 38 de 2 pontos, além de 31 Lances livres, fugindo da convergência que vinha se acentuando nos seus últimos jogos), e consistência defensiva, poderá emplacar um 3 x 0 nada exagerado, já que seu adversário demonstrou uma enorme dificuldade em conter esse tipo de comportamento ofensivo, e muito mais ainda, de suportar a enorme pressão ante uma defesa forte e determinada.
Então, o que resta a Franca? Partir para o jogo interior, para dali sim, originar passes de dentro para fora do perímetro, a fim de obter arremessos, até de 3, mais equilibrados ( e bem referenciados por atuarem num recinto que conhecem bem), marcar energicamente os armadores adversários, e jogar um pouco mais na antecipação, fator ausente no jogo de hoje.
Deixo para o final a constatação do que realmente representa o grande jogo no imaginário do brasileiro, bastando para tal a presença de 18000 torcedores no Nilson Nelson, provando o quanto de potencial latente existe nessa instigante modalidade, tão mal tratada por uma mídia equivocada e tendenciosa.
Mas aos poucos, e com muito trabalho, talvez tenhamos a oportunidade de resgatar e soerguer o grande jogo no país, bastando que estudemos e trabalhemos com mais coragem e ousadia. Mantermo-nos escravos do sistema único, copia canhestra do que foi feito por uma NBA que se recicla notoriamente, e que não está sendo devidamente observada e analisada pelos doutos conhecedores do que lá está sendo modificado, é pura estupidez, e pior, a mais flagrante prova de nossa servidão e colonialismo explícito. Não por acaso um Miami atua com três pivôs em permanente movimentação, inclusive fora do perímetro, um Oklahoma atua similarmente, e um Dirk converte 48 pontos sem um arremesso de três sequer, para nos conscientizarmos de que a mensagem dada pelo Coach K no último mundial está sendo assimilada e convertida em realidade entre os “pros”, não somente no âmbito dos “colleges”, como devem ser difundidas as grandes mudanças. Pena que nossos “experts” custem tanto a notar, pesquisar e entender o que realmente representam tais mudanças para a realidade e futuro do grande jogo entre nós.
Tive a sutil e diáfana oportunidade de sinalizar um novo tempo quando da direção do Saldanha, postando seus vídeos, conclamando o debate, a discussão sobre novas concepções de jogo, tendo como premio o afastamento e marginalização de um processo corporativista e rancoroso, que não aceita, não só a mim, mas o que possa transmutar suas concepções arcaicas e perdedoras, e ai sim, das quais não faço, não fiz e nunca farei parte, gostem, ou não.
Quem sabe um dia dialoguemos melhor? Talvez…
Até lá continuarei a fazer o que fiz desde sempre, estudar, pesquisar e divulgar o pouco que amealhei vida afora, e não fazendo política de bastidores, nas sombras do anonimato irresponsável e covarde.
E para concluir pesaroso, algo para pensar. Fui convidado a participar da votação para os melhores do ano na LNB/NBB3, e o fiz coerentemente apontando, no caso dos jogadores, 2 armadores e 3 alas pivôs, que claro foram, para efeito de votação, reescalonados para a indefectível e pétrea formação de 1 armador, 2 alas e 2 pivôs pela comissão técnica. Pois bem, no jogo de ontem tal formação foi desmentida pela enésima vez, com a adoção, por ambas as equipes da dupla armação, e da flagrante movimentação dos homens altos, numa final de campeonato.
Creio que já se faz tardia profundas mudanças em tais critérios, ou não?
Amém.
Foto- Cadu Gomes