O GRANDE MONTENEGRO…
Já eram 18:30hs quando encerrei o treino dos juvenis, e fugindo da rotina de estabelecer contato com os jogadores para dirimir dúvidas e algumas cobranças, mudei rapidamente de roupa, pois a viagem da Gávea até o Grajaú era longa, e às 20 hs um compromisso inadiável me aguardava.
O Anísio, diretor de basquete vem correndo em minha direção com o seguinte recado- Paulo, embarque no ônibus do clube para o jogo nas Laranjeiras. O Kanela acabou de ligar da Federação, onde foi julgado e pegou dois jogos de suspensão. Certo? Como certo Anísio, é um Fla x Flu decisivo, e nunca dirigi essa equipe num jogo deste calibre, somente assisto e às vezes participo dos treinos, mais para acompanhar o Peixoto, o Pedrinho, o Ernani e o Gabriel, juvenis da minha equipe que o Togo os quer treinando com a primeira, mas só isso.
Só sei que numa fração de segundo lá estava eu no velho mercedão rubro negro em direção às Laranjeiras, ao lado do Waldir Bocardo, do Valter, do Pirai, do Pará, do Chocolate, do Dudu, do Raimundo, do Fernando, do Montenegro, do Henry, que são os que me vêm à memória no momento, pois lá se vão mais de 40 anos!
Iríamos enfrentar a equipe do Brito Cunha, com sua pequena máquina de fazer pontos, composta do Arnaldo Santiago, Milano, Lupércio, Otto, Fritz, Osmar, Marechal, Ruthenio, Coqueiro, Espiga, que são os que lembro. E eu tinha somente 25 anos!
Aquecimento em andamento, o ginásio acanhado repleto e extremamente quente, e de repente lá estava ele, o velho Togo, que me chamava na grade atrás do banco. – Seu Togo (nunca o chamei de Kanela), o que o Sr. determina que eu faça? Paulinho, o time é muito bom, você também é, logo, trabalhe.
E como trabalhei, e como tive o respeito daqueles grandes jogadores, e como pude, pela primeira vez na vida de técnico ajudar a equipe a vencer num golpe de ousadia, ao quebrar o principio, para mim discutível já naquela época, de que jogador fundamental com quatro faltas deve ser guardado para o final de um jogo decisivo, ou não, e com o Seu Togo crispando as mãos em sua Santa Terezinha de inabalável fé, atrás de um banco ocupado, por sua escolha, por um fedelho abusado.
O que aconteceu então Paulo, em nome de tal ousadia?
O jogo estava duríssimo, com ambas as equipes marcando individualmente, e por conta disso faltas em profusão. O Montenegro e o Waldir eram os mais visados, por serem os melhores arremessadores de longa distância (na época não existiam os 3 pontos), e com alta porcentagem de acertos. Mas o Monte não era alto, mas poderoso nos saltos e defesa forte, daí seu grande aproveitamento nos rebotes e na marcação de armadores.
Logo no inicio do segundo tempo, quarta falta do Monte, e conseqüente ida para o banco, como mandava o principio estabelecido pela tradição. Como o Lupercio, o Otto e o Arnaldo também estavam com muitas faltas, o Brito Cunha optou pela marcação por zona, já que somente o Waldir poderia ameaçar sua equipe nos tiros de fora, e o Pirai não vinha bem nesse tipo de arremesso contra uma 2-3 zonal.
A indefinição no placar ficou patente, com diferenças de um e dois pontos se revezando entre as duas equipes.
Foi nesse instante que fiz voltar o pendurado Monte, atitude que nem por sombra o Brito Cunha consideraria na metade de um segundo tempo, ainda mais por parte de um seu recente aluno no curso de técnica da EEFD.
E o Monte meteu três bolas e pegou todos os rebotes possíveis, garantindo a frente de seis pontos que o Flu não conseguiu reverter ao trocar de marcação. Ao faltarem dois minutos o Monte fez sua quinta falta e saiu sorridente por ter praticamente ganho o jogo.
Quando o Manoel Tavares apitou o fim do jogo vi dentro da quadra um Togo com as faces mais rubras do que de costume vindo em minha direção. Fiquei gelado, pois apesar da vitoria a bronca parecia ser irremediável. Ao contrário, o velho Togo gritou- Você é um gênio, um gênio! Abriu os braços, e quando esperei sentir seu amplexo, passou direto por mim e estreitou o Monte que estava logo atrás, deixando-me, como ex-gênio parado no espaço. Uns poucos segundos e ele me diz- Um não, dois gênios! Mas que foi um risco foi, concorda? Não concordo seu Togo, pois na minha concepção jogador decisivo só ajuda a ganhar jogo lá dentro, na quadra, independendo se está zerado ou abarrotado de faltas. E o momento estratégico era aquele da opção defensiva do Flu. Deu certo, concorda? Sim.
Foi a única vez que dirigi o grande Montenegro, e relembro essa inesquecível passagem em homenagem ao seu talento e a sua coragem. Hoje o Monte luta pela vida, com a mesma valentia das quadras, com a sua qualidade profissional fora delas, tendo de todos os seus amigos o respeito e a admiração de que sempre foi merecedor, e tenho a mais absoluta certeza de que lá de cima, com as mãos crispadas na pequena imagem de Santa Terezinha o velho Togo ora e vela pela sua digna e maravilhosa vida.
Amém.
Em tempo- Meu compromisso no Grajaú era o do aniversário de minha mãe. Ela perdoou.
QUE TEXTO GOSTOSO DE SE LER…NOS REMETE A EXPERIÊNCIAS NO BASQUETE DE RENDIMENTO QUE CONSTRATA COM MUITAS DE HOJE. EXPERIÊNCIAS DE CONFIANÇA, INCENTIVO E CONVIVIO.
O SR. MONSALVE TALVEZ GOSTE DESTE TEXTO. O FARÁ PENSAR – APÓS SER SUBSTITUIDO PELO SR. MAGNANO NO POSTO DE TÉCNICO PRINCIPAL DA SELEÇÃO, QUE NO BRASIL EXISTE SIM CONSIDERAÇÃO PELO TRABALHO REALIZADO. A RESPEITO DA POSSIVEL TROCA, O QUE SENHOR ACHA? APESAR DA FORMA COMO SE SUCEDERA EU CONSIDERO ATÉ UMA SUBSTITUIÇÃO BEM FAVORÁVEL!
ABRAÇOS PROFESSOR..
Prezado Prof.Paulo Murilo,
Primeiramente como dissemos no NEWSFLASH, perfeito, refletindo de forma clara e objetivoa a realidade de quem era o Kanela e a sua forma de ser.Realmente historias como esta sua, demonstram quanto o basquete brasileiro um dia foi grande, quantas historias incriveis devem existir nas cabeças de tecnicos, atletas e dirigentes, que poderiam ser contadas como forma de mostrar que o nosso basquete ja teve seus anos dourados de respeito as pessoas e aos profissionaisse e que não é somente isto que estamos presenciando, falta de respeito as pessoas, profissionais como vimos recentemente com o caso Bassul.
Parabens Prof.Paulo Murilo, esperamos que nos conte mais destas historias incriveis, vou repetir meu pedido conte-nos um pouco da escola de basquete e depois seu trabalho no Vila Isabel um clube cuja a tradição era o futebol de salão e com a chegada do basquete teve grande apoio.
Mesmo sendo novo, sei que o basquete nos leva a tais momentos… como o Prof. Paulo diz, ‘o grande jogo’. Muito bom texto!
Que bom que você gostou Diego, temeroso que fiquei ao redigí-lo observado pelo Queops e o Micherinos. O Kefrem tinha ido tomar um chá.São velhas histórias e experiências, mas atuais em toda sua significância ética, fator rarefeito nos dias atuais. Talvez relate outras histórias, antes que me falte papiro. Obrigado pela audiência e o incentivo. Um abraço, Paulo Murilo.
Prezado Alexandre, publico amanhã um texto sobre o affair Moncho x Magnano, com uma conceituação diametralmente oposta ao que vem sendo divulgado pela midia, e bem sei que vai ser contestado pela turma jovem. Um abraço, Paulo Murilo.
Obrigado Alcir pelo seu apoio e consideração. Hesito muito escrever sobre o passado, que de tão rico simplesmente ofusca um presente árido e desestimulante, além de profundamente egoista. Mas como o vivi intensamente, e que me ensinou tanto, aos poucos vou me encorajando a reescrevê-lo. Atenderei sua sugestão sobre a escola e o Vila Izabel para a semana. Um abraço, Paulo.