OUTRAS NOTAS…

(…) “Foi com um profundo mal estar que acompanhei a conquista de mais um título dos Estados Unidos no Campeonato Mundial. Ao contrário do professor Paulo Murilo, que respeito mas ouso discordar nessa questão, não vi absolutamente nada de encantador nos conceitos táticos oferecidos pela trupe de Coach K.”(…)

Esse é um trecho do artigo “Algumas Notas” publicado pelo jornalista Guilherme Tadeu no DraftBrasil de 6/10, sobre a conquista do mundial pela equipe americana em Instambul.

Concordo com ele não ter sido uma performance encantadora, bastante fragmentada em muitas situações, mas algo não podemos negar, foi revolucionário. E como em toda revolução, falhas, desajustes e omissões são registradas, como preço a ser cobrado pela ousadia reformista.

Não foi um Dream Team, assim como, não foi algo tecnicamente perfeito, mas sim uma ruptura radical e até certo ponto temerária, sob o aspecto tradição, de um conceito estratificado e convencionado como absolutista, globalizado, imposto e aceito servilmente, através a influência milionária e midiática da NBA pelo mundo.

O grande modelo técnico tático tornou-se o sistema único, padronizado e formatado, da formação de base até o patamar de elite, como um mar de praia única, como uma fórmula padrão de ver e jogar o grande jogo.

E por conta deste padrão, o mundo fora das fronteiras americanas cresceu além, muito além do que os próprios americanos pudessem imaginar, e deste ponto em diante começaram a perder sua supremacia. Ontem mesmo, num confronto do campeão da NBA, os Lakers, contra a equipe do Barcelona, este fator ficou bem patente, quando duas equipes jogando rigorosamente iguais taticamente, chegaram ao final da disputa tendo como vencedora a equipe européia.

E por conta daquelas perdas, foi que o basquete americano foi buscar nos quadros universitários um nome que primasse pelo novo, pelo instigante desafio de fazer frente a uma realidade bem próxima do dogmatismo asfixiante em que foi transformado o basquete mundial, agrilhoado a um sistema único de jogo.

Claro que algo novo soa e se apresenta imperfeito, já que preconiza de saída, rupturas conceituais. E foi o que assistimos, aceitando ou não a proposta do coach K, mas testemunhando um autêntico confronto a uma realidade estabelecida desde sempre, e o mais extraordinário, partindo de quem a implantou, sendo seguido e adotado pelo mundo do basquetebol.

E ao final da temerária e corajosa aventura, foram premiados com o título, num preâmbulo do que virá daqui para diante em termos de novos conceitos, novos sistemas, novas formas de jogar o grande jogo.

Foi exatamente essa a minha proposta ao dirigir o Saldanha da Gama no returno do NBB2, ousar mudar um estratificado cenário mal copiado, mal dirigido e mal difundido em todos os níveis do nosso basquete, da base às divisões adultas, colimando com as seleções municipais, estaduais e nacionais. E mais ainda, trazendo técnicos estrangeiros seguidores do sistema que o americano de Duke teve peito de modificar em uma olimpíada, e agora em um mundial.

Também ontem, assisti um jogo do campeonato paulista com duas equipes dirigidas por jovens técnicos, e, surpresa, jogando rigorosamente iguais, onde a enxurrada de arremessos de três marcou sua insistente e endêmica presença, e onde as defesas a estes petardos inexistiram, como sempre. Ou seja, continuamos atrelados, e agora sob novíssimas direções, aos preceitos do sistema único, que como afirmei antes, se tornou um dogma inarredável em nosso basquetebol.

Concordo com o Guilherme sobre a ausência de encantamento nas ações da seleção americana, campeã mundial, mas me nego a duvidar de sua transcendental importância para o futuro do basquetebol mundial, a partir do momento que se transfigure em novas, empolgantes e ousadas contribuições técnico táticas fundamentadas na técnica individual e na criatividade grupal, liberta das algemas de fora para dentro das quadras, liberta das coreografias mal desenhadas nas pranchetas onde se refugiam todos aqueles que se negam a olhar dentro dos olhos de seus jogadores, naqueles momentos que mais necessitam de ajuda, incentivo e calor humano, reflexos de um duro treinamento, que deveria ser  comungado por todos.

Amém.



3 comentários

  1. Ricardo 13.10.2010

    Caro Prof. Paulo Murilo,

    Tenho muito apreço por sua forma de pensar o basquete, servindo como contraponto ao que é amplamente difundido. Contudo, apesar de eu não ser um letrado nas minúcias do esporte, dou-me o direito de discordar do senhor em alguns aspectos no que tange a atual situação do basquete nacional.
    Apesar da prevalência do modelo usual de jogo entra as equipes, vejo alterações sensíveis na forma de jogar de várias delas no cenário nacional, as quais tentarei expor sob meu ponto de vista:
    – equipe de Brasília: atual campeã nacional, conquistou o título principalmente pela polivalência de alguns atletas, como Giovanoni e Alex, capazes de atuar em várias “posições”, conseguem quebrar os esquemas defensivos de seus oponentes;
    – equipe do flamengo: no últimos anos tem apostado em 4 atletas altos e leves alternando posições, com o quinteto sendo completado por um homem forte na posição 5.
    – equipe de Sao José: atual campeã paulista, tem na versatilidade dos jogadores uma grande arma, jogando com 2 armadores o jogo todo, e contando com com alas altos jogando tanto dentro quanto fora do garrafão, completando um quinteto com um pivô leve.

    Apesar de ainda ser evidente em vários casos a limitação técnica dos quintetos, vejo neles uma forma de jogar mais parecida ao que o senhor prega do que com o esquema usual de jogo.
    Todas essas formações se baseiam, e neste ponto concordo com seu ponto de vista, no bom domínio ds fundamentos do jogo por praticamente todo o time, ou ao menos vários dos seus integrantes, chegando ao ponto de em várias situações a armação estar a cargo de um jogador de 2,0 m de altura.

    Obviamente, este é meu ponto de vista. Aguardo ansiosamente sua resposta, contribuindo para o debate.

  2. Basquete Brasil 13.10.2010

    Prezado Clayton, hoje respondi ao se comentário no artigo -Um Email do Felipe- sobre um trabalho que me enviou sobre treinamento de crianças. Um abraço, Paulo Murilo.

  3. Basquete Brasil 13.10.2010

    Prezado Ricardo, se você tem acompanhado artigos anteriores em que discuto e critico o sistema único de jogo, não pode deixar de considerar que:
    – Desde muito tempo venho defendendo a utilização de dois armadores em nossas equipes de elite, e claro, nas de base também.
    – Que de dois anos para cá algumas equipes tem se utilizado dos dois armadores, mas em nenhum momento modificaram suas formas táticas de atuar, continuando no sistema único, acrescido de maior qualidade técnica pela presença de jogadores com melhores fundamentos, no caso, os armadores, só que um deles adaptado à função de um 2 ou 3(na nomenclatura vigente e genérica), mas dentro do formato e das jogadas do sistema, vide os “punhos”, “polegar”, “hi-lo”,”pick and roll”, etc, utilizados por todas as equipes.
    – Sempre afirmei que numa mesmice granítica desse porte, onde todos atuavam táticamente iguais, venceriam as equipes que possuissem em cada posição de 1 a 5, os melhores jogadores, os mais caros, os mais habilidosos, e por conseguinte,formando as melhores equipes, dando uma falsa idéia de conjunto afinado e uníssono, quando na realidade se tratavam de uma constelação de solistas, um em cada posição.
    – E a grande maldade desse sistema, todo ele produzido para os solos estelares das competições da NBA, é a quase absoluta ausência, no nosso caso em particular, do jogo no perimetro interno, já que as “estrelas” dos três pontos não permitem que as bolas que avidamente disputam, cheguem naquela zona de jogo, daí nossa crescente fraqueza de homens altos de qualidade.
    – Quando propús algo diferente na direção do Saldanha, consegui provar, ganhando inclusive de grandes equipes, que poderiamos jogar de uma outra forma além do sistema único, sem jogadas marcadas e previsíveis, sem concentração no jogo externo, e sim dividindo-o igualmente em ambos os setores, propiciando maiores oportunidades a todos os jogadores, altos e baixos, de fora e de dentro dos perímetros, e principalmente, interessados em suas performances através o treinamento e a pratica indistinta dos fundamentos do grande jogo.
    Enfim Ricardo, creio ter podido provar num breve espaço de tempo que podemos alçar voos maiores do que o estratificado e altamente previsivel sistema único de jogo.
    Um abraço, Paulo Murilo.

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