COMO GOSTO E SEMPRE JOGUEI

Lá pelos anos 50 assistí um jogo na quadra descoberta do Grajaú TC que enfrentava a equipe do Sirio e Libanês pelo Campeonato Carioca da 1ªDivisão, onde,pela primeira vez na minha vida tive contato com um movimento tático inesquecível.Ví desenrolar-se perante meus olhos adolecentes uma movimentação em círculos dentro do garrafão grajauense, comandada pelo mítico jogador e técnico Ruy de Freitas,que era conhecida pelos torcedores como”a rodinha”.Um jogador de posse da bola na lateral do garrafão ensaiava um passe enquanto os outros quatro companheiros se movimentavam em forma circular dentro do mesmo, até que um deles pela rapidez se colocava em uma boa posição para o recebimento do passe e consequente bandeja.O inusitado da cena e a simplicidade da execução tornava aquela movimentação única e surpreendente, não por sua eficácia, mas por ser algo que diferia radicalmente das jogadas padronizadas que eram executadas pelas demais equipes.Aquele”algo”diferente me influenciou profundamente, pois abriu meus olhos para a descoberta da existência de um mundo repleto de possibilidades criativas, de um mundo fascinante no campo da tática e da técnica,da verdadeira arte que emanava do basquetebol.Daí para diante um universo de leituras abrangendo não só o jogo,mas toda manifestação cultural,econômica,social
e política que pudesse enriquecer o conhecimento global da manifestação desportiva
somou-se ao estafante,porém prazeiroso,mistér de ensinar, treinar e pesquisar tudo
que se relacionasse com o mesmo.Aos poucos foi se sedimentando a premissa maior em
minha vida de professor e técnico,a de que,apesar dos riscos e insucessos sempre
presentes,inovar, arriscar e ousar deveria pautar meu comportamento para sempre.
Jamais me arrependi daquela decisão, e continuo a praticá-la,mesmo pagando um alto prêço pela coragem de se situar muitas das vezes à margem da mesmice vigente,pela
opção de investir basicamente na formação,negando-se em muitas ocasiões aos convites
de equipes da Primeira Divisão.E foram nas divisões de base que pude desenvolver
sistemas de jogo experimentais, subvertendo em muito as modas vigentes.A principal
mudança foi a redefinição dos alas,que de jogadores fixos nas laterais da quadra,
passaram a atuar como pivôs móveis,situando-se inicialmente na linha de lance-livre,
para em conjunto com o pivô fixo, movimentarem-se em rápidas triangulações dentro do
garrafão. Os dois armadores, trabalhando em todo o perímetro da cesta, tendo como função primordial encontrar brechas para estabelecer superioridade numérica sempre
com o apoio de um dos pivôs móveis e do pivô fixo. As triangulações se tornavam movimentos expontâneos e ocorriam sistemáticamente próximas à cesta,propiciando arremessos de curta e média distâncias, e mantendo um mínimo de dois jogadores
posicionados para o rebote ofensivo,assim como estabeleciam o equilíbrio defensivo de
forma natural. Com a eliminação dos seguidos passes em torno do perímetro da cesta
o drible tornou-se o elemento básico na formulação dos ataques,o que garantia a posse
da bola com mais segurança, pois no Passing Game a bola permanentemente no ar ficava
na posse de quem a alcançasse primeiro. A utilização dos 24 segundos tornou-se mais flexivel com tempo suficiente para arremessos mais precisos e equilibrados. Os ataques,com mais tempo para sua formulação, permitiam uma sintonia mais fina nos
detalhes de execução, o que era inesequível no Passing Game.No entanto,exigia uma
prática intensa e participativa, principalmente nos fundamentos do jogo, na prática
dos verdadeiros corta-luzes, confundidos nos tempos atuais com simples cruzamentos
entre jogadores, que sequer reconhecem o que vem a ser”corta-luzes internos ou
externos”, bloqueios ofensivos ou defensivos. Enfim, a adoção do sistema se fundamentava no maior ou menor conhecimento que cada componente da equipe tinha de
sua individualidade e a de seus pares, fatores determinantes para o entrosamento consciente, tanto nos movimentos táticos previsíveis ou não, como para as inprovisações que adviriam das reações inesperadas dos adversários.Sempre afirmei que
sistemas táticos se constituem em movimentações que devem ser treinadas exaustivamente para não darem certo,e sim que desencadeassem no adversário atitudes,que quanto mais previsíveis forem, melhor terá sido o sistema.Ações de Dá e Segue entre armadores,com progressões firmes e assistidas propiciam uma enorme gama de situações para serem correlacionadas com as ações dos três pivôs na área do garrafão, em seus deslocamentos e movimentação contínua,fazendo com que seus marcadores sempre estivessem em função de reação e nunca de antecipação.Pivôs parados encorajam os defensores ao jogo físico e às interceptações, o que raramente ocorrerá se o atacante se deslocar em direção ao passe já executado.O ponto futuro, ou seja, o encontro do atacante com a bola em deslocamento, é a chave de todo sistema de jogo que pretenda ser eficiente, ao contrário do que se observa de maneira globalizada em nossas equipes, em que os pivôs emulam Shaquile O’Neal sem o fisico e o talento do mesmo. Argentinos,Lituanos, Iuguslavos,Italianos e muitos outros já utilizam seus pivôs em constante movimentação, longe dos parâmetros da NBA,e pelo que consta, na última Olimpíada nenhum dos pivôs destas equipes seguiam tal modelo, e a maioria sequer jogava naquela Liga.E nós, que tinhamos os pivôs mais rápidos e habilidosos do mundo,fomos de encontro ao modelo NBA por puro modismo e subserviência técnica,cultural,politica e profissional.Nossos mais recentes pivôs,Nenê e Baby são um produto dessa tendência sendo, inclusive submetidos a um processo de massificação muscular que levou o Baby a uma suspensão pela FIBA por uso de anabolizantes no Pré-Olímpico. O outro pivô, Varejão,vindo do basquete europeu manteve sua mobilidade e velocidade,e esperamos que não seja, ou não aceite ser submetido ao mesmo processo dos demais. Grande parte da imprensa esportiva americana contesta a não ida dos grandes astros a última Olimpiada, onde os americanos foram destronados de sua empáfia de Campeões do Mundo, que é a denominação que a NBA dá ao seu campeão,
levantando fortes suspeitas se a maioria deles passariam nos exames anti-doping rigorosos que foram feitos durante os Jogos de Atenas. Com as desculpas de falta de segurança não correram aquele perigo a não ser o nosso maratonista agarrado por um irlandês desequilibrado. Enfim,tenho nos ultimos 25 anos empregado soluções técno-táticas que se antagonizavam com a rigidez de um sistema totalmente fora de nossa realidade,mas escudado por um forte lobby pró-NBA, com a cumplicidade de TV’s,alguns jornalistas e administrações técnicas catastróficas para o nosso basquetebol. Ainda existem em nosso país tecnicos comprometidos com as nossas tradições técnicas, mas que pouco podem realizar perante o descompasso em que mergulhamos nesses anos de escuridão e omissão. Assim como, por teimosia e profunda convicção em um posicionamento antagônico ao que se designou “basquete internacional” proponho a discussão ampla e irrestrita entre todos aqueles que se interessam, estudam, pesquisam e trabalham pelo basquetebol em nosso país. Voltemos a nos encontrar, organizemos grupos de discussão e não simpósios, seminários e pseudo cursos que tem como finalidade maior a perpetuação de um modelo absurdo que se instalou em nosso meio.Vamos a luta!



2 comentários

  1. felipe 15.03.2011

    nao ajudou en nada

  2. Basquete Brasil 15.03.2011

    A mim, muito, prezado Felipe, a você…
    Uma pena.
    Paulo Murilo.

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