REVISIONANDO

Dediquei boa parte deste domingo percorrendo sites e blogs de basquete, alguns com fóruns e mesas redondas, muitos artigos, opiniões, e críticas bastante contundentes pelo que vem ocorrendo com a seleção no Japão. De forma geral, um aspecto é comum a todas as manifestações consultadas e visualizadas, a grande rejeição sofrida pela comissão técnica em seu trabalho. De a muito venho publicando artigos que abordam a nossa realidade técnica, e seus executores, os técnicos. Mas não só os de seleções, mas sim a grande maioria daqueles que dirigem e orientam as divisões de base e as equipes de clubes, de todas as divisões, pelo menos nos últimos 20 anos. O que observamos hoje em nossas seleções, são o mais puro reflexo do que vem sendo realizado por todo esse tempo. Ao adotarem o modelo NBA, com todas as suas implicações, que vão desde as influências técnicas e de técnicos, até a forma empresarial que teimam implantar entre nos, e para a qual não temos a mais remota infra-estrutura educacional, econômica e sociológica, apresentamos hodiernamente um pastiche do que entendem como “basquete internacional”. Nossa técnica e a maioria de nossos técnicos rezam por aquela cartilha, na qual jogadores são rotulados e numerados de 1 a 5, numa especialização que raia ao ridículo
mais atroz. Então, fundamentados nessa hierarquização algumas gerações de jogadores, em conclúio com muitos técnicos, estabeleceram em nosso país o reinado do sistema único, do sistema que privilegia as tais posições, criando verdadeiras capitânias (algumas hereditárias),
mergulhados na quimera do acesso ao éden profissional do norte, onde um estágio de quinta categoria em clinicas para cucarachos, passaram a ser o sonho de consumo para muitos de nossos técnicos, assim como decepcionantes summer camps o eram para muitos jogadores,
aspirantes aos milionários drafts dirigidos por expertíssimos empresários. Poucos o conseguiram, mas muitos, muitos estiveram e estarão na estrada sem fim. Essa terrível influência pautou nossos jovens nos últimos, repito, 20 anos, e a nossa seleção que disputa o mundial é o mais puro reflexo desse sistema de jogo, o passing game. Ouvindo atentamente os comentaristas dos jogos é possivel pescarmos jóias fundamentadas nessa influência.”O Leandro
tem dificuldades de progressão em suas penetrações ao encontrar flutuações defensivas que não são permitidas na NBA”- “Varejão e Spliter terão sérias dificuldades quando encontrarem
verdadeiros 5 pela frente”- “Penetrações e drible são inconcebíveis contra defesa por zona”-
“O arremesso de 3 é a única arma no perímetro”- “O rodízio permanente entre os jogadores é
obrigatório para manterem o nível físico e técnico”- “O trabalho de 5 x 5 é a chave do sucesso”-
Enfim, como estas, muitas outras infuências bombardearam sistematicamente a mente e os ouvidos de nossos jovens, por demasiado tempo. Portanto, o que apresentamos no mundial reflete com precisão toda a influência que pautou a formação de grande parte destes jogadores,
e aqueles que de certa forma foram influênciados por uma outra escola, a européia por exemplo,
como no caso do Huertas, sofrerão restrições quando confrontados pelos demais do modelo NBA.
A comissão técnica é toda formada dentro da influência do passing game, do controle ditatorial
de esquemas pré-estabelecidos em quaisquer movimentações ofensivas, demonstradas à exaustão nas pranchetas e nos sinais semafóricos. Toda essa influência de rígida exogenia necessita de jogadores calejados no dia a dia, nos anos de mútua aceitação técnico-tática, daí o
predomínio dos mais veteranos, em detrimento dos mais jovens, mesmo que muito melhores tecnicamente. A grande maioria dos técnicos necessitam desse endoço técnico para se manterem atuantes e influentes, daí a existência dos famosos “pacotes” que percorrem estados na busca de prefeituras que os patrocinem. Nossa seleção é o espelho dessa realidade, sem retoques, sem
vôos mais altos que a constante rotina. Por isso, os cardeais se sentem seguros, sabem que jogarão muitos minutos mais que jovens impulsivos e algo independentes, que apoiados pelos técnicos se autoproclamarão líderes e porta-vozes do grupo,denominado”fechado”pelos mesmos.
Mas esquecem, principalmente os técnicos, que essa confraria em muito pode prejudicar os anseios de melhoria técnica, e a necessidade de galgármos melhores posições no plano internacional. No jogo contra o Qatar, a equipe teve a escalação inicial representativa da realidade técnica atual. Os cinco jogadores que começaram a partida são os melhores e os mais capazes no momento, e por isso têm de ser mantidos pelo maior espaço possivel em quadra. Os demais, serão utilizados quando necessários, independendo se são cardeais ou não, se se acham líderes ou não, se representam grupos ou não, se garantem o “status quo” ou não, e têm a obrigação de serem os mais efetivos possíveis quando chamados ao jogo, que seja por um único minuto sequer, pois líder de verdade é aquele que cumpre suas obrigações, dentro e fora da quadra, independendo de por quanto ou nenhum tempo jogado. E que os técnicos compreendam e aceitem de uma vez por todas, que alí estão para representarem o país, e não para darem asas a seus egos, e a impositivas e pétreas posições. Mas, honestamente não creio que o façam, pois seguem e adotam os comportamentos de seu maior aliado, o grego melhor que um presente, para o qual não existe nada nem ninguém que o supere. Infelizmente.



6 comentários

  1. Renato Padovani Tognolo 21.08.2006

    Caro professor Paulo,

    não conhecia este blog, encontrei através do google enquanto buscava algum site com notícias e opinião inteligente sobre o basquetebol brasileiro. Encontrei o databasket.com e este aqui. Parabéns pelo blog, estou gostando muito do que leio.

    Após percorrer este blog e alguns artigos no databasket.com começo a entender um pouco a postura do Wlamir Marques e do Zé Boquinha nos comentários dos jogos do mundial. Percebi os dois meio “se segurando”, fazendo um esforço evidente para serem diplomáticos, e não botando o dedo na ferida dos problemas técnicos e táticos do nosso time. Por favor me corrija se eu estiver errado, mas ao que parece, o mal estar já é muito grande, a frustração vai muito mais longe do que a falta de uma ou outra jogada do time brasileiro e, como o baquetebol é uma comunidade pequena, percebo que eles preferem regular o quanto realmente desta briga eles vão comentar. Não os condeno por isso.

    Mas, ao time em si. Se me permitir, eu fico ansioso em ter alguém com quem debater as coisas que eu vejo em quadra e me parecem óbvias. Sei que “o buraco é mais embaixo” no basquete brasileiro, mas de vez em quando tenho ansiedade apenas de discutir o que acontece em quadra…

    Me preocupa mais do que tudo é o que eu julgo ser falta de aplicação dos fundamentos na execução ofensiva e defensiva. No ataque eu não vejo 1 corta-luz bem feito, o pessoal parece que finge que vai bloquear o outro atleta e já corre pra fazer outra coisa! Assim como os passes, o tanto que eles estão pulando pra passar é um exagero, e é o melhor jeito de tomar uma decisão apressada e errada. Da mesma maneira na defesa, eu vejo os jogadores arriscando muito as roubadas de bola e colocando todo o sistema em perigo, assim como a defesa do rebote displicente e muitos jogadores arriscando o toco e “comprando” as ameaças de arremesso à tôa.

    Com fundamentos falhos, não há tática que funcione. Mas ainda assim a tática não ajuda. Um exemplo: não consegui entender até agora por quê, no jogo da Austrália, tínhamos o Splitter marcando o Bogut enquanto o Anderson marcava um pivô menor e mais fraco. O coitado do Splitter (aliás, o melhor fundamento defensivo do time) se matando pra conseguir trombar com o Bogut, e o Anderson sendo levado até lá longe, na linha do lance livre, atrás do outro adversário, longe do rebote, longe de ajuda e de tudo. E o Anderson, é um tremendo potencial mas não me parece um jogador taticamente disciplinado – se não tiver alguém puxando pra que ele defenda o rebote de maneira “quadrada”, não arrisque ir pra todos os tocos que pode dar, vamos ficar sem rebote e matar o contra-ataque, que poderia ser a nossa melhor arma…

    No ataque, a situação um pouco pior. O Leandro é provavelmente a melhor % de aproveitamento de 3 pontos da NBA, mas eu não vejo uma jogada armada pra ele receber e chutar livre. Nossas falhas de fundamentos impedem que sequer 1 jogada seja realizada corretamente. Também no primeiro jogo, via o Leandro carregando a bola para o ataque e distribuindo o jogo. Não deveria ele estar do lado contrário, recebendo a bola de quem distribui?

    E eu poderia escrever o resto da tarde. Será que estou tão errado assim? Agradeço qualquer tipo de crítica.

    Abraço,

    – Renato

  2. Basquete Brasil 21.08.2006

    Prezado Renato, parabéns por suas colocações, realmente pertinentes.Você disse tudo, e mais,demonstrou sensibilidade na abordagem sobre os comentaristas.Se não abordarmos com seriedade e isenção os”verdadeiros”
    problemas que nos afligem, não chegaremos a lugar nenhum.Dê uma boa olhada nos artigos que tenho publicado desde setembro de 04,com calma,e se possivel cronológicamente,após o que poderemos sintonizar alguns convergentes,e até divergentes pontos de vista.Será um prazer debatê-los.Um abraço, Paulo Murilo.
    PS-Se possível, tente alargar o conhecimento do blog com outras pessoas interessadas, para que possamos estabelecer um debate muito mais amplo.Obrigado,PM.

  3. Renato Padovani Tognolo 21.08.2006

    Acabei de ler Setembro de 2004.

    Juro por Deus que não tinha lido nada daquilo quando reclamei das falhas de fundamentos do time.

    🙂

    Estou gostando muito da leitura. Só não acho que concordo com a “demonização” do “Passing Game”. Acho qualquer sistema, se distorcido, pode levar aos problemas que o Sr. identifica. Da mesma maneira, sistemas ofensivos e defensivos mais limitados podem ser executados com brilhantismo desde que com a filosofia correta, aproveitando as virtudes dos jogadores disponíveis.

  4. Basquete Brasil 22.08.2006

    Renato,não se trata de demonizar um sistema se fosse um entre vários.O trágico é sabê-lo único nos últimos 20 anos.Instituiu-se entre nos o reinado do sistema único,e o pior,aquele que mantém a bola 70% ou mais no ar,disponível ao que chegar primeiro a ela.Mas,sem dúvida alguma,é o sistema ideal para o controle dos jogadores por parte dos técnicos,já que posicional e previsivel,coreográfico,como defino. Nossa tradição maior sempre foi o dominio,a posse da bola,o manejo, que exige sistemas mais flexiveis e com movimentação imprevisivel,fator apavorante a determinada classe de treinadores.Se possivel,leia mais no blog,e quem sabe concordaremos ou não
    quanto à demonização.Um abraço,Paulo Murilo.

  5. Renato Padovani Tognolo 26.08.2006

    engraçado é que, com a eliminação do Brasil deste mundial, comecei a ler um pouco mais sobre os outros times, especialmente o time americano.

    Pois não é que custou apanhar algumas vezes, mas aos poucos os americanos vão acordando? Olha só isso:

    Coluna que eu encontrei hoje no site da Sports Illustrated: Team USA doomed to fail without immediate changes

    E esse comentarista aqui eu gosto muito, já foi técnico na CBA, o Charley Rosen… olha só as resenhas que ele faz dos jogos dos EUA no mundial – não se ilude nem um pouco:

    http://msn.foxsports.com/writer/archive?authorId=227

  6. Basquete Brasil 26.08.2006

    Caro Renato,os articulistas americanos não falseiam as verdades, e por isso não se iludem.No jogo contra a Italia so foi utilizada a defesa individual em todo o jogo.Com isso, os italianos puderam avaliar até que ponto poderiam resistir aos americanos nesse esquema.Quase venceram.Se voltassem a se enfrentar, certamente só se utilizariam da defesa por zona, o que anularia em muito uma nova performance do Carmelo.Mas a estratégia inteligente dos italianos deverá ser aproveitada pelos demais europeus, e principalmente a Argentina.Quem viver verá.Um abraço,Paulo Murilo.

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