O QUARTO E QUINTO DIAS…

Quarto dia- Fizemos um treino matutino de fundamentos específicos para armadores e pivôs, numa tentativa de anteciparmos as etapas de ajustes entre as ações de fora e de dentro do perímetro, ações estas que necessitam de um bom espaço de tempo para serem dominadas, pois a coordenação entre os dois segmentos é difícil e exige que muito tempo seja despendido. Mas, o primeiro jogo sendo no dia seguinte, algo deveria ser tentado, mesmo com uma perda de precisão, acentuada pela quase certeza de que o armador chileno recém chegado teria poucas chances de participação, dado a pequenos detalhes burocráticos necessários a sua inscrição junto à CBB.

Três armadores é o mínimo necessário à rotação obrigatória no sistema que empregamos, e a ausência do bom jogador chileno teria de ser coberta por uma improvisação, no preparo de um ala, objetivando sua nova e difícil missão. Logo, nossa maior carência tática já se delineava para o jogo.

Os exercícios específicos constavam de dois pequenos circuitos delineados por cadeiras, onde as movimentações de armadores e alas pivôs tentavam recriar situações de jogo e suas peculiaridades.

Finalizamos a pratica com exercícios de arremessos, principalmente os DPJ (drible, parada e jump), e os lances livres.

No treino vespertino, a impossibilidade de utilizarmos uma quadra de jogo, emborrachada, e limpa com detergente de base oleosa, tornando-a perigosamente escorregadia, fez ruir nossa pretensão de aplicarmos e desenvolvermos as ações de coordenação entre os armadores, atuando fora do perímetro, com os alas pivôs dentro do mesmo, agregando mais um atraso na preparação técnico tática da equipe.

Quinto dia- Conseguimos o ginásio da Associação Atlética Cabofriense para o treino da manhã, cuja quadra de jogo apresentava somente uma das cestas em condições, permitindo sua utilização para exercícios em meia quadra. Enfatizamos ao máximo que podíamos o entrosamento entre armadores e pivôs móveis, repetido e detalhadamente, sabedores, no entanto, que muito e muito mais teríamos de praticar o novo sistema, diferenciado em tudo do que era realizado por todos os integrantes da equipe, mas num ritmo mais contido a fim de não nos desgastarmos para o jogo da noite.

Foi um treino de boa qualidade, no qual já começava a se desenhar as soluções ofensivas criadas pelos próprios jogadores, ao desenvolverem com mais precisão a leitura da defesa que enfrentavam, meta prioritária do sistema proposto.

Terminamos com uma longa exposição sobre os problemas técnico táticos que a equipe estava enfrentando, e os muitos obstáculos que ainda teria de enfrentar, para alcançar um patamar de boa qualidade nos jogos, assim como tornei claro a todo o grupo minha insatisfação sobre os graves problemas técnico administrativos que estava a enfrentar até aquele momento, quando não descortinava muitas e razoáveis probabilidades de vê-los equacionados pela direção administrativa da equipe. Afiancei meu compromisso de prepará-los da melhor forma possível dentro do escasso tempo disponível, visando os dois jogos da semana, difíceis e decisivos para a classificação ao playoff semi final, e também estabelecendo um prazo final na cobrança da promessa contratual estabelecida para a minha vinda e estada a Cabo Frio, que até o momento se exequibilizava pelo empenho deles próprios, os jogadores, nas reservas hoteleiras, na alimentação, para que o básico conforto de minha estadia fosse preservado, numa experiência inédita e tocante que experimentava na minha longa carreira de técnico e professor.

Perante tal realidade de descompromisso unilateral financeiro, anunciei constrangido e muito triste que manteria minha palavra e trabalho até o final do segundo jogo da semana, pois, ao iniciar uma reforma técnico tática de tal monta e importância no comportamento técnico de todos, tornava-se prioritário que os mesmos experimentassem, pelo prazo que fosse, as realizações e conseqüências de tão profundas atitudes e ações no sentido prático, aceitas e exaustivamente trabalhadas por eles até aquele momento. E ao preferir e optar por aquele desabafo algumas horas antes do primeiro jogo, bem sei, e avaliei, o impacto que poderia implodir o trabalho até ali realizado, mas, também, quis dividir com todos, o sentimento maior que amalgama os integrantes das grandes e verdadeiras equipes, o sagrado compromisso do comprometimento, compromisso este que me acompanhou por toda uma vida, e que seria preservado até o momento em que ela terminasse.

Acredito firmemente que todos compreenderam, e mesmo sem aceitarem o futuro desfecho, partiram para Macaé com a plena disposição de que todo o esforço despendido não teria sido em vão. E parti com eles.

Amém.

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6 comentários

  1. Felipe Diego 02.03.2011

    Prof. Paulo Murilo, acredito que o seu trabalho em Cabo Frio seja um verdadeiro desafio, uma vez que aí há uma carência enorme do material necessário e de apoio financeiro. Mas lhe faço um pedido: não desista. Mantenha o compromisso que o senhor tanto prega e trabalhe forte.
    Um abraço, Felipe Diego.

  2. Diego Felipe 03.03.2011

    Seria meu homônimo, aqui em cima?
    Professor, continuo sempre acompanhando seu blog, e venho aqui partilhar duas ótimas notícias: consegui entrar na Universidade Federal do Ceará, como graduando em Biotecnologia. Uma parte disto devo à inspiração que suas histórias, de constantes lutas e dedicação, me deram. E a outra notícia é que faço parte da equipe de basquete da mesma UFC, já no primeiro semestre de curso, e estou tentando me basear técnico-táticamente no dueto defesa e fundamentos, principalmente de controle de bola, já que nunca os treinei satisfatoriamente. Mas aqui queria perguntar-lhe e, se possivel, fazer um pedido: como treinar minha visão de jogo? (além do próprio ato de jogar, para ser mais exato).
    Abraços, Diego.

  3. Basquete Brasil 03.03.2011

    Prezado Felipe, como em tudo na vida, existem limites e necessidades que devem ser respeitados, e que não podem ser negligenciados impunemente. Me comprometi com os jogadores até o jogo de hoje com o Tijuca, quando darei por encerrada minha participação na direção técnica da equipe. Dura e triste realidade.
    Paulo Murilo.

  4. Basquete Brasil 03.03.2011

    Parabéns Diego, parabéns mesmo. Faça jús ao investimento que o país estará fazendo em sua educação, prêmio conquistado com muito estudo e trabalho, mérito para poucos, muito poucos da sua idade nesse país continente.
    Jogue seu basquete, treine o que for possivel, estude e invista no saber, no conhecimento, no futuro, seu e da nação. Estarei torcendo por você, lembrando agora e sempre, que o alargamento de sua visão do futuro é em tudo similar à visão progressiva do grande jogo, ambas fundamentadas no esforço continuo em busca do saber, riqueza maior do gênero humano.
    Boa sorte, e sucesso.
    Paulo Murilo.

  5. Henrique Lima 03.03.2011

    Professor Paulo !

    A luta diária e constante nas quadras brasileiras. De uma realidade bem esquecida por todos né ?

    Imagino que colherá frutos ainda maiores da sua passagem por Cabo Frio ! Tenho certeza !

    Um abraço !

  6. Basquete Brasil 03.03.2011

    Já não alimento muitas expectativas sobre continuar nas equipes de elite, que são movidas pelo sistema Q.I. do qual sou persona non grata desde sempre, Henrique. A brecha concedida pelo Saldanha foi a senha final e definitiva de que qualquer influência técnico tática vinda de mim deveria ser expurgada e esquecida. Esqueceram porém da liga menor, e o Cabo Frio se abriu, para logo, coerentemente se fechar. No entanto, todo e qualquer documento visual que eu possa ter acesso do trabalho realizado, tentarei aqui veicular, como um testemunho e preito a um trabalho digno, evoluido, e acima de tudo, a serviço do grande jogo.
    Um abraço. Paulo.

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