RESPONDENDO AO VICTOR…

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O assíduo leitor Victor Dames, postou um ótimo comentário no último artigo aqui publicado, que foi o de número 1300 desta longa saga no basquete tupiniquim, com mais de 10 anos de presença ininterrupta. Alguns excelentes comentários de outros leitores serviram de mote para artigos instigantes aqui amplamente discutidos, e este do Victor será um deles, sem dúvida, pois levanta uma tese técnico tática a muito defendida nesse humilde espaço, e que aos poucos vem se impondo no seio de algumas equipes da LNB, porém ainda profundamente influenciada pelo sistema único, solidificado e cristalizado no âmago dos técnicos e jogadores do país, desde a base formativa de onde se originaram…

Do comentário em questão, foquei o parágrafo abaixo, para comentá-lo sob os critérios aqui, e de longuíssima data, defendidos, estudados e aplicados na prática competitiva, da base a elite, e que, de certa forma,  encontra razoável receptividade, ainda insipiente, adaptada aos conceitos inerentes à realidade técnica e tática das equipes a seguir mencionadas…

 

(…) Aproveito ainda para colocar algumas questões sobre meu Flamengo: apesar daquele último jogo em que o rubro negro ganhou volume ofensivo e virou o placar no fim com as bolas longas do Marcelinho, o time não tem evoluído para sair do sistema único (embora ainda o execute em boa parte do jogo), explorando conceitos que o senhor sempre defendeu, como a dupla armação e os pivôs móveis? Me corrija se estiver errado, mas se o Hermann (ou o Olivinha, que voltou a titularidade nos últimos jogos) jogassem mais perto da cesta, em vez de se posicionarem para tiros de três tantas vezes, essa dupla armação que aparece com Laprovitola e Benite (e as vezes o Gegê no lugar de um deles), e até o Marquinhos quando faz as vezes de um armador, não seria uma clara forma de jogar fora do sistema único?(…)

 

Sem dúvida alguma Victor, as equipes do Flamengo, Limeira e Franca foram aquelas que mais se aproximaram da possibilidade de jogarem fora do sistema único, pois apostaram na dupla armação e nos pivôs de alta mobilidade, mantendo um ala, também veloz, ágil, e de boa estatura na composição de um trio atuante dentro do perímetro em velocidade e constante movimentação, exatamente como defendo a décadas, fora e dentro das quadras…

Porém, quando acima menciono que aquelas equipes se “aproximaram da possibilidade de jogarem fora do sistema único”, deixo bem claro o fator “possibilidade”, pois nenhuma delas o abandonou, e sim adequou, na medida do possível, seu arraigado sistema de jogo a algo realmente promissor, mais ainda muito distante de suas convicções, longamente agregadas ao seu modo de atuar no grande jogo…

No sistema por mim propugnado, inexistem “jogadas” marcadas e codificadas, substituídas por “situações de jogo” que não o são, e sim desenvolvidas de acordo com posicionamentos e comportamentos defensivos, que devem ser confrontados dentro dos princípios dos fundamentos básicos individuais e coletivos do grande jogo, que são situações mutáveis, irrepetíveis, dinâmicas e fugazes, exigindo um árduo e seletivo preparo para reconhecê-las no menor espaço de tempo possível (diagnose/retificação), a fim de que possam ser superadas individual ou coletivamente, com conhecimento, controle, humildade (humildade, sim…) e bom senso, que são as qualidades intrínsecas da improvisação, a arte maior daqueles que dominam seu instrumento de trabalho, mental e fisicamente, pois só improvisa quem sabe,,,

Todo este cenário de bem jogar, só será factível com o abandono da tutela pranchetada, com seus chifres, punhos, cabeças, hangs e picks encordoando os jogadores, que mesmo sob dupla armação e pivôs móveis, ficam submetidos às amarras de técnicos personalistas e centralizadores, esquecendo que em nenhum momento encestam e marcam lá dentro. onde as verdades acontecem, reais e palpáveis, como também, e em muitos casos omitindo, que seu verdadeiro papel é no treino, profundo e esmiuçado treino, jamais rachões, e sim uma busca pela perfeição dos movimentos fundamentais e ações técnicas de seus jogadores, fazendo-os pensar individual e coletivamente, quando, ai sim, influenciará decisivamente na sistematização da equipe que ensina, orienta e comanda…

Então Victor, ainda nos encontramos um pouco afastados do sistema que sempre adotei, livre, emancipado, porém responsável e coerente com uma realidade forjada no treino de fundamentos e profunda prática de leitura de jogo, consciente e criativa, sem medos, principalmente o de errar, sabendo avaliar e corrigir o mesmo, sem culpabilidades e afrontas, simplesmente jogando o grande, grandíssimo jogo…

Ah, Victor, mais um detalhe, para chegarmos a esse estágio que expús, que os técnicos se convençam de que não são o centro da equipe no jogo, quando no máximo a auxiliará pontualmente, mas sim o seu norte, ao prepará-la com todo seu conhecimento e experiência na arte do treino, que é o ambiente daqueles que realmente dominam o… você sabe…

Um abraço e obrigado pela sua sempre bem vinda audiência.

Amém.

Fotos – Clique nas mesmas para ampliá-las.

 

 

 



2 comentários

  1. Victor Dames 25.05.2015

    Caríssimo Professor:

    Em primeiro lugar, não posso deixar de destacar o quanto me sinto honrado com sua resposta, neste artigo que é uma verdadeira aula do bom basquete, aquele que tanto os verdadeiros especialistas quanto os leigos do esporte realmente gostam de assistir…

    Quanto ao conteúdo didático, o que posso dizer? O Senhor tocou no cerne da questão: os técnicos tentam decidir as jogadas nos pedidos de tempo, com o jogo parado, quando não há uma situação de jogo ainda posta em quadra. Tal decisão deveria caber exclusivamente aos jogadores, que se amparariam nos conceitos aprendidos desde a base, e aprimorados em treinos de verdade, onde se valorizassem as situações de quadra, e não somente as qualidades individuais de cada jogador. O momento de decisão de um só jogador é único, pois acontece apenas no instante final de uma partida, e não deve ser executado a todo momento, em situações forçadas, como temos visto até na propalada NBA. Além disso, e é para poucos privilegiados com o dom de decidir. Mesmo assim, num jogo de conceitos coletivos, deve ser amparado pelos movimentos de seus companheiros, a fim de deixá-lo em condições de executar a decisão que lhe compete…

    Lendo seus argumentos, chego a visualizar situações de jogo que, pela minha idade, jamais tive a oportunidade de assistir, salvo alguns poucos minutos por partida. Algo que devia ser comum naquela fantástica geração dos anos 50, 60, e que deveria servir de exemplo para a geração atual.

    Agradeço pelos ensinamentos, e por confirmar que ando pelo menos pensando num basquete melhor que aquele que assisto. Abraços!

  2. Basquete Brasil 25.05.2015

    Victor, fico imensamente feliz com esse diálogo técnico que estabelecemos, provando que mesmo divergindo em alguns pontos e posicionamentos, conseguimos convergir em outros, tão ou mais importantes, como devem ser as discussões sérias e bem fundamentadas.
    Espero que ainda possamos por longo tempo manter viva essa experiência voltada ao entendimento racional do grande jogo, sem rodeios e falsas projeções.
    Obrigado por sua sempre bem vinda audiência. Um abraço, Paulo.

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