O “CHIFRE DE LADO”…

csc-979Obra em casa é sempre um sufoco, muita poeira, muito entulho e muito pouca paciência com os prazos cada vez mais elásticos para o término, que parece não ter fim. Mesmo assim, dei-me um intervalo para assistir a estréia da nova seleção brasileira, plena de jovens e nova direção…

O que vi, e o que achei? Tecnicamente, um naipe de jovens e promissores jogadores, desde que sejam devidamente corrigidos nos fundamentos do jogo (e não lapidados…), a fim de que se gabaritem a sistemas ofensivos e defensivos bem mais exigentes do que o feijão com arroz que apresentam e apresentaram desde sempre, onde nem um mísero bloqueio é efetuado corretamente, quiçá um decente trabalho defensivo de pernas…

Taticamente, a mesmice de sempre, endêmica e limitadora a toda e qualquer iniciativa criativa, que não seja aquela imposta de fora para dentro da quadra, com inclusive uma novidade que, ao ser pedida num dos tempos técnicos, aguçou minha curiosidade, afinal se tratava de uma jogada inédita, pelo menos para mim, o “chifre de lado”, completando a tríade chifruda “para cima”, “para baixo” e “invertido”, mas que na execução ( se é que houve…), fiquei somente com a curiosidade, nada mais…

Poderia encerrar os comentários por aqui, no entanto, como escrevo no dia seguinte ao jogo, pude ler numa matéria do globoesporte o seguinte relato do estreante técnico –

(…)Segundo o comandante, na parte técnica, a ideia foi colocar em prática apenas uma parte do repertório treinado para que os atletas executassem com menor probabilidade de erros. Até a estreia na Copa América, a tendência é que o número de jogadas colocada em prática vá aumentando.

(…) A ideia é de passar um grande volume nos treinamentos, mas nos amistosos diminuir bem para eles não se confundirem. Nos amistosos, e agora que vamos para a Argentina, não será feito de forma integral. Estamos escolhendo alguns movimentos que eles estão se saindo melhor. Acredito que o que a gente selecionou, a gente fez bem. Agora, o restante  conforme forem acontecendo de forma mais automática, a gente vai soltando nos jogos – disse(…)

Pelo exposto, creio que não preciso me alongar em comentários que nada acrescentariam ao cenário do grande jogo entre nós, pelo menos aquele que entendo por grande jogo, em contraponto ao que praticamos centrados  no sistema único, com seu repertório encordoando os jogadores como marionetes guiados de fora para dentro da quadra, representado em pseudos grafismos nas descerebradas, porém, midiáticas pranchetas, e aí sim, confundindo os jogadores pelo irrealismo que ostenta, frente a dura realidade do campo de jogo, onde, inclusive, atuam defensores nunca mencionados nas ditas cujas, como “os russos” da sabedoria popular futebolística, reminiscência magistral do criativo, técnico, tático e estratégico Garrincha…

Nestes momentos fico imerso em pensamentos e lembranças da face mais cerebral e criativa do grande jogo, o improviso consciente, fruto direto da arte do domínio pleno dos fundamentos individuais e coletivos, fatores que habilitam os jogadores a consecução de todo e qualquer sistema, ofensivo e defensivo que se lhes apresentarem, onde as jogadas fluem com naturalidade e plena consciência de execução, e não impostas coercitivamente a cada movimento realizado, repetitivo, monocórdio, amorfo, automático, na vã tentativa de repetí-las, impossibilidade inerentes a elas mesmas

Estas observações nos orientam a letalidade dos repertórios de passo marcado, das exigências do “eu quero”, do “eu determino”, do “eu exijo”, todas antíteses do “joguem com  inteligência”, com”o que sabem e dominam”, com “companheirismo”, “lendo e compreendendo as minúcias e facetas do jogo”, “com bom senso”, enfim, “agindo, fluindo e atuando como um todo, como uma equipe de verdade”…

Por tudo isto, temo os repertórios que avolumam e enriquecem manifestos currículos, e apoio o culturalismo e o profundo conhecimento de uma disciplina, sabendo que o mesmo sempre  se manifestará  pequeno frente às exigências básicas e necessárias ao comando, o seguro, responsável e solitário comando, jamais participante dos novos petit comitês com assistentes, que agora acontecem a cada tempo pedido e antes das instruções, numa cópia canhestra dos exércitos de técnicos e assistentes das ricas equipes americanas.

Enfim, aguardarei mais alguns jogos, amistosos e oficiais, para também, repetitivo e monocórdio, reportar o que fatalmente ocorrerá pela manutenção doentia do sistema único, a não ser que. oxalá, sejamos surpreendidos por algo de novo, corajoso, instigante, evolutivo em uma seleção  tão nova e promissora, merecedora de novos ares, mas que não seja, meus deuses, um “chifre de outro lado”…

Amém.

Foto – Reprodução da TV. Clique duplamente na mesma para ampliá-la e acessar a legenda.(Ctrl + amplia mais a imagem)



7 comentários

  1. walter Carvalho 18.08.2017

    Ola Professor,

    Infelizmente nao tive a oportunidade de assistir o jogo e ou a entrevista com o tecnico.

    Acredito que em qualquer inicio de trabalho, o importante e treinar uma filosofia de jogo que se adapte as caracteristicas dos jogadores.

    Movimentacoes taticas de ataque, pre-formatadas e ou copiadas, geralmente nao funcionam e impossibilitam a criatividade individual do atleta para criar dentro da movimentacao especialmente quando o periodo de treinamento e curto.

    Pelo que li em sua coluna, parece-me que o tecnico esta mais interessado em impor um sistema de jogo de meia-quadra e nao de quadra-toda com transicao rapida da defesa para o ataque e vice-versa.

    Me parece que durante o periodo de treinamento o tecnico ira focar mais nas movimentacoes taticas ofensivas do que no aprimoramento dos fundamentos de jogo no ataque e na defesa.

    Enfim, pelo comentario acima, acredito que iremos apresentar os mesmos erros tecnicos e taticos observados durante o periodo que o Magnano dirigiu a nossa selecao. Alguns destes apontados por voce no seu texto.

    Acredito tambem que a defesa continuara a falhar nas marcacoes do “pick-and-roll” e dos arremessos de “3 pontos” e o ataque sera de meia-quadra e “previsivel” totalmente dominado pelo seu armador (facilitando assim o trabalho defensivo do adversario).

    Sobre a qualidade dos jogadores novos, acho que estes deveriam participar de varios torneios, antes de serem expostos a competicoes oficiais pois depois do vexame do feminino, o esporte nao pode ter um outro fracasso a nivel Internacional, pois isto prejudicaria em muito o futuro e o trabalho da “nova” CBB.

    Ate breve e Boa Sorte Brasil.

  2. walter Carvalho 18.08.2017

    Professor,
    Estou assistindo os jogos da FIBA Europa de selecoes sub 16. Que beleza. Jogadores dominando os fundamentos basicos do esporte. Infelizmente, estamos a varias decadas atras destes paises e a muitos anos de trabalho de distancia dos mesmos para tornarmos nossas equipes competitivas.

  3. Vítor Martins 19.08.2017

    Olá professor,

    não sei se você está acompanhando, mas a federação paulista agora está transmitindo os jogos de seu campeonato regional pela internet. Assisti ontem Pinheiros x Franca. A equipe da capital começou com Arthur, Marcus e Gemerson. Dois jovens “blogueiros”, com bastante influencia em quem consome e pratica o grande jogo, estavam bradando no Twitter como é uma equipe “versátil”. Eu no alto da minha ignorância de apenas um espectador e amante de basquetebol os questionei afirmando: “O sistema não muda. Um continua fazendo o ‘5’. É versátil entre aspas.”. Eles contra argumentaram falando que poderiam fazer várias trocas na defesa e assumir diferentes papéis no ataque. Respondi: “Os jogadores são versáteis, o sistema n. Eles fazem coisas diferentes em quadra, mas continuam presos ao 1 a 5. Podemos mais. Eles revezam os papeis de 3 a 5, mas em todo ataque continua existindo um ala, um ala-pivô e um pivô. Paulo Murilo diria: ‘mesmice endêmica'”. Não obtive mais respostas.

    Queria te perguntar se estou completamente errado ao nem ao menos ser respondido de volta por tais comunicadores e entendedores do jogo? Estou enxergando de menos? O que fez a equipe do Pinheiros (sem nenhuma força defensiva e completamente entregue a equipe francana no famigerado 1 ao 5 e perdendo a partida por uma diferença enorme de pontos) era absolutamente diferente? Versátil sem aspas? Continuando uma predominância do jogo externo? Versátil é quando mais de um jogador pode chutar as incontáveis bolinhas ao mesmo tempo que pode, esporadicamente, também jogar embaixo da tabela?

    Como vencer o sistema único se ele está tão introjetado dentro de toda uma cultura basquetebolística dentro do Brasil. Comunicadores jovens, que consomem muito basquetebol estrangeiro das Euroligas e NBA’s, admirando um simples uso de uma adaptação do sistema? Essa batalha também precisa ser vencida fora de quadra, nas chamadas de Sportv, nas escalações da TV, nas premiações do NBB, nas opiniões e nos debates dos novos e velhos blogs na internet. Pelo menos na minha opinião.

  4. Basquete Brasil 19.08.2017

    Pois é Walter, tudo igual técnica e taticamente na seleção, mudar para que, se jogadores e técnicos jogam padronizados e formatados desde sempre, mudar para que? Ah, não posso esquecer que mudanças houveram, pois temos agora na inflacionada comissão um analista de performance, ou coisa que o valha, dentro de um batalhão de 14 especializados, e olha que não foram escalados a nutricionista e o psicologo, para fazê-los andarem sobre brazas…
    Não mudam nada, e jamais mudarão, o que realmente é uma pena sem tamanho. Mas ainda acredito que dias melhores virão, têm de vir. Um abraço, Paulo.

  5. Basquete Brasil 20.08.2017

    Nossa sub 16 levou de 40 da Argentina a pouco tempo, e a desculpa? Pouco tempo de treino…
    Vamos ver se a nova administração recobre o sentido do bom senso, que é o mínimo que se pede para melhorar um pouco este cenário devastador.

  6. Basquete Brasil 20.08.2017

    Prezado Vitor, errado você? Nunca, e digo mais, somente vejo uma maneira de confrontar esta mesmice, eu ter a “permissão” para voltar a dirigir uma equipe no NBB, pois sou o único a bradar contra tanta insanidade que grassa destrutivamente no seio do grande jogo, já tendo tido uma rapidíssima passagem pela elite que tanto aviltam tal corriola, mas duvido que permitam, pois teriam de reformular muito, ou quase tudo do que acreditam saber. Infelizmente essa é a dura realidade, sem exagero nenhum. Como ser praticamente impossível obter tal oportunidade, sigamos consumindo a mesmice endêmica que alimenta tanta insensatez. Continuamos na luta, pois nessa trincheira não podem intervir. Um abraço, Paulo Murilo.

  7. Walter Carvalho 20.08.2017

    Ola Professor Paulo,

    Para mudar e preciso estudar, conhecer e saber como implementar a mudanca.

    E necessario tambem kilometragem rodada. Os tecnicos de todas as categorias da USA Basketball combinam anos de experiencias como assistente e tecnicos.

    Nao basta sonhar! Tem que saber como realizar o sonho! E tudo muito triste e frustrante para quem ama o esporte observar tudo isso!

    Ate breve!

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