COMO FAZER? (From Dublin)…


    Apesar do frio incessante, continuo na descoberta de Dublin, com seus museus e parques magníficos, e sua culinária diferente e atrativa. Seu serviço público de transportes, sem nada de especial, da conta nos deslocamentos, mas tendo extremo cuidado nas travessias de ruas e avenidas com seu fluxo ao contrário do nosso…

    Sobra algum tempo em casa para um bom e aquecedor café, e uma abreviada consulta nos emails que chegam, inclusive a do amigo fiel com suas colocações ponderadas e cobranças pertinentes, afinal como um dos poucos leitores desse humilde blog, se sente no pleno direito de contestar, comentar e situar perguntas e dúvidas sobre os artigos aqui postados. E uma que me chega é impactante – “ Paulo, como fazer uma equipe adulta jogar coletivamente, dentro de alguns parâmetros que você insistentemente menciona em seu artigos, repetitivos em muito casos, que sem serem cansativos ecoam fundo em quem os leem, porém sem compreender como realmente funcionam, ou como fazer para que funcionem. Pergunto então, como fazer Paulo?..

    Boa pergunta, com respostas a granel no bojo dos mais de 1600 artigos publicados, que como você bem afirma, sendo longe de cansativos, ecoam fundo em que os leem, mesmo sem saberem como fazer um sistema de jogo funcionar coletivamente. Sim, é difícil, extremamente trabalhoso, acurado e detalhista, porem compensador ao final de cada ciclo de aprendizagem e treinamento, e mais ainda compensador em seus resultados nas competições…

    Então, vamos por partes, iniciando com o trabalho fundamental, aquele que define qual caminho escolher, estruturando o trabalho nos fundamentos, tendo como parâmetro a obrigatoriedade da participação de todos em seus exercícios individuais e coletivos, jamais setorizando trabalhos específicos para qualquer posicionamento de jogadores, altos e baixos, ou com diferentes morfologias, tendo todos de trabalhar igualmente os fundamentos do jogo, aprendendo e desenvolvendo habilidades, uns mais velozes do que outros, obedecendo seus ritmos de execução, mas tentando todo o tempo alcançar padrões similares entre si, numa benéfica rivalidade e troca de experiencias, descobrindo valores tecnicos individuais, compatibilizando-os com os demais, aprendendo a observar qualidades e defeitos ao seu redor, em si mesmos, capacitando-os na adequação de seus conhecimentos aos demais e vice versa, dando partida na busca do coletivismo futuro, baseado no pleno conhecimento dos fundamentos, agora e mais adiante sob o controle consciente de todos, fator básico na consecução do mesmo…

    Difícil de entender? Creio que não, na proporção direta de seu maior ou menor conhecimento do que e como ensinar os fundamentos do grande jogo, e aí neste pormenor aconselho uma rigorosa revisão dos muitos artigos aqui publicados, sugerindo começar com a série – O que todo jogador deveria saber, com seus dez capítulos, e o artigo Treinando os fundamentos (acesse-os digitando-os no espaço Buscar conteúdos)…

    A seguir, com o pleno conhecimento das habilidades e graus de criatividade de cada jogador, estipule um sistema ofensivo a ser aplicado, assim como um defensivo, que serão ensinados e treinados simultaneamente, visando essa etapa dos exercícios, e com uma particularidade completamente oposta aos hábitos de treinamento no país, a mais completa ausência de “ coletivos”, os tradicionais “rachões”, onde se cristalizam erros jamais corrigidos, onde cada jogador se considera completo e imune a críticas, apostando na repetição para sua melhora técnica, assim como deve-se coibir horas incontáveis em academias, pois a intensidade na prática dos fundamentos suprirá o condicionamento físico, com a mais importante característica, a proximidade permanente com sua ferramenta básica de trabalho, a bola, e não somente halteres, e máquinas descerebradas. Se mais adiante houver a necessidade de uma compensação de ordem articular ou muscular, tais máquinas poderão complementar o preparo, e não se situar como a cereja do bolo do processo de preparação da equipe, vício contumaz que assaltou o basquetebol nacional, onde fisioterapeutas, fisiatras e preparadores físicos passaram a determinar que e quais tipos de treinamento deveriam ser implantados na preparação das equipes, inclusive como  e quanto as cargas dos mesmos, numa apropriação indébita do verdadeiro gestor e administrador de todo o processo, o técnico…

    Na fase dos exercícios especiais, o sistema deverá ser fracionado em ciclos progressivos, que vão do 1 x 1, 2 x 2, até o 5×5, sempre em meia quadra, para total visualização sistêmica do projeto. Pouco a pouco as partes, os ciclos, vão se juntando, agregando progressivamente novos e detalhados comportamentos, que ao serem compreendidos por todos, indistintamente, vai se materializando no mais importante fator a ser alcançado, a coletiva compreensão do sistema, caminhando das partes para o todo, tanto ofensiva, como na incentivada percepção defensiva de como anulá-lo, e por conseguinte descobrirem novos caminhos para a exequibilizacao do mesmo (um sistema jamais deverá ser treinado e compreendido para dar certo quando aplicado, e sim para que seja capaz de provocar reações defensivas que, quanto mais previsíveis forem, maior será a efetividade do mesmo, fatores estes que de pronto anulam as interferências projetadas em pranchetas, escravas de sistemas imutáveis e repetitivos a serviço de coercitivos estrategistas), sob as mais diversas situações de jogo, fator primal para a correta leitura de jogo, feita por todos, e não alguns mais ligados na problemática tática que reveste a consciente prática do grande jogo…

    Todo esse processo foi descrito em 49 artigos aqui publicados na preparação da equipe do Saldanha da Gama no NBB2, a partir da segunda fase da competição, dez anos atrás. (Série de artigos iniciada a 6/2/2010, com acesso no espaço Buscar conteúdos, digitando O Primeiro Dia). Na continuidade, acontecem as confrontações 5 x 5, ainda em meia quadra, com trocas constantes de ações ofensivas e defensivas, na troca de jogadores, na permissividade controlada de ações defensivas mais enérgicas, até faltosas, provocando situações típicas e atípicas de jogo, aguçando as leituras e improvisações necessárias para elevar o sistema ao patamar coletivo tão ansiado por todos. Nunca será demais esquecer que paralelamente a esta fase, deverão ser mantidos os exercícios de fundamentos, exatamente para fixar na mente, no corpo e no comportamento de cada integrante da equipe, a importância de praticá-los sempre, fora ou dentro de uma temporada, fixando-os como fator básico em sua preparação ate o encerramento de suas carreiras…

    A importância desta fase semi final é da mais absoluta importância, pois defronta frente a frente, atacando e defendendo, jogadores proprietários de sistemas próprios, do conhecimento de todos em suas fundamentações  básicas, logo aparentemente vulneráveis pelo conhecimento de seus detalhes, propiciando improvisações conscientes dos mesmos, no intuito de torná-los eficientes ante contestações previsíveis e imprevisíveis, exatamente pelo exercício constante entre contendores que conhecem a si mesmos e a todos que ali estão comungando o mesmo objetivo. Jogos amistosos são desnecessários dentro desta realidade diferenciada de treinamento, e quando, ao final do programa de preparação e treinamento acontecer coletivos, estes serão completamente diferentes do comportamento inicial de toda a equipe, já que municiados e equipados de auto e pluri conhecimentos da equipe em seu todo e minúcias…

    Claro que se trata de uma forma absolutamente diferenciada da mesmice endêmica e limitada eficiência, já que dirigida, ou pseudamente dirigida de fora para dentro da quadra, ferreamente implantada em nosso basquetebol, onde o conhecimento sistêmico do jogo é de total conhecimento, e consequente aceitação de toda a equipe, jogadores e técnicos, tornando-os proprietários de um sistema e responsáveis pelo seu desenvolvimento pleno no campo de jogo, onde pedidos esporádicos de tempo somente se tornarão necessários para análises conjuntas, e não tentativas de imposições normalmente grafadas em pranchetas midiáticas e de eficiência de zero para baixo, na melhor das análises. Foi nessa equipe que aplicamos consensualmente o sistema de dois armadores e tres alas pivôs rápidos e atléticos, defesa individual e zona ocasional na linha da bola com flutuações lateralizadas, todas inéditas na época no basquetebol nacional (assista um jogo e julgue os resultados)…

Concluindo, devemos deixar bem clara a necessidade básica do pleno conhecimento técnico/tático do professor e técnico, fundamentada em muitos anos de estudo e trabalho, desde a formação de base ao adulto, que são indiscutíveis exigências ao exercício profissional, responsável no planejamento e preparação de jogadores e equipes em qualquer dos níveis existentes, sem atalhos e provisionamentos politicos…

    No congresso de técnicos que sucedeu o NBB2 em Campinas, um técnico famoso me arguiu do porque ou raramente pedia tempo nos jogos. Respondi simplesmente que ensinava e treinava arduamente a equipe para depender de mim o mínimo possível nos jogos, nada mais…

    Amém.

Fotos – Arquivo pessoal.



1 comentário

  1. […] artigo de ontem, veiculei um video de um jogo de dez anos atrás, no NBB2, Joinville x Saldanha da Gama, tendo como […]

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