HOJE…

Hoje seria o dia, esperado desde março do ano passado, trancado em casa, saindo uma vez por semana para ir ao mercado com a filha que sequer me permite sair do carro, porém ativo em casa, consertando falhas, lendo e escrevendo muito, assistindo pela web e TV apresentações artísticas e desportivas, documentários e bons filmes, e acima de tudo, tentando acompanhar e entender uma pandemia criminosamente administrada por um governo inepto e assumidamente negacionista. Esperei muito, paciente e esperançosamente convicto de que aguardando minha vez seria imunizado hoje, enfim, hoje…

Mas a vacina zerou seus estoques, hoje, quando os idosos de 81 anos teriam a sua vez, lançando minhas esperanças para os idos de março, sei lá. Sei que um dia chegará, mas não tão rápido quanto à turma dos profissionais de educação física, vacinados de início com a apresentação da carteira dos Cref’s estaduais, mesmo não estando na linha de frente no combate ao Covid, numa atitude injusta e incompreensível ante os mais comezinhos critérios de prioridade que pudessem ser observados, a não ser o fato do mito se arvorar como um profissional da área, com seu curso de instrutor realizado na EEFEx…

Choca assistir na web e nas TV’s postagens desses pseudos profissionais, posando seus braços às seringas imunizadoras, lançando para trás muitos e muitos idosos pertencentes às áreas de maior risco nesta pandemia inominável, como se merecedores fossem de direito, o que não o são com a certeza dos justos. Nunca a lei de Gerson foi tão acessada, nunca…

Furação de fila sei que acontece aos magotes por esse imenso, desigual e injusto país, mas assim como a grande maioria desse sofrido povo, aguardamos a nossa vez, contritos e esperançosos em dias um pouco melhores dos que até agora vivemos, com as graças e proteção dos deuses e da ciência. Enfim, aguardarei a minha vez, como sempre me comportei nestes 81 anos de vida de professor, técnico e jornalista…

Como disse anteriormente, entre livros, escritos e ferramentas, também assisto a filmes, musicais e desporto, basquetebol eventualmente, pois em tempo algum de que me lembre, o grande jogo nunca foi tão maltratado, pelo menos aqui em terra tupiniquim. Como me sobra algum tempo diário para pensar depois dos extenuantes afazeres, relembro alguns fatos passados, como a noite em que fui com meu filho basqueteiro André ao velho e fantástico maracanãzinho (hoje disforme e minimizado), numa final entre Flamengo e a equipe transplantada de Franca para o Vasco da Gama, quando o André me viu de olhos fechados no meio daquele ambiente efervescente, e antes que me cutucasse mais, narrei o que estava acontecendo taticamente na quadra, integralmente, nos deslocamentos, passes, dribles e claro, nos óbvios erros e equívocos que lá aconteciam, sequencial e ciclicamente, dentro do sistema único que ambas as equipes utilizavam, e lá se vão mais de trinta anos…

O que assistimos nas redes e na TV diariamente, senão a repetição escrachada daquela época, o que?  Exatamente o mesmo com o acréscimo da desenfreada e absurda chutação de três, levando aquela realidade de décadas atrás ao paradoxismo que vemos nos dias de hoje. Duvidam? Vejam esses recentes números do NBB:  

– Flamengo 79 x 71 São Paulo – 30/52 arremessos de 2 (15/26 e 15/26), contra 24/73 de 3 (15/44 e 9/29) e mais 21 erros de fundamentos.

– Campo Mourão 74 x 93 Flamengo – 39/71 arremessos de 2 (24/47 e 15/24), contra 27/68 de 3 (8/24 e 19/44), mais 24 erros de fundamentos.

– Paulistano 63 x 71 São Paulo – 26/77 arremessos de 2 (11/32 e 15/35), contra 22/85 (isso mesmo, 85!!!) de 3 (12/45 e 10/40), mais 21 erros.

Em suma, conseguiram ultrapassar a barreira dos 80 arremessos de 3 numa partida, e celeremente vamos de encontro aos 90, e quiçá, a cereja desse mal cheiroso bolo, a marca centenária. Junto também vão os erros de fundamentos, com partidas do NBB alcançando médias de 30 erros por jogo, e jogos com 35 e até 43 erros, numa crescente absurda e inominável. Ninguém merece tal castigo, ninguém…

Aliás, cabe aqui um pequeno comentário às vésperas de uma olimpíada, e nossa tentativa de classificação no torneio pré olímpico na Croácia, onde teremos como adversários os donos da casa, russos, alemães, mexicanos e tunisianos, classificando somente o vencedor de uma chave difícil e problemática. Exatamente na grande reta para o torneio, equipes de ponta do NBB desencadeiam um tsunami irracional, fundamentando suas atuações em um sistema de cinco abertos, mais o tradicional de três décadas, regados e alimentados por um caudal absurdo de arremessos de três pontos, em qualquer situação, distância, equilíbrio, ou mesmo, raciocínio. O chega e chuta formatou e padronizou uma forma de jogar que raia o inacreditável, num claro, claríssimo recado ao técnico croata da seleção, como que determinando – Viu cara, é assim que temos de atuar, pois esse é o basquetebol brasileiro, o verdadeiro…- Ponto.

Esquecem os espertos estrategistas que a seleção vai enfrentar equipes de verdade, que marcam, contestam e erram muito pouco nos fundamentos, quando não poderemos contar com o exercito de armadores argentinos, uruguaios e até um mexicano, assim como outro exercito de americanos que tomaram o comando efetivo das equipes tupiniquins, estrutural e tecnicamente falando, num espantoso determinismo adaptativo sem paralelo na história do grande jogo no país, sobrando para nosostros a artilharia de fora dos alas e pivôs ansiosos em também participar do frenetico butim das bolinhas, ou uma ou outra enterrada bestial, que junto aos estratosféricos tocos fazem a festa histrionica e gutural de ensandecidos narradores e comentaristas de ocasião…

Sim senhores, lá na Croácia, teremos de jogar com a sobra pessoal e coletiva de alguns encanecidos veteranos, ao lado de jovens mal orientados e preparados, onde nomes como Caboclo, Didi, Felício, Bebê, e outros mais, se perdem no labirinto desenhado por agentes e aconselhadores, que em nenhum momento se deram conta de que a NBA amaciava seu caminho financeiro promovendo jovens craques brasileiros, destinando-os às ligas de desenvolvimento ou franquias de segunda classe, ou esclarecendo melhor, sabiam e sempre se deram conta do que acontecia, num mercado duro e cruel, mas que rende uma boa grana…

O croata que se cuide, pois o recado tem endereço certo, seu lugar, pois estará fragilizado ante uma realidade traduzida em títulos e vitórias “geniais”, de equipes bases para a seleção, alicerçadas em espaçamentos convidativos às penetrações, chutação frenética e generalizada de três ( -se está ou se sente solto fora do perímetro, chuta o quanto puder- instruem os estrategistas), sejam os jogadores nativos ou estrangeiros, todos beneficiários de uma letal combinação, a de ninguém “realmente” marcar ninguém, numa “mentirinha” cínica e provida de uma realidade, a de que todos se deem bem, que o público (?) vibre, e que a mídia faça valer seus “vastos conhecimentos”…

E lá irá o croata com seus princípios coletivistas, defesa irmanada, ataque seletivo, leitura consistente de jogo, arremessos conscientes e pontuais, enfrentando defesas realmente sólidas e perseverantes, ataques cirúrgicos e sem salamaleques, jogadores fortes mental e fisicamente, liderando uma geração acostumada a tudo que acima postei, e com um adendo, vacinada contra todos aqueles que não os consideram “gênios dos longos, especiais, críticos e especializados arremessos de três pontos”, acalentados pela fugaz “síndrome das mãos quentes”, do ” hoje elas caem”, do “perdemos nos detalhes”, discursos técnico táticos de quem em absoluto conhece o grande jogo, mas que a cada partida do NBB deita sapiência que absoluto não possuem, exceto poucas, muito poucas exceções…

 Sérios problemas se anunciam na Croácia, mas teremos a seguir alguns anos para modificarmos nossa forma de ensinar, estudar e atuar o grande jogo, visando o próximo ciclo olímpico, claro, se mudarmos radicalmente a forma de encará-lo…

Hoje não me vacinei naquele deserto e gigantesco Centro Olímpico, mas quem sabe, meus deuses, amanhã?…

Amém.

Nota – Esse texto era para ter sido publicado no dia 18/2, porém uma falha de programação fez com que o mesmo fosse publicado no facebook. PM.



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