O PESO DO COMANDO.
Corria o distante ano de 1966, estava eu com 25 anos, jovem técnico das divisões de base do CR Vasco da Gama, quando fui convidado pela Federação do Rio para dirigir a Seleção Adulta Feminina no Campeonato Brasileiro daquele ano em Recife. Era uma época de grande prestígio no basquete feminino, cujas finais, sempre com São Paulo, arrastavam multidões e tinha ampla divulgação na mídia, inclusive no novíssimo meio televisivo. Numa equipe onde atuavam jogadoras do quilate de uma Norminha, Delci, Marlene, Neuci, Marli, Atila, Regina, Zezé, Rosália, Angelina, Didi, Luci, que enfrentariam em mais uma previsível final jogadoras inesquecíveis como Nilza, Odila, Ritinha, Nadir, Darci, Elzinha, Amelinha, Neusa, Marlene Righetto, Irene, todas elas formando a base da Seleção Brasileira.
Antes de um dos treinos que realizávamos no ginásio da Policia do Exercito, conversávamos com a grande jogadora Marlene, que polida e educadamente ponderava que não se sentia segura e confiante com o sistema de jogo que eu desenvolvia nos treinamentos, que diferia bastante dos que ela se acostumara nas equipes de que participou. Fiz ver a ela que tivesse paciência e confiasse na proposta técnica que desenvolvia junto a equipe, e que em breve teria nela um dos suportes básicos para o sucesso da mesma. Tudo isso discutido em particular, e que somente hoje, 41 anos depois torno público. Nem o restante da equipe soube algo a respeito, e como garanti, foi a Marlene a grande estrela da final com São Paulo com seus maravilhosos 38 pontos, na única partida que disputou, pois havia se contundido seriamente ao final dos treinamentos no Rio.
E porque relato tal fato tantos anos depois de ocorrido? O noticiário dos últimos dias trouxe à baila, em todos os meios de comunicação, as declarações de insatisfação técnica da grande estrela da NBA, Nenê, contra os métodos de treinamento da Seleção Brasileira, seu não aproveitamento tático satisfatório no último Pré-Olimpico quatro anos atrás, seus pedidos de modificações no âmago da comissão técnica com o aproveitamento de dois técnicos estrangeiros sugeridos por ele, assim como o pedido de convocação de jogadores de seu agrado, não relacionados pela CBB. Foi veemente a respeito de alimentação, transportes, e até sobre os figurinos dos uniformes de treinos e jogos. Enfim, colocou as cartas na mesa como um delfim que se julga acima da nossa realidade, muito diferente do eldorado em que se encontra atuando.
No entanto, não existem evidências que tenha tido esse tipo de comportamento nos Estados Unidos, quando alteraram seu físico radicalmente, a ponto de tornar suas articulações impotentes de resistir à massa corporal adquirida, e tampouco se rebelar quando o obrigaram a mudar seu estilo de jogo, colocando-o perante um impasse em ser um ala-pivô, sua formação básica, ou um pivô de choque, o que causou sérios embaraços em suas duas temporadas iniciais, e que só foram minimizados na temporada terminada recentemente, quando perdeu 17-8 kg.,suficientes para recobrar um pouco de sua outrora agilidade, aliviar um pouco as tensões articulares, e se fixar como o ala-pivô que sempre foi. Mas claro, o grande montante de dólares envolvidos em seus contratos, tornaram tais impasses meros e diminutos detalhes.
Mas aqui chegando, esclarecendo suas divergências técnico-táticas, e por que não, administrativas, depois de quatro anos sem defini-las objetivamente, numa ambigüidade que ora se manifestava contra a direção da CBB, e ora contra os métodos de treinamento da comissão técnica, resolveu publicamente, em todos os canais de mídia, derramar sua magnanimidade em defender e salvar o basquete brasileiro do desaparecimento, colocando, não mais o grego melhor que um presente no foco de seus ataques, e sim a comissão técnica em seu todo, já que sugeriu não um ,mas dois estrangeiros para dela fazerem parte, mas que, por sorte nossa, falam português…
E o que o titular da comissão declara após a divulgação do posicionamento constrangedor e nocivo, por ser inadequado e inaceitável vindo de um jogador, e o pior, de forma indireta, pois assumido e divulgado por meios de comunicação de massa. O que disse o Head-coach? “Ninguém é inocente de não ter jogadas para os atletas de cada posição. Os jogadores têm total liberdade de expor seus pontos de vista, e qualquer técnico inteligente sempre os ouve”. E complementou-“Trazer técnicos estrangeiros é atribuição da CBB, e não minha”.
Sim caro coach, é inteligente ouvi-los, como ouvi a grande Marlene, de frente, olho no olho, como duas pessoas profundamente interessadas em bem servir a seleção, em particular, com isenção e honestidade, e não trombeteando liderança que não possui, nem entre seus pares, vide declarações de alguns deles após o último mundial de triste memória, mas confiando no peso milionário de participar de uma liga que nos torna, em seu cotidiano e entendimento, de importância secundária, perante o mundo globalizado do qual ora faz parte.
Não caro coach, muito mais importante é manter íntegra uma liderança fundamental para a constituição do sentido de equipe, base e cerne de todo e qualquer esforço dispendido por uma coletividade desportiva que se propõe representar um país. Nosso candidato a herói nacional extrapolou suas responsabilidades de atleta de elite, colocando-se numa posição de salvador da pátria, para muitos órfã de líderes, mas agredindo e ferindo princípios hierárquicos inquestionáveis, em se tratando de uma equipe nacional em formação.
Sim caro coach, urge uma retomada de posição, enérgica e decisiva, fatores necessários para a tentativa, tênue bem sabemos, de nos classificarmos para vôos maiores no campo internacional, mesmo ante o abusivo, inoportuno e malicioso posicionamento do candidato a salvador do basquete brasileiro.
E ao final deste lastimável embate ficam algumas perguntas- Se os dois técnicos estrangeiros não forem contratados, se as jogadas da seleção continuarem as mesmas, se os jogadores indicados não forem convocados, se os transportes e a alimentação não melhorarem, se os uniformes continuarem apertados, como reagirá o grande jogador? Aceitará a situação tendo como única garantia o seguro exigido pela NBA pago? Ou aproveitará para pular fora, numa situação por ele mesmo provocada? E os demais integrantes da comissão, o que têm a dizer? Se nada tiverem a dizer, se calarem e aceitarem o repto, ai sim, nosso herói terá tido razão no confronto, e nada mais restará para a “unida e uníssona” comissão senão o caminho da roça, e com o lapitopi caipira embaixo do braço.