O CICLO MAMBEMBE QUE SE INICIA…

De São Paulo o Fábio me abastece de artigos e estudos sobre o grande jogo, e numa enorme surpresa, o Gil se comunica dos Estados Unidos, descontando um grande lapso de tempo que nos afastou dos excelentes papos técnicos e vivenciais, tão importantes nestes obscuros tempos pandêmicos. De certa forma sentem meu afastamento gradual das sempre presentes linhas neste humilde blog, tão ou mais cansado da crescente falência do basquetebol entre nós, apesar dos ufanismos que o tem cercado de uns tempos para cá, em nada condizentes com a crua realidade em que se encontra, sem sequer se classificar em nenhuma modalidade nos recentes Jogos Olímpicos de Tóquio…

Falando sério, não fez falta nenhuma, pelo alto grau de demérito com que tem  se comportado no cenário internacional,  reflexo direto e indiscutível de sua nula importância num outro cenário, o tupiniquim, da base à elite. Triste, muito triste,apesar do não reconhecimento dessa realidade pelos poderes que o regem administrativa, técnica, tática, e pedagogicamente, num carrossel de equívocos e crassos erros, que de tanto se repetirem geraram uma mesmice endêmica que se tornou quase irreversível, pois não se preocupam seriamente nas correções de planejamento e rumos, novos e urgentes rumos a serem tomados, e que a cada temporada e ciclo olímpico, mais e mais se afastam do fulcral tempo de retorno, numa frenética busca de um avanço fadado ao fracasso, pois se fundamenta na negação dos pilares básicos do grande, grandíssimo jogo…

Quando repetidamente falo do tempo de retorno, o faço como testemunha participativa de um tempo em que formávamos grandes jogadores em grande quantidade, advindos de uma juventude ávida de saberes, exemplificada por verdadeiros ídolos da modalidade, alguns dos quais pertencem às galerias da fama internacional, reconhecidos e aplaudidos desde sempre, ensinados por professores e técnicos de verdade, e não pelos que se auto promovem surfando as ondas midiáticas e políticas de um valor nada condizente com a realidade digital que nos aproxima sem fronteiras de  suas prestações em tempo real, sejam jogadores ou técnicos, noves fora aqueles responsáveis por suas falseadas projeções, os dirigentes, agentes, patrocinadores e a grande parte de uma mídia que, decisivamente, se  convenceu da existência do grande jogo a partir de suas vindas ao mundo, num proposital e absurdo esquecimento de sua existência centenária, repleta de testemunhos gráficos, cinematográficos e vastíssima literatura, a mais extensa dos desportos coletivos, regiamente desprezada em nome de uma facciosa falácia criada, patrocinada e divulgada por quem, absolutamente nada entende de um jogo magistral, reduzido a “bolinhas de três”, enterradas “ ridículas”, e tocos “monstruosos”, transformando-o no pastiche criminoso que aí está, escancarado e vilipendiado, aí sim, em tempo real…

Enaltecem uma LDB, disputada por jogadores já pertencentes ao NBB, tomando espaço aos mais jovens, justamente aqueles que deveriam disputá-la integralmente, como campo prático de aprendizagem, mesmo com os absurdos e comprometedores índices de 32,5 erros de fundamentos por jogo ( se duvidam façam as contas), fruto direto de uma formação de base em que crianças de 9/10 anos se esforçam anatomicamente para arremessar da linha dos três pontos, muito antes de aprenderem e apreenderem a mecânica correta dos lançamentos de curta e média distâncias, como uma coordenada bandeja, que continuam a errar mais tarde quando assediados por uma defesa mais próxima. Quando nada aprendem da arte decisiva de defender sua cesta, repetindo erros crassos quando adultos, e o pior, sem correções em nenhuma das fases evolutivas, ou mesmo tropeçando e atropelando a bola em penetrações ofensivas destituídas das técnicas de controle corporal e manuseio correto e consciente de uma esfera, cujos comportamentos são totalmente desconhecidos pela esmagadora maioria deles. São exemplos de nossa falha estrutural , onde jogadas miraculosas e até mágicas se impõe ao pleno conhecimento da arte de ensinar gestual e tecnicamente um jovem a jogar e amar um jogo, e não toureia-lo na acepção do termo, onde a velocidade .descerebrada se antepõe ao raciocínio e a correta leitura do jogo, cerne e alma do bem jogar…

Por tudo isso não fomos aos Jogos, em nenhuma categoria, e continuaremos a não ir se nos mantivermos inertes ante tanta picaretagem, estupidez e Q.I.´s  políticos e covardes. Temos de redescobrir os verdadeiros professores e técnicos do grande jogo entre nós (que existem marginalizados), reuní-los em torno de uma grande mesa, para que formulem alguns e poderosos princípios de ensino e aprendizagem a serem divulgados nacionalmente, e não continuarem a ser propriedade vitalícia de um grupo que em hipótese alguma admite “largar o osso” de sua mediocridade, o nicho garantidor de seus salários, que já dura quase trinta anos de insucessos, desculpas e “pequenos detalhes”, quando eles mesmos são os nefastos “detalhes”. Em qualquer atividade educacional humana, a passagem do bastão se torna imperativa, mesmo que seja forçada a retroceder aos mais antigos e experientes mestres, como num ajuste de objetivos, quando os mais jovens aprenderão e apreenderão saberes e vivências adquiridas por todos aqueles que conheceram as íngremes e cortantes pedras de um caminho árduo e sacrificado da arte de ensinar, pensar, pesquisar, planejar e instruir todas, ou quase todas, as sutis nuances de uma atividade complexa como o basquetebol, que decididamente, não é para qualquer candidato a estrategista, muito menos quando sobraçando uma prancheta que, segundo muitos analistas, “falam”…só não sei o que…

Então, o que escrever sobre o basquetebol em Tóquio, senão atestar nada surpreso, comentaristas luminares deste imenso, injusto e desigual país, apontar da necessidade da equipe francesa jogar num 5 x 5 pausado e pensado, procurando o jogo interno e seguro, exatamente contrário às suas exigências nas equipes a que pertencem ou pertenceram, seguidores fiéis do chega e chuta institucionalizado em praticamente a maioria das equipes do NBB. pretensamente a forma de atuar dos americanos, o que é totalmente errôneo, pois os mesmos emergem e executam os fundamentos básicos com tanta maestria, que independem, num torneio de tiro curto, de sistemas “profundos e pranchetáveis”, para vencer a competição com sobras, mesmo perante o tropeço inicial contra o mesmo rival, a França, na partida final. Equipes como a Eslovénia e a Austrália compuseram a tabela das finais, onde a presença maciça dos que atuam na NBA fizeram a diferença, pelo domínio e conhecimento dos fundamentos básicos, fator primordial para toda equipe que anseia e pretende competir em alto nível. Com a formação capciosa que temos nas bases, masculina e feminina, exemplificada regiamente pela equipe americana na final com as japonesas, quando venceram fazendo jogar suas duas gigantes embaixo da cesta, ante a improvável defesa das pequenas orientais, lembrando muito a Semenova da antiga União Soviética, vencendo a todas as adversárias de forma absolutamente idêntica. Foi exatamente aquele soviético modêlo que forjou uma enorme plêiade de técnicos das divisões de base brasileiras, promovendo peneiras visando o aproveitamento do trabalho abnegado e duro dos que realmente iniciavam e formavam os jovens jogadores, defendendo zona, pressão contra as equipes fracas e lançando bolas e mais bolas para pivôs embaixo da cesta, a maioria dos quais priorizados pela estatura a outros mais baixos, porém mais talentosos, acumulando e “abrilhantando” currículos, visando única e exclusivamente as divisões adultas, resultando no que viemos acumulando desde sempre, na sucumbência do grande, pequeno para todos eles, jogo em nosso país, com alguns bons talentos naturais, porém frágeis naquele ponto mais nevrálgico, aquele em que apostam as grandes escolas internacionais, o pleno, consciente e efetivo domínio dos fundamentos do jogo…

Virei madrugadas sem conta apreciando a grande competição, da vela ao boxe, do atletismo ao vôlei, e por que não, do remo ao ciclismo, prestigiando os grandes atletas, vibrando e torcendo por todos, na ginástica no surf e no skating, e muitos outros, somente triste em atestar a justiça de nossa não presença no grande jogo, onde se fossemos, estaríamos nesse momento confirmando da forma mais contundente e trágica que o momento do chega e chuta, da autofagia das bolinhas, do advento das “peças” intercambiáveis, da ciranda monocórdia de estrategistas e suas mimetizadas pranchetas, de transmissões midiáticas apopléticas e ufanistas, de comentários dúbios e desprovidos de confiabilidade, de projeções prospectivas de jovens despreparados rumo a liga maior, provocadas por interesses de agentes que não estão nem aí para o basquete brasileiro (analisem nossos prospectos nos últimos dez anos), e sim para os lucros possíveis a serem alcançados, não importando a que preço for, sim absolutamente sim, estaríamos agora diluindo mágoas e vertendo lágrimas de jacaré (quem sabe o da vacina terraplanista…), que sim, tem de acabar, de uma vez por todas, TEM DE ACABAR, como?…

Sugiro alguns pontos, a saber:

– Que de alguma forma preparemos os jovens professores e técnicos através um currículo mais extenso nas escolas de educação física, com o retorno dos seis semestres dos desportos mais ligados às escolas (futebol, basquetebol, voleibol, handebol, atletismo, natação, ginástica, judô), grade esta que foi minimizada por disciplinas da área biomédica, quando da bem planejada, articulada e veiculada passagem dos cursos dos centros de ciências humanas (onde são formados e licenciados os professores, e não provisionados por Cref´s), para a biomédica, numa tacada magistral visando a indústria do culto ao corpo, originando. com a desculpa do benefício salutar, o mega negócio que se transformou na imensidão de academias. verdadeiras holdings, que para as quais, a educação física e desportiva escolar tornou-se obstáculo para o mais rentável grupamento a ser conquistado, os jovens adolescentes.

– Que adotássemos algumas regras nos períodos da formação de base, a exemplo de alguns países, adequando a conquista das habilidades básicas inerentes ao jogo, a fim de priorizarmos o ensino dos fundamentos da forma mais ampla possível, e exemplifico com dois aspectos objetivos:

1- Defesa – proibição de defesas zonais até os 16 anos da formação.

                 – aumentos nos tempos de posse de bola de 35 seg para os 

                               jovens até os 13 anos, e 30 seg até os 15 anos.

                             – encerramento de qualquer partida que excedesse os 30 

                               pontos até a idade de 13 anos.

             2- Ataque -Proibição dos arremessos de três pontos até a idade de 15 

                               anos, liberando-os dai ´para diante, assim como a posse 

                               dos 24 seg.

                              – Que na idade até os 13 anos, fosse adotada as regras do 

                                mini basquete, principalmente a regra que somente 

                                permite que cada jogador participe no máximo de dois 

                                quartos sucessivos, e que pelo menos todo jogador 

                                participe de um quarto obrigatoriamente, usando bolas

                                e cesta adaptadas a sua biotipologia.

São pequenas e factíveis adaptações que de saída obrigariam os professores e técnicos a  ensinar o jogo de forma harmônica, respeitando os ciclos físicos e emocionais de cada jovem, que são naturalmente variáveis, e onde a maior conquista seria a evolução técnica de cada um em seu próprio ritmo, e não a vitória a qualquer custo, que somente beneficia currículos profissionais. A capacitação de cada técnico evoluiria pelo número de jovens que acendessem as divisões superiores, e a qualificação dos mesmos em seleções municipais, estaduais e federais, sendo avaliados anualmente dentro deste parâmetro, a ser regulamentado, ou seja, seria avaliado e promovido pela qualificação dos jovens orientados, e não pura e simplesmente por títulos conquistados. Sem dúvida evoluiriamos de forma consistente no adequado preparo de nossos jovens, democrática e tecnicamente.

Com uma competente EBTN, promovendo um ensino/aprendizagem de qualidade superior na base da modalidade (o que nunca conseguiram), alcançariamos em duas gerações uma evolução plausível  ao formarmos e termos uma base razoavelmente sólida nos fundamentos individuais e coletivos, sem formatações e padronizações técnico táticas, tão usuais no presente, passado que tem sido equivocado e frustrante, vislumbrando um futuro ainda pior, pois o reflexo do que aí está já não engana ninguém, e somente beneficia aqueles que no fundo odeiam o grande jogo, por não compreendê-lo, e por conseguinte, aviltando-o na negação de sua imensa grandeza…

Um ciclo se inicia, mudaremos? Torço para que sim, mesmo que lá no fundo dos meus ativos e lúcidos 81 anos, duvido dos que aí estão ditando regras, se já não bastasse essa criminosa e virulenta pandemia, que em breve passará. Quanto a eles, sei não…

Amém.

Fotos – Reproduções da TV. Arquivo pessoal. Clique nas mesmas para ampliá-las.   



4 comentários

  1. João 13.08.2021

    Treinador…é de assustar, mas não estão surgindo mais novos atletas com real potencial treinável para aproveitamento, isso é uma realidade vista por todos, e não somente dentro do basquete, estamos vendo agora que outras modalidades também estão com esta dificuldade…o futebol é uma exemplo claro disso…a situação se agravou ainda mais com a pandemia…se os governantes não implementarem uma forte política esportiva voltada para o ambiente das escolas corremos o risco de sucumbir futuramente principalmente nos esportes coletivos…um decréscimo incrivel que está acontecendo…abraço treinador.

  2. Bruno Bambacaro 15.08.2021

    Bom dia Professor.

    Gostaria muito ver um post seu sobre a nossa seleção femenina sub-19 no mundial de basquete.

    Gosto muito do seu blog.

    Um grande abraço

  3. Basquete Brasil 16.08.2021

    Prezados João e Bruno, acredito que o artigo que postei hoje responda às suas questões. Um abraço aos dois. Paulo Murilo

  4. […] retomada técnico tática em nossa formação de base, como as que publiquei no artigo O Ciclo Mambembe Que Se Inicia, em […]

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