CONCEITOS X FUNDAMENTOS II
A Loucura de Março do basquete universitário americano realmente transcende a nossa percepção do que venha a ser basquete organizado em todos os sentidos. Mais agora, que pela internet podemos acessar todos os jogos, ao vivo e à cores. Dá gosto ouvir comentários de quem realmente entende do riscado, enxutos e objetivos, feitos por quem convive com uma realidade muitos furos acima da nossa. E por conta desse espetáculo anual imperdível, por pouco deixei passar uma notícia dada no Databasket intitulada “Testes físicos ajudam comissão técnica da sub-15 masculina”, publicada no dia 19 desse mês.
Custei a acreditar no que estava lendo, incrédulo e profundamente preocupado. Por longos e longos anos me dediquei à categoria Infanto-Juvenil, hoje chamada de cadetes, e que sucedia a de Infantís, com idades entre 13 e 14 anos, exatamente na faixa da atual Sub-15. Se no Infanto, a minha preocupação maior era a de ensinar e treinar jovens em uma fase decisiva em sua maturação como indivíduo, situado a meio caminho da puberdade, com suas drásticas modificações morfológicas e psicológicas, e sua propensão ao confronto com as gerações mais adultas, maior ainda eram minhas preocupações quanto àqueles jovens infantis, principalmente perante uma realidade competitiva, para a qual sua constituição física e nervosa ainda se encontrava em plena maturação. Por estes motivos, sempre me coloquei contra a competições de caráter nacional para as mesmas, aceitando com ressalvas as de caráter regional e estadual, assim como, sempre defendi a adaptação de algumas regras do jogo, a fim de adequá-las às características daquelas fases de maturação. Posse de bola mais extensa e participação obrigatória de todos os jogadores das equipes nos jogos, eram algumas das propostas que sempre defendi.
Em suma, sempre propugnei pelo ajuste de algumas regras no intuito de proteger e desenvolver a evolução técnica dos jovens, guardando os princípios de sua maturação e ritmo orgânico e mental.
Pois bem, está lá na matéria publicada : “Fizemos alguns testes para identificar o tipo físico, ossatura, envergadura, velocidade e impulsão dos atletas(?) e ver quem tem o perfil ideal para o basquete. Na verdade, nos dias de hoje, não é o atleta que escolhe o esporte, é o esporte que escolhe o atleta. Os resultados apontam as características morfológicas e motoras, dando subsídio para identificar talentos e aprimorar determinados aspectos. Vamos fazer um relatório, que será entregue aos atletas e seus clubes para que possam trabalhar os detalhes necessários”, explicou o preparador físico Fábio Ganime.
Ou seja, tenta-se voltar ao tempo da DDR, República Democrática da Alemanha, da República Popular da China, e mesmo da URSS, com seus testes em massa de jovens escolares, em busca de “talentos” que foram reduzidos a pequenas máquinas voltadas à propaganda de suas políticas, onde até a menarca de suas meninas era retardada em função de um pseudo desenvolvimento técnico nas quadras, piscinas e pistas do mundo, comprovando a excelência de seus projetos políticos e de educação. E todos sabemos no que deu tão estúpida e selvagem aventura. Muitos daqueles “atletas” ainda hoje padecem daquele “tratamento científico”. E como afirmei , não acreditei no que estava lendo, ainda mais por se tratar de uma seleção púbere. Revolta-me em particular a afirmativa de que nos dias de hoje não é o atleta que escolhe o esporte, é o esporte que escolhe o atleta. Esqueceram-se de um detalhe fundamental ao definir tal absurdo, o de que não se trata de atletas, e sim adolescentes, com seus sonhos e ídolos.
E foram mais sofisticados : “Realizamos o teste de velocidade com dispositivo de fotocélula para ver o tempo de deslocamento do atleta em cinco e 20 metros. Isso serve para identificar aqueles que podem puxar os contra-ataques, por exemplo(…)”.
Meus deuses, segundo eles, ser velocista caracteriza o puxador de contra-ataques, e não aqueles que dominam o drible e os passes velozes, fatores que independem de velocidade física, e sim percepção espacial em particular.
“(…)Os saltos verticais com plataforma verificam a impulsão dos atletas e nos mostram os que têm mais chances de garantir os rebotes(…)”.
E eu que sempre pensei que capacidade reboteira é uma qualidade fundamentada principalmente no domínio do binômio tempo-espaço, que em muitos casos transforma jogadores não muito altos em excelentes reboteiros, que ai sim, no caso de os reconhecermos, uma atividade de incremento de impulsão, na medida que a mesma não estabeleça uma quebra do binômio, sempre será admissível, mas nunca perante a ótica inversa como a proposta pelos testes mencionados, ainda mais em se tratando, repito, de jovens de 13 a 14 anos.
“ (…) Utilizamos o teste do “yoyo”(?) para verificar a resistência cardiovascular do atleta. Ele consiste em correr de um determinado ponto a outro, conforme o som emitido pelo aparelho. O intervalo entre um “bip” e outro vai diminuindo, levando o atleta a exaustão(…)”.
Exaustão? É isso mesmo que li, exaustão? Então está tudo errado no mundo da preparação física em nosso país, já que levamos jovens de 13 a 14 anos a estados de exaustão, numa fase em que seu corpo se encontra em evolução em todos, todos os sentidos, físico, estrutural, nervoso e psicológico, não tendo maturidade para enfrentar intromissões que violentem o ritmo evolutivo de seu organismo, o que poderá ocasionar sérios danos no futuro.
E concluindo, para o técnico Christiano Pereira, essa avaliação é um dos pontos fundamentais para o trabalho da equipe técnica. “Esse feedback é importante para a comissão técnica na hora de selecionar os doze jogadores para defender a seleção brasileira nos campeonatos internacionais. Com os testes, temos conhecimento do que cada um pode render em quadra e como podem ser úteis ao nosso esquema tático. Às vezes ficamos com dúvida em relação a dois atletas e nessa hora, o conceito físico nos ajuda a tomar a melhor decisão”, comentou Christiano.
Como vemos, para a seleção dos futuros jogadores do país, o que importa é o fato de serem úteis ou não ao esquema tático da comissão, que para o caso de dúvida sobre quem deverá ou não prosseguir na equipe, os testes dirimirão as dúvidas. Inaceitável, absurdo, comprometedor já seria se estivessem preparando equipes sub-19, e até sub-16, e não uma sub-15! No artigo anterior que publiquei, Conceitos x Fundamentos, em 3 de março desse ano, conclamei e desafiei a comissão técnica a transformar seus treinamentos numa inovadora clinica de fundamentos, que são os elementos básicos do jogo, e que qualifica os jogadores para os sistemas ofensivos e defensivos , dos mais simples aos mais complexos, onde aprenderiam as verdadeiras finalidades do jogo, e onde aprenderiam a amá-lo, por conhecê-lo no que apresenta de mais belo, o domínio do mesmo.
Quanta pretensão a minha, que por muito mais de 40 anos ensinei , não só os jovens jogadores, mais também jovens professores e técnicos a observarem o preceito mais primário do esporte, o respeito permanente e rígido aos limites de cada faixa etária, preparando-as para os degraus da evolução, que devem ser galgados com a calma e a precisão dos vencedores, não só nas quadras, como também na vida.
Estamos colhendo os efeitos nefastos da transferência das licenciaturas de Educação Física da área das Ciências Humanas para a da Saúde, com seu pragmatismo exacerbado e desconhecimento quase absoluto do humanismo, elemento fulcral das políticas educacionais de um país. Em 1972, quando essa mudança foi estabelecida, fui um dos pouquíssimos professores que se insurgiram contra a medida, prevendo exatamente o que vem ocorrendo nos dias de hoje. Vai ser difícil, mas não impossível, reverter tal quadro, ainda mais quando se trata de uma indústria, a do corpo, que segundo o Atlas da Ed.Física do Comte.Lamartine , movimenta 12 bilhões por ano no país.
No entanto, e por enquanto, sugiro aos pais de todos os jovens abaixo dos 15 anos que exerçam uma vigilância enérgica quanto à preparação técnica de seus filhos, seja em que modalidade for , exigindo que a mesma obedeça e respeite faixas etárias e princípios educacionais, principalmente quando se tratar de seleções representativas, municipais, estaduais e nacionais, pois somente dessa forma evitarão despropósitos e aventuras, nem sempre estéreis.
E que os Deuses protejam nossos sub-15 remanescentes.
Amém.